quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cuba e o número de "presos políticos"


Salim Lamrani




A questão do número de "presos políticos" em Cuba, está submetida à polêmica. Para o governo cubano, não existem presos políticos em Cuba, e sim pessoas condenadas por delitos previstos no Código Penal, particularmente o fato de receberem financiamento de uma potência estrangeira. Em seu informe de 2010, A Anistia Internacional(AI) fala em 55 "presos de opinião"(1), dos quais 20 foram liberados em julho de 2010, outros 6 em 15 de agosto de 2010, logo da mediação da Igreja Católica e da Espanha, e outros dois antes.(2) Então, segundo a "AI", restam atualmente 27 "presos políticos" em Cuba. Finalmente a oposição cubana e mais precisamente Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos e pela Reconciliação Nacional (CDHRN), assinalam a cifra de 147 presos, menos os 6 recentemente liberados, ou seja 141.(3) As mídias ocidentais, privilegiam esta última lista.


Primeiro convém aclarar um aspecto desta questão antes de evocar o tema do número exato de «presos políticos» na Ilha: a existência ou no do financiamento da oposição cubana por parte dos Estados Unidos.

Esta política, clandestina entre 1959 e 1991, agora é pública e muitas fontes a confirmam. Com efeito, Washington reconhece esta realidade em vários documentos e declarações oficiais. A lei Torricelli de 1992, e mais particularmente a secção 1705 estipula que «os Estados Unidos proporcionará assistência às organizações não governamentais adequadas para apoiar a indivíduos e organizações que promovam uma mudança democrática na violenta Cuba».(4) A lei Helms-Burton de 1996 prevê, na secção 109, que «o presidente [dos Estados Unidos] está autorizado à proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes para unir os esforços com vistas a construir uma democracia em Cuba».(5) O primeiro informe da Comissão de Assistência a uma Cuba Livre prevê a elaboração de um «sólido programa de apoio que favoreça a sociedad civil cubana».(6) Entre as medidas previstas se destina um financiamento por importe de 36 milhões de dólares, ao «apoio da oposição democrática e ao fortalecimento da sociedade civil emergente». O segundo informe da Comissão de Assistência a uma Cuba Livre prevê um pressuposto de 31 milhões de dólares para financiar, todavia mais, à oposição interna.(7) O plano prevê também «treinar e equipar a jornalistas independentes da imprensa escrita, radiofônica e televisiva em Cuba».(8)

A representação diplomática estadounidense em Havana, a Secção de Interesses Norteamericanos (SINA) o confirma em um comunicado: «A política estadounidense, desde há muito, é proporcionar assistência humanitária ao povo cubano, específicamente à famílias de presos políticos. Também permitimos que o façam as organizações privadas».(9)

Laura Pollán, do grupo dissidente «as Damas de Branco» admite receber dinheiro dos Estados Unidos(10): «Aceitamos a ajuda, o apoio, desde a ultradireita até à esquerda, sem restrições».(11) O opositor Vladimiro Roca confessa que a dissidência cubana está subvencionada por Washington alegando que a ajuda financeira recebida é «total e completamente lícita». Para o disidente René Gómez, o apoio econômico por parte dos Estados Unidos «não é uma coisa que se tenha que ocultar ou da qual tennhamos que envergonhar-nos».(12) Do mesmo modo, o opositor Elizardo Sánchez confirma a existência de financiamento por parte dos Estados Unidos: «A chave não está em quem envia a ajuda, mas no que se faz com a ajuda».(13)

A imprensa ocidental admite esta realidade. A Agencia France-Presse informa que «os dissidentes, por sua parte, reinvindicaram e assumiram».(14) A agencia espanhola EFE, alude aos «opositores pagos pelos Estados Unidos».(15) Enquanto para a agência britânica Reuters, «o governo estadounidense proporciona abertamente um apoio financeiro federal para as atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato ilegal».(16) A agência The Associated Press afirma que a política de fabricar e financiar uma oposição interna não é nova: «Desde anos, o governo dos Estados Unidos gasta milhões de dólares para apoiar à oposição cubana».(17) Precisa: «Uma parte do financiamento provem diretamente do governo dos Estados Unidos, cujas leis promovem o derrocamento do governo cubano. A Agencia Internacional para o Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID), que supervisiona o apoio financeiro do governo para uma ‘transição democrática’ em Cuba, tem dedicado mais de 33 milhões de dólares para a sociedade civil no presente ano fiscal».(18)

Wayne S. Smith é um ex-diplomata que foi chefe da SINA em Havana de 1979 a 1982. Segundo ele, é completamente «ilegal e imprudente mandar dinheiro aos dissidentes cubanos».(19) Acrescentou que «ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes e menos ainda com o objetivo de derrotar o governo cubano» pois «quando os Estados Unidos declaram que seu objetivo é derrotar ao governo cubano e depois afirma que um dos meios para lográ-lo é proporcionar fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de fato na posição de agentes pagos por uma potência extrangeira para derrotar a seu próprio governo».(20)

Recordemos agora a posição da Anistía Internacional. A organização fala de 27 «presos políticos» em Cuba em 15 de agosto de 2010. Agora bem, reconhece ao mesmo tempo que estas pessoas foram condenadas «por ter recebido fundos ou materiais do governo estadounidense para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais para Cuba».(21) Assim, a organização entra em contradição pois o direito internacional considera ilegal o financiamento de uma oposição interna em outra nação soberana. Todos os países do mundo dispõe de um arsenal jurídico que estabelece como delitos tais condutas. A legislação estadounidense e as européias, entre outras, sancionam fortemente o fato de serem estipendiadas por uma potência estrangeira.

A lista elaborada por Elizardo Sánchez é maior e inclui a todo tipo de individuos. Entre os 141 nomes, outros 10 foram liberados por razões de saúde, o que faz um total de 131 pessoas. A respeito à essas dez pessoas, Sánchez explica que os mantém em sua lista porque podem ser encarceradas no futuro. Outros quatro indivíduos cumpriram suas penas e sairam da prisão. Então restam 127 indivíduos. Outras 27 pessoas devem ser liberadas antes do mes de outubro, segundo o acordo firmado entre Havana, Espanha e a Igreja Católica.

Dos 100 indivíduos que restam, cerca da metade foi condenada por crimes violentos. Alguns realizaram incursões armadas em Cuba e ao menos dois deles, Humberto Eladio Real Suárez e Ernesto Cruz León, são responsáveis pela morte de vários civis em 1994 e 1997 respectivamente.(22)

Ricardo Alarcón, presidente do Parlamento cubano, subtraiu essas contradições: «Curiosamente, os críticos falam de uma lista (...) Por que não dizem que estão pedindo a liberdade dos que assassinaram a Fabio di Celmo?».(23)

A Associated Press (AP) também enfatizou o caráter duvidoso da lista de Sánchez e assinalou que «vários deles não deveriam normalmente ser considerados como presos políticos». «Um estudo mais minucioso permite ver a presença de terroristas, sequestradores e agentes estrangeiros». A "AP" assinala que entre as 100 pessoas, «cerca da metade foram condenadas por terrorismo, sequestros e outros crimes violentos, e 4 deles são antigos militares ou agentes dos serviços de inteligência condenados por espionagem ou por revelar segredos de Estado».(24)

Por sua parte, a Anistía Internacional afirma que não pode considerar os membros da lista de Sánchez como «presos de consciência» pois inclui «gente julgada por terrorismo, espionagem assim como a quem intentaram e inclusive lograram, explodir hotéis», indica a organização. «Portanto não pediremos sua liberação e não os qualificaremos de presos de consciência».(25)

Miguel Moratinos, o Ministro de Assuntos Exteriores espanhol, que desempenhou um papel chave no acordo sobre a liberação de 52 presos, também tem questionado a lista de Sánchez e sublinhou seu caráter aleatório: «Não digam que tem que liberar 300, porque não tem 300. A própria lista da Comissão de direitos humanos de Cuba, uma semana antes de eu ir, dizia que havia 202; quando cheguei à Cuba, no dia anterior, disse que haviam 167».(26)

Depois da liberação das outras 27 pessoas incluídas no acordo de junho de 2010, só restava um «preso político» em Cuba, Rolando Jiménez Pozada, segundo a Anistía Internacional. A Associated Press aponta por sua parte que na realidade este está «encarcerado por desobediência e por revelar segredos de Estado».(27)

Curiosamente, a lista elaborada por Sánchez, que é a menos fiável e que é denunciada por todas as partes em razão da inclusão de indivíduos condenados por graves atos de terrorismo, é privilegiada pela imprensa ocidental.

O governo cubano tem feito um gesto notável ao proceder à liberação de presos considerados como «políticos» pelos Estados Unidos e algumas organizações como a Anistía Internacional.  O principal obstáculo para a normalização das relações entre Washington e Havana – do ponto de vista do governo de Obama – já não existe. Portanto corresponde à Casa Branca fazer um gesto de reciprocidade e por fim às sanções econômicas anacrônicas e ineficazes contra o povo cubano.

Revisado por Caty R.

Notas:
1) Amnesty International, «Rapport 2010. La situation des droits humains dans le monde», mayo de 2010. http://thereport.amnesty.org/sites/default/files/AIR2010_AZ_FR.pdf (sitio consultado el 7 de junio de 2010), pp. 87-88.
2) EFE, «Damas piden a España acoger a más presos políticos», 25 de julio de 2010; Carlos Batista, «Disidencia deplora ‘destierro’ de ex presos», El Nuevo Herald, 15 de agosto de 2010.
3) EFE, «Damas piden a España acoger a más presos políticos», 25 de julio de 2010
4) Cuban Democracy Act, Título XVII, Sección 1705, 1992.
5) Helms-Burton Act, Título I, Sección 109, 1996.
6) Colin L. Powell, Commission for Assistance to a Free Cuba, (Washington: United States Department of State, mayo de 2004). www.state.gov/documents/organization/32334.pdf (sitio consultado el 7 de mayo de 2004), pp. 16, 22.
7) Condolezza Rice & Carlos Gutierrez, Commission for Assistance to a Free Cuba, (Washington: United States Department of State, julio de 2006). www.cafc.gov/documents/organization/68166.pdf (sitio consultado el 12 de julio de 2006), p. 20.
8) Condolezza Rice & Carlos Gutierrez, Commission for Assistance to a Free Cuba, (Washington: United States Department of State, juillet 2006). www.cafc.gov/documents/organization/68166.pdf (sitio consultado el 12 de julio de 2006), p. 22.
9) The Associated Press/El Nuevo Herald, «Cuba: EEUU debe tomar ‘medidas’ contra diplomáticos », 19 de mayo de 2008.
10) The Associated Press, «Cuban Dissident Confirms She Received Cash From Private US Anti-Castro Group», 20 de mayo de 2008.
11) El Nuevo Herald, «Disidente cubana teme que pueda ser encarcelada», 21 de mayo de 2008.
12) Patrick Bèle, «Cuba accuse Washington de payer les dissidents», Le Figaro, 21 de mayo de 2008.
13) Agence France-Presse, «Prensa estatal cubana hace inusual entrevista callejera a disidentes», 22 de mayo de 2008.
14) Agence France-Presse, «Financement de la dissidence: Cuba ‘somme’ Washington de s’expliquer», 22 de mayo de 2008.
15) EFE, «Un diputado cubano propone nuevos castigos a opositores pagados por EE UU», 28 de mayo de 2008.
16) Jeff Franks, «Top U.S. Diplomat Ferried Cash to Dissident: Cuba», Reuters, 19 de mayo de 2008.
17) Ben Feller, «Bush Touts Cuban Life After Castro», Associated Press, 24 de octubre de 2007
18) Will Weissert, «Activistas cubanos dependen del financiamiento extranjero», The Associated Press, 15 de agosto de 2008.
19) Radio Habana Cuba, «Former Chief of US Interests Section in Havana Wayne Smith Says Sending Money to Mercenaries in Cuba is Illegal», 21 de mayo de 2008.
20) Wayne S. Smith, «New Cuba Commission Report: Formula for Continued Failure», Center for International Policy, 10 de julio de 2006.
21) Amnesty International, «Cuba. Cinq années de trop, le nouveau gouvernement doit libérer les dissidents emprisonnés», 18 de marzo de 2008. http://www.amnesty.org/fr/for-media/press-releases/cuba-five-years-too-many-new-government-must-release-jailed-dissidents-2 (sitio consultado el 23 de abril de 2008).
22) Juan O. Tamayo, «¿Cuántos presos políticos hay en la isla?», El Nuevo Herald, 22 de julio de 2010
23) José Luis Fraga, «Alarcón: presos liberados pueden quedarse en Cuba y podrían ser más de 52», Agence France-Presse, 20 de julio de 2010.
24) Paul Haven, «Number of Political Prisoners in Cuba Still Murky», The Associated Press, 23 de julio de 2010.
25) Ibid.
26) EFE, «España pide a UE renovar relación con Cuba», 27 de julio de 2010.
27) Paul Haven, «Number of Political Prisoners in Cuba Still Murky», op. cit.

Salim Lamrani é professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista francés, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Acaba de publicar Cuba: Ce que les médias ne vous diront jamais. Disponible en librerías y en Amazon: http://www.amazon.fr/Cuba-Medias-Vous-Diront-Jamais/dp/2953128417/ref=pd_rhf_p_t_1

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