segunda-feira, 29 de abril de 2013

50 verdades sobre as sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba



A visita da estrela estadunidense da música Beyoncé e de seu marido Jay-z à Havana voltou a levantar polêmica sobre a manutenção das sanções contra Cuba, em vigor há mais de meio século. Eis aqui alguns dados sobre o mais extenso estado de sítio econômico da história.

1) A administração republicada de Dwight D. Eisenhower impôs as primeiras sanções econômicas contra Cuba em 1960, oficialmente por causa do processo de nacionalizações que o governo revolucionário de Fidel Castro empreendeu.

2) Em1962, o governo democrata de John F. Kennedy aplicou sanções econômicas totais contra a ilha.

3) O impacto foi terrível. Os Estados Unidos sempre constituíram o mercado natural de Cuba. Em 1959, 73% das exportações eram feitas para o vizinho do norte e 70% das importações precediam deste território.

4) Agora, Cuba não pode exportar nem importar nada dos Estados Unidos. Desde 2000, depois das pressões do lobby agrícola estadunidense que buscava novos mercados para seus excedentes, a cidade de Havana está autorizada a importar algumas matérias-primas alimentícias, com condições draconianas.

5) A retórica diplomática para justificar o endurecimento deste estado de sítio econômico evoluiu com o tempo. Entre 1969 e 1990, os Estados Unidos evocaram o primeiro caso de expropriações de suas empresas para justificar sua política hostil contra Havana. Em seguida, Washington evocou sucessivamente a aliança com a União Soviética, o apoio às guerrilhas latino-americanas na luta contra as ditaduras militares e a intervenção cubana na África para ajudar as antigas colônias portuguesas a conseguir sua independência e a defendê-la.

6) Em 1991, depois do desmoronamento do bloco soviético, em vez de normalizar as relações com Cuba, os Estados Unidos decidiram reforçar as sanções invocando a necessidade de reestabelecer a democracia e o respeito aos direitos humanos.

7) Em 1992, sob a administração de Bush pai, o Congresso dos Estados Unidos adotou a lei Torricelli, que recrudesce as sanções contra a população cubana e lhes dá um caráter extraterritorial, isto é, contrário à legislação internacional.

8) O direito internacional proíbe toda lei nacional de ser extraterritorial, isto é, de ser aplicada além das fronteiras do país. Assim, a lei francesa não pode ser aplicada na Alemanha. A legislação brasileira não pode ser aplicada na Argentina. Não obstante, a lei Torricelli é aplicada em todos os países do mundo.

9) Assim, desde 1992, todo barco estrangeiro – qualquer que seja sua procedência – que entre em um porto cubano, se vê proibido de entrar nos Estados Unidos durante seis meses.

10) As empresas marítimas que operam na região privilegiam o comércio com os Estados Unidos, primeiro mercado mundial. Cuba, que depende essencialmente do transporte marítimo por sua insularidade, tem de pagar um preço muito superior ao do mercado para convencer as transportadoras internacionais a fornecer mercadoria à ilha.

WikiCommons - Fidel Castro durante Assembleia da ONU
11) A lei Torricelli prevê também sanções aos países que brindam assistência a Cuba. Assim, se a França ou o Brasil outorgarem uma ajuda de 100 milhões de dólares à ilha, os Estados Unidos cortam o mesmo montante de sua ajuda a essas nações.

12) Em 1996, a administração Clinton adotou a lei Helms-Burton que é ao mesmo tempo extraterritorial e retroativa, isto é, se aplica sobre feitos ocorridos antes da adoção da legislação, o que é contrário ao direito internacional.

13) O direito internacional proíbe toda legislação de ter caráter retroativo. Por exemplo, na França, desde 1º de janeiro de 2008, está proibido fumar nos restaurantes. Não obstante, um fumador que tivesse consumido um cigarro no dia 31 de dezembro de 2007 durante um jantar não pode ser multado por isso, já que a lei não pode ser retroativa.

14) A lei Helms-Burton sanciona toda empresa estrangeira que se instalou em propriedades nacionalizadas pertencentes a pessoas que, no momento da estatização, dispunham de nacionalidade cubana, violando o direito internacional.

15) A lei Helms-Burton viola também o direito estadunidense que estipula que as demandas judiciais nos tribunais somente são possíveis se a pessoa afetada por um processo de nacionalizações era um cidadão estadunidense quando ocorreu a expropriação e que esta tenha violado o direito internacional público. Veja só, nenhum destes requisitos são cumpridos.

16) A lei Helms-Burton tem como efeito dissuadir numerosos investidores de se instalarem em Cuba por temer represálias por parte da justiça estadunidense e é muito eficaz.

17) Em 2004, a administração de Bush filho criou a Comissão de Assistência a uma Cuba Livre, que impulsionou novas sanções contra Cuba.

18) Esta Comissão limitou muito as viagens. Todos os habitantes dos Estados Unidos podem viajar a seu país de origem quantas vezes quiserem - menos os cubanos. De fato, entre 2004 e 2009, os cubanos dos Estados Unidos só puderam viajar a ilha 14 dias a cada três anos, na melhor das hipóteses, desde que conseguissem uma autorização do Departamento do Tesouro.

19) Para poder viajar era necessário demonstrar que ao menos um membro da família vivia em Cuba. Não obstante, a administração Bush redefiniu o conceito de família, que se aplicou exclusivamente aos cubanos. Assim, os primos, sobrinhos, tios e outros parentes próximos já não formavam parte da família. Somente os avós, país, irmãos, filhos e cônjuges formavam parte da família, de acordo com a nova definição. Por exemplo, um cubano que residisse nos Estados Unidos não poderia visitar sua tia em Cuba, nem mandar uma ajuda econômica para seu primo.

20) Os cubanos que cumpriam todos os requisitos para viajar a seu país de origem, além de terem de limitar sua estadia a duas semanas, não podiam gastar ali mais de 50 dólares diários.

21) Todos os cidadãos ou residentes estadunidenses podiam mandar uma ajuda financeira a sua família, sem limite de valor, menos os cubanos, que não podiam mandar mais de 100 dólares ao mês entre 2004 e 2009.

22) Não obstante, era impossível a um cubano da Flórida mandar dinheiro à sua mãe que vivia em Havana – membro direto da sua família de acordo com a nova definição –, se a mãe militasse no Partido Comunista.

23) Em 2006, a Comissão de Assistência a uma Cuba Livre adotou outra norma que recrudesceu as restrições contra Cuba.

24) Com o objetivo de limitar a cooperação médica cubana com o resto do mundo, os Estados Unidos proibiram a exportação de equipamentos médicos a países terceiros “destinados a serem utilizados em programas de grande escala [com] pacientes estrangeiros” mesmo apesar de a maior parte da tecnologia médica mundial ser de origem estadunidense.

25) Por causa da aplicação extraterritorial das sanções econômicas, uma fabricante de carros japonesa, alemã, coreana, ou outra, que deseje comercializar seus produtos no mercado estadunidense, tem de demonstrar ao Departamento do Tesouro que seus carros não contêm nem um só grama de níquel cubano.

26) Do mesmo modo, um confeiteiro francês que deseje entrar no primeiro mercado do mundo tem de demonstrar à mesma entidade que sua produção não contém um só grama de açúcar cubano.

27) Assim, o caráter extraterritorial das sanções limita fortemente o comércio internacional de Cuba com o resto do mundo.

28) Às vezes, a aplicação destas sanções toma um rumo menos racional. Assim, todo turista estadunidense que consuma um cigarro cubano ou um copo de rum Havana Club durante uma viagem ao exterior, na França, no Brasil ou no Japão, se arrisca a pagar uma multa de um milhão de dólares e a ser condenado a dez anos de prisão.

29) Do mesmo modo, um cubano que resida na França, teoricamente não pode comer um sanduíche do McDonald’s.

30) O Departamento do Tesouro é taxativo a respeito: “Muitos se perguntam com frequência se os cidadãos estadunidenses podem adquirir legalmente produtos cubanos, inclusive tabaco ou bebidas alcóolicas, em um país terceiro para seu consumo pessoal fora dos Estados Unidos. A resposta é não”.
 

31) As sanções econômicas também têm um impacto dramático no campo da saúde.  Com efeito, cerca de 80% das patentes depositadas no setor médico provêm das multinacionais farmacêuticas estadunidenses e de suas subsidiárias e Cuba não pode ter acesso a elas. O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sublinha que “as restrições impostas pelo embargo têm contribuído para privar Cuba de um acesso vital a medicamentos, novas tecnologias médicas e científicas”.

32) No dia 3 de fevereiro de 2006, uma delegação de dezesseis funcionários cubanos, reunida com um grupo de empresários estadunidenses, foi expulsa do Hotel Sheraton María Isabel da capital mexicana, violando a lei asteca que proíbe todo tipo de discriminação por raça ou origem.

33) Em 2006, a empresa japonesa Nikon se negou a entregar o primeiro prêmio – uma câmera – a Raysel Sosa Rojas, jovem cubano de 13 anos que sofre de uma hemofilia hereditária incurável, que ganhou o XV Concurso Internacional de Desenho Infantil do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A multinacional nipônica explicou que a câmera digital não poderia ser entregue ao jovem cubano porque continha componentes estadunidenses.

34) Em abril de 2007, o banco Bawag, vendido ao fundo financeiro estadunidense, fechou as contas de uma centena de clientes de origem cubana que residiam na república alpina, aplicando assim, de modo extraterritorial, a legislação estadunidense em um país terceiro.

35) Em 2007, o banco Barclays ordenou às suas filiais de Londres que fechassem as contas de duas empresas cubanas: Havana International Bank e Cubanacán, depois de a Ofac (Office of Foreign Assets Control, ou Oficina de Controle de Bens Estrangeiros) do Departamento do Tesouro, efetuar prisões.

36) Em julho de 2007, a companhia aérea espanhola Hola Airlines, que tinha um contrato com o governo cubano para transportar pacientes que padeciam de doenças oculares no marco da Operação Milagre teve de por fim às suas relações com Cuba. Com efeito, quando solicitou ao fabricante estadunidense Boeing que realizasse consertos em um avião, este lhe exigiu como condição que rompesse seu contrato com a ilha caribenha e explicou que a ordem era procedente do governo dos Estados Unidos.

37) No dia 16 de dezembro de 2009, o banco Crédit Suisse recebeu uma multa de 536 milhões de dólares do Departamento do Tesouro por realizar transações financeiras em dólares com Cuba.

38) Em junho de 2012, o banco holandês ING recebeu a maior sanção jamais aplicada desde o início do estado de sítio económico contra Cuba em 1960. A Ofac, do Departamento do Tesouro, sancionou a instituição financeira com uma multa de 619 milhões de dólares por realizar, entre outras, transações em dólares com Cuba, através do sistema financeiro estadunidense.

39) Os turistas estadunidenses podem viajar para a China, principal rival econômica e política dos Estados Unidos, para o Vietnã, país contra o qual Washington esteve mais de quinze anos em guerra, ou para a Coréia do Norte, que possui armamento nuclear e ameaça usá-lo, mas não para Cuba, que, em sua história, jamais agrediu os Estados Unidos.

40) Todo cidadão estadunidense que viole esta proibição se arrisca a uma sanção que pode alcançar 10 anos de prisão e um milhão de dólares de multa.

41) Depois das solicitações de Max Baucus, senador do Estado de Montana, o Departamento do Tesouro admitiu ter realizado, desde 1990, apenas 93 investigações relacionadas ao terrorismo internacional. No mesmo período, efetuou outras 10.683 “para impedir que os estadunidenses exerçam seu direito de viajar a Cuba”.

42) Em um boletim, a Gao (United States Government Accountability Office, ou Oficina de Responsabilidade Governamental dos Estados Unidos) apontou que os serviços aduaneiros (Customs and Border Protection – CBP) de Miami realizaram inspeções “secundárias” sobre 20% dos passageiros procedentes de Cuba em 2007 com a finalidade de comprovar que não importavam tabaco, álcool ou produtos farmacêuticos da ilha. Por outro lado, a média de inspeções foi só de 3% para o restante dos viajantes. Segundo a GAO, este enfoque sobre Cuba “reduz a aptidão dos serviços aduaneiros para levar a cabo sua missão que consiste em impedir que os terroristas, criminosos e outros estrangeiros indesejáveis entrem no país”.

43) Os ex-presidentes James Carter e William Clinton expressaram várias vezes sua oposição à política de Washington. “Não deixei de pedir pública e privadamente a eliminação de todas as restrições financeiras, comerciais e de viagem”, declarou Carter depois de sua segunda estadia em Cuba em março de 2011. Para Clinton, a política de sanções “absurda” tem sido um “fracasso total”.

44) A Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que representa o mundo dos negócios e as mais importantes multinacionais do país, também expressou sua oposição à manutenção das sanções econômicas.

45) O jornal The New York Times condenou “um anacronismo da Guerra Fria”.

46) O Washington Post, diário conservador, aparece como o mais virulento quando se trata da política cubana de Washington: “A política dos Estados Unidos em relação a Cuba é um fracasso […]. Nada mudou, exceto que o nosso embargo nos torna mais ridículos e impotentes que nunca”.

47) A maior parte da opinião pública estadunidense também está a favor de uma normatização das relações entre Washington e Havana. Segundo uma pesquisa realizada pela CNN no dia 10 de abril de 2009, 64% dos cidadãos estadunidenses se opõe às sanções econômicas contra Cuba.

48) De acordo com a empresa Orbitz Worldwide, uma das mais importantes agências de viagem da internet, 67% dos habitantes dos Estados Unidos desejam ir de férias para Cuba e 72% acreditam que “o turismo em Cuba teria um impacto positivo na vida cotidiana do povo cubano”.

49) Mais de 70% dos cubanos nasceram sob o estado de sítio econômico.

50) Em 2012, durante a reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, 188 países de 192 condenaram pela 21ª vez consecutiva as sanções econômicas contra Cuba.

Para aprofundar-se sobre o tema:



(*) Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade de Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama The Economic War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S. Blockade, New York, Monthly Review Press, 2013, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio Paul Estrade. 

domingo, 7 de abril de 2013

Ato em Porto Alegre denuncia Yoani Sánchez e afirma apoio à Revolução Cubana








Militantes da Associação Cultural José Martí e do Fora do Eixo realizaram neste domingo atividade de conscientização a respeito da blogueira Yoani Sánchez e da Revolução Cubana, no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Foram entregues panfletos explicando o papel cumprido pela blogueira e a importância da Revolução Cubana e de suas conquistas.



Entre algumas críticas ao protesto, a população foi receptiva, e as conversas sobre a realidade cubana foram ricas e proveitosas.


Yoani Sánchez estará em Porto Alegre nos próximos dias, convidada pelo Fórum da Liberdade, grande encontro da direita brasileira.









Os militantes denunciaram os ataques de Yoani à Revolução Cubana e o fato de ela ter recebido mais de 250 mil dólares em prêmios nos últimos anos. “Esses prêmios são entregues por instituições financiadas pelo governo dos EUA. Dessa forma Yoani vive uma vida de luxos e conforto em Cuba, um país bastante pobre graças à exploração colonial – como no Brasil –, às dificuldades naturais de um país pequeno, e ao bloqueio econômico feito pelos EUA e que já dura mais de 50 anos”, diz o panfleto distribuído.


E o panfleto diz mais: “Yoani recebe esses prêmios para que possa continuar com seu trabalho de ataque à Revolução Cubana, um processo político que acabou com a miséria em Cuba, e garante Saúde, Educação, Moradia e alimentação básica a todos os cubanos, sem distinções. Imagine quanto dinheiro sobra para Yoani, já que não precisa gastar com nada disso. O objetivo é impedir que as informações reais sobre o que acontece em Cuba cheguem aos outros países, nos quais as pessoas vivem em situações semelhantes à que vivia Cuba antes da Revolução de 1959 – exploração, grande desigualdade e negação do direito de decidir os rumos do próprio país”.































Veja abaixo algumas fotos feitas pela Isadora Machado, do Fora do Eixo:






















quinta-feira, 4 de abril de 2013

Com dificuldades e contradições, um povo revolucionário sobrevive em Cuba


publicação autorizada pelo autor da reportagem, jornalista Alexandre Haubrich, via e-mail. 

Nas estreitas ruas de Vedado, um dos bairros centrais de Havana, é difícil cruzar uma quadra sem ter de desviar de algum cubano que, sentado na soleira da porta de casa, com as pernas dobradas em direção ao peito, lê um jornal, fuma um charuto ou simplesmente observa o movimento de alguns carros antigos ou de senhoras que andam poucos metros para comprar frutas em uma pequena banca privada. Geralmente são aposentados. À tarde os mais jovens estão todos trabalhando, e os ainda mais jovens estão todos na escola.

Na pequena praia de Siboney, há 12 km de Santiago de Cuba, na outra ponta da ilha, é muito difícil encontrar uma mulher na rua. Os homens, sim, estão todos zanzando entre as casas, conversando. Alguns trabalham reconstruindo o patrimônio que o furacão mais recente destruiu. As mulheres estão em casa, cuidando dos afazeres domésticos. No fim da tarde chegam alguns caminhões carregados de trabalhadores, outros de crianças que há pouco se despediram dos professores em alguma cidade próxima.

Em um hotel de grande porte em uma região turística de Havana, diversos atendentes com cara de poucos amigos estão na recepção ou em guichês menores, onde se alugam carros ou se trocam euros ou dólares – mais o primeiro do que o segundo – por CUCs, a moeda cubana exclusiva para turismo e que criou um abismo de desigualdade entre os que trabalham nesse setor e todos os outros. Não é improvável que um funcionário hoteleiro esteja oferecendo a um turista gringo com quem conversa uma caixa de charutos por um preço dez vezes mais barato do que nas lojas oficias. A probabilidade de o charuto não ser da marca que diz ser é grande, mas também é possível que seja verdadeiro e tenha sido “retirado” da fábrica por algum funcionário padrão.

À frente do hotel, atrás do hotel e aos lados do hotel, outdoors lembram os feitos dos revolucionários e trazem como lemas frases de Martí, Fidel, Che, Raúl e Camilo. Outdoors como estes também estão nas estradas que levam a Siboney e em todas as pequenas cidades que se deve deixar para trás para ir de Havana, no extremo ocidente cubano, até Santiago de Cuba, a maior cidade ao Leste.

As quatro pequenas histórias são representativas de uma grande parte do cotidiano do povo cubano. Mas Cuba são muitas. Dizia Marx que apenas no comunismo as individualidades poderiam ser plenamente usufruídas. Na tentativa socialista de igualdade também se destacam as diferenças, seja entre as pessoas, seja entre cidades de grande e de pequeno porte, seja entre as regiões Ocidental e Oriental. Mesmo assim, em medidas variáveis, algumas questões estão sempre presentes para todos os cubanos. Para o bem e para o mal.

Escola e segurança

Durante o dia as ruas cubanas estão vazias de crianças. Nada. Nenhuma. Estão todas na escola, e só podem ser vistas ao meio dia, quando algumas saem para almoçar, ou no fim da tarde, quando voltam para casa – com exceção das menores, quase sempre sozinhas ou com amigos. A violência não é uma preocupação de ninguém. “Em Cuba estás sempre seguro”, parece um mantra combinado entre todos os que respondem sobre qualquer perigo em sair à noite por ruas nem sempre bem iluminadas.

Os Comitês de Defesa da Revolução (CDR`s) estão em todos os quarteirões, e deles participa grande parte dos vizinhos. Ali desenvolvem ações culturais, cuidam para que todos os adultos estejam trabalhando e para que todas as crianças estejam nas escolas, e cuidam para que nada aconteça na região sem que toda a comunidade saiba e se empenhe em resolver um possível problema. Não são espaços armados, é a própria relação de comunidade estabelecida entre os vizinhos que impede qualquer movimento estranho ao bairro e aos interesses da população. Quase não se vê guardas nas ruas, e é ainda mais difícil encontrá-los armados. É a população quem, armada principalmente de coesão e solidariedade, garante a segurança geral.

Enquanto as crianças estão na escola, os pais e mães estão trabalhando. Cada vez menos em serviços estatais. Para combater a crise econômica iniciada com o fim da União Soviética, o governo começou a abrir possibilidades de trabalho na iniciativa privada. Para tentar aumentar os salários, recentemente 400 mil pessoas foram demitidas, e estimuladas a se lançarem em negócios próprios. Saem com aporte financeiro e a possibilidade de voltar ao setor estatal caso não se acertem em suas novas empresas, mas saem. E muitos mais ainda devem sair. A crise econômica é séria. Mantém os salários baixos e faz os preços subirem.

Soluções se transformaram em problemas

O forte estímulo ao turismo a partir dos anos 1990 e a criação de uma segunda moeda, puramente turística – o CUC –, foram soluções imediatas para inserir divisas na economia cubana, mas agora se tornaram problemas que acentuam a desigualdade e levam a parte do povo a ilusão da riqueza fácil e da ideologia capitalista. Quem trabalha com turismo ganha muito mais por conta da moeda supervalorizada em relação ao Peso Cubano e, no contato com os turistas, muitas vezes passa a acreditar que sair do país traria grandes vantagens financeiras.

São exceções, mas não é impossível encontrar cubanos que dizem abertamente querer sair do país. Mas nenhum deles quer ir embora por questões políticas. Todos os que pretendem deixar Cuba reclamam dos baixos salários e dos altos preços e acreditam que em outros países sua situação seria diferente – é o que veem, por exemplo, nas novelas brasileiras que infestam a televisão cubana todas as manhãs, bem cedo, e gruda os cubanos nos dramas burgueses de Por Amor e Insensato Coração. Nem todos têm a informação de que terão que pagar por privilégios que em Cuba são direitos, a começar por Saúde e Educação.

Direitos básicos garantidos

Todo cubano nasce com direito garantido à Saúde e à Educação. De uma simples gripe a um violento câncer, tudo será tratado de graça. Há pequenos postos médicos por todos os lados, inclusive nos museus e hotéis. E nada é pago. O filho de Maria, uma senhora de cerca de 60 anos que aluga quartos para turistas em Havana, teve aos 17 anos uma doença que subitamente o deixou sem os movimentos nas pernas e com outras limitações motoras. Desde lá, 18 anos atrás, três vezes por semana uma ambulância o busca para levá-lo ao hospital, onde segue seu tratamento. Nunca pagou um centavo por nada disso.

O mesmo acontece com a Educação. Faltam canetas em toda Cuba, mas não falta escola para ninguém. E é muito difícil encontrar um cubano com mais de 30 anos que não tenha pelo menos uma formação de Ensino Superior. Taxistas-engenheiros e agricultores-agrônomos são o que mais se encontra. É possível inclusive encontrar agricultores-filósofos. Até antes do fim da União Soviética, quando o país tinha melhores condições econômicas, todo cubano cursava alguma faculdade. Hoje nem todos o fazem, muitos passam da escola para cursos técnicos, buscando trabalhos que os podem pagar melhor – em Cuba são os trabalhos privados que dão mais dinheiro, por conta da dificuldade do Estado em manter um bom nível salarial.

A maior parte dos cubanos que trabalham no setor estatal ganha entre 350 e 500 pesos. Um diretor de escola ou um médico com muita estrada podem chegar a ganhar 600. O problema é que a dupla moeda, com o CUC valendo 24 pesos, e a predominância do turismo fazem com que os preços subam muito. Um pacote de bolacha recheada custa cerca de 2 CUC – o que quer dizer 48 Pesos, mais de um décimo do salário da maioria. Uma televisão nova custa 250 Pesos, mas todos as têm, muitas compradas usadas, outras presenteadas por parentes que trabalham fora do país.

A alimentação básica, em contrapartida, está garantida graças à instituição da libreta, um caderninho que controla o consumo de uma cesta básica altamente subsidiada pelo Estado. Alimentação e higiene básicas recebem esses subsídios até determinado limite de consumo pessoal. Por exemplo, todo cubano tem direito a um pão francês por dia na libreta, a cinco centavos de Peso. Pode comprar mais, fora da libreta, mas aí vai custar um Peso cada. Algo semelhante acontece com o leite: 20 centavos de Peso na libreta, 5 Pesos fora dela.

Os salários são baixos, é verdade, mas além de Saúde e Educação totalmente gratuitas e da cesta básica subsidiada, também o setor cultural é absolutamente acessível. Nos fins de semana se formam filas em frente aos cinemas e teatros, que cobram apenas dois Pesos Cubanos por sessão. A sorveteria Copélia, a maior e mais famosa do país, também recebe filas enormes, que fazem curvas em torno do parque que a cerca. A bola de sorvete custa 1 Peso Cubano, mesmo preço de alguns dos livros expostos na Feira do Livro de Havana – embora a maioria custe um pouco mais, cerca de 20 Pesos –, que acontece em um antiquíssimo castelo em um canto da cidade. Ônibus quase enfileirados saem do centro da capital todos os dias durante a Feira para levar a multidão ao reino dos livros.

Quando a Revolução acompanha a sociedade

O trânsito de veículos está longe de ser um problema em Cuba, mas nenhum dos carros antigos que circulam por qualquer cidade cubana precisa parar para que seu motorista ou seus passageiros observem os grandes outdoors revolucionários que estão por todos os lados. Os painéis trazem imagens de heróis como Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Frank País e José Martí, sempre acompanhadas de frases fortes, marcantes. Os lemas revolucionários, nas vozes deles, de Fidel ou de Raúl são estímulos a seguir a luta ou lembranças sobre como aprimorar ações pessoais. “Sejamos como o Che”, dizem algumas, reproduzindo frase de Fidel.

A Revolução está em todos os lugares de Cuba, seja com os painéis seja com o povo organizado. Uma grande parte da população participa de alguma das organizações de massa – Central dos Trabalhadores Cubanos (CTC), União dos Jovens Comunistas (UJC), Federação das Mulheres Cubanas (FMC), Federação dos Estudantes Universitários (FEU), Associação Nacional dos Pequenos Agricultores Cubanos (ANAP, na sigla em espanhol), FAR (Forças Armadas Revolucionárias). Além dos espaços dessas instituições, presentes também de forma local e setorial, os cubanos estão organizados nos já citados Comitês de Defesa da Revolução, e também lá participam efetivamente, em reuniões deliberativas que chegam a reunir 40 pessoas do mesmo quarteirão em uma noite de domingo. Os CDR`s são como associações de bairro com funções político-cultural-sociais que vão muito além do comum nessas associações no Brasil.

Quando a sociedade acompanha a Revolução

O povo cubano é um povo educado, politizado e solidário – ainda que muitas vezes bastante fechado. Acostumou-se às dificuldades, acostumou-se a participar de toda a vida do país, acostumou-se a pensar e acostumou-se a pensar para além do próprio umbigo. Nenhum cubano é uma ilha. Todos souberam e se solidarizaram profundamente com o incêndio na boate em Santa Maria. Difícil encontrar alguém que, identificando um brasileiro, não engolisse em seco para dar os pêsames e manifestar solidariedade. Não há banalização da morte. Tremem de indignação contra injustiças cometidas em qualquer lugar do mundo, com a exata atitude que, para o Che, definia um revolucionário.

Internacionalistas, a morte de um presidente aliado é a morte de seu próprio líder. Muitos cubanos têm parentes ou amigos trabalhando na Venezuela, nas missões sociais criadas por Hugo Chávez. Mesmo os que não os têm lamentavam profundamente a doença do presidente venezuelano, baixavam a voz e os olhos para falar sobre ela. Os cubanos sentiram toda a doença de Hugo Chávez como a doença de um amigo.

Quando a sociedade não acompanha a Revolução

Mesmo os mais de 50 anos de Revolução não conseguiram ainda criar o “homem novo” sonhado por Che. Expurgados das instituições cubanas, o machismo, o racismo e a homofobia – este aparentemente com menos intensidade do que os outros – ainda persistem com força entre as camadas médias da população.

Em um estádio de beisebol, um ambiente predominantemente masculino, no jogo entre Industrialies – o time de Havana – e Cienfuegos – da cidade de mesmo nome –, alguns casais de homens circulavam tranquilamente nas arquibancadas. Um desses casais, dois homens mirrados, discutiu fortemente durante a partida com um outro homem, talvez o mais musculoso do estádio. Mas a discussão nada tinha a ver com a orientação sexual de ninguém. Era sobre o jogo, e o calor da discussão aos gritos entre desconhecidos em momento algum levou a qualquer ameaça de agressão – mesmo considerando a enorme disparidade entre os “oponentes”. Outras discussões assim aconteceram naquela noite e, mesmo sem separação entre as torcidas, nenhum caso de violência aconteceu.

Ao mesmo tempo, uma senhora que hospeda turistas fica incomodada com uma suíça que, noite atrás de noite, leva um cubano para repartir a cama. O incômodo não é por ser homem, mas por ser negro. “Geralmente esses que não querem trabalhar, que procuram mulheres europeias para tentar ir embora atrás de mais dinheiro, são negros. Não sou racista, mas geralmente são os negros que não querem trabalhar”, diz ela.

Os homens da praia de Siboney, aqueles que estão zanzando pelas ruas enquanto suas esposas cuidam da casa, não só conversam entre eles. A cada mulher que passa os gracejos acontecem, de estalar de lábios simulando beijos até as velhas cantadas grosseiras. Siboney extrapola o nível comum, mas esse tipo de situação é normal em toda a ilha.

Quando a Revolução não acompanha a sociedade

As dificuldades econômicas são uma realidade, e é difícil distinguir o que é resultado do bloqueio estadunidense, do passado colonial e da inserção em uma região historicamente explorada e, como tal, pobre. Fato é que essas dificuldades existem, e o turismo, além de criar desigualdades antes inexistentes, mostra aos cubanos que nos países capitalistas algumas pessoas têm muito. Só esquece de mostrar que muitas outras pessoas não têm nada ou quase nada, já que geralmente não são os pobres os que fazem turismo pelas praias do Caribe. Essa situação cria em alguns cubanos um descontentamento que, em certos, casos, faz com que pensem em sair do país. Em outros casos, mais comuns, o que se procura é melhorar um pouco a condição financeira, poder dar-se alguns luxos a mais, sem precisar sair do país. É aí que entra o “jeitinho cubano”.

Da mesma forma pela qual o turismo virou incremento de renda ao Estado, virou incremento de renda à população. Do charuto retirado da fábrica – ou falsificado – até as corridas de táxi supervalorizadas, as formas de conseguir alguns CUCs a mais – o que faz grande diferença no orçamento, dada a supervalorização em relação ao Peso Cubano – são as mais variadas.

Não existe taxímetro em Cuba. As corridas são negociadas, e o preço é sempre jogado lá em cima para acabar cobrado – se bem negociado – lá embaixo. Mas isso é um problema de turista, os cubanos quase não andam de táxi, a não ser táxis coletivos – carros maiores que vão pegando as pessoas e seguindo o trajeto que melhor se adapte às necessidades de todos. Moedas de Peso Cubano com o rosto de Che Guevara também são vendidas a turistas. Valem três Pesos, ou seja, 12 centavos de CUC – equivalente ao dólar –, mas são vendidas por pelo menos 5 CUCs. Carros alugados parados por policiais rodoviários que subentendem a possibilidade de suborno também não são improváveis. Mas também existem versões legalizadas desse “jeitinho”, como o serviço de guia turístico oferecido a todo instante nas proximidades dos principais museus e praças.

Ao redor de alguns pontos turísticos ou dos hotéis mais caros alguns cubanos pedem aos turistas artigos raros na ilha. A chegada desses artigos a Cuba é dificultada pelo bloqueio, que encarece qualquer importação. Sabonetes e canetas estão entre os mais pedidos. Comida, jamais.

Volta ao capitalismo?

Com participação política e dificuldades econômicas, os cubanos vivem. Sem luxos, com alguma desigualdade recente, mas com os direitos básicos garantidos, eles vivem. Com o bloqueio estadunidense e com parcerias com Venezuela, Rússia e China, a Revolução sobrevive e muda. As possibilidades de volta ao capitalismo abertas pela criação de mais e mais empresas privadas são refutadas pela população. É difícil encontrar alguém que queira desistir do socialismo. A crítica é sempre à economia, mas a manutenção do sistema político parece ser vontade de todos. Um taxista que admite querer o capitalismo de volta usa o modelo chinês como exemplo do que queria para seu país. A discussão sobre as mudanças do modelo, chamadas em Cuba deatualizações, envolve o medo de retorno ao capitalismo, mas o discurso oficial – com o qual a população concorda – é de que não se abrirá mão de nenhuma das conquistas da Revolução.

A dificuldade na renovação de quadros, por outro lado, é uma realidade. Os cubanos mais velhos, que nasceram antes ou junto com a Revolução, mostram preocupação sempre que perguntados sobre a juventude do país. A constante presença de estrangeiros cria nos jovens expectativas e interesses que antes não existiam, quase sempre relacionados ao consumo. Ao mesmo tempo, a União de Jovens Comunistas é uma das organizações mais fortes do país, e o novo nome forte do governo cubano, vice-presidente recém empossado, é Miguel Díaz-Canel, 52 anos, cuja trajetória política está totalmente ligada à UJC.

Em entrevista recente o líder revolucionário Fidel Castro, ao responder pergunta sobre as atualizações do modelo, disse que “a maior mudança foi a Revolução”. Se teremos outra mudança desse tamanho – no caminho inverso –, é impossível prever, mas a sociedade cubana, com todas suas contradições, está convicta de que preservar suas conquistas é essencial. E organizada para isso.

Alexandre Haubrich é jornalista.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Jornalista cubana impedida de entrar nos EUA


gentilmente cedido pelo jornalismoB

A tarde desta quarta-feira foi momento de mais um ataque à liberdade nas relações entre Estados Unidos e Cuba. Elaine Díaz Rodrígues, blogueira, jornalista e professora da Universidade de Havana, foi impedida de ir aos EUA para um dos maiores eventos de Ciências Sociais do mundo, o XXXI Congresso Internacional de Estudos Latino-Americanos.
Elaine teve seu trabalho aprovado pela Associação de Estudos Latino-Americanos, organizadora do evento, que também deu a ela uma bolsa para a viagem. Mesmo assim, o governo dos EUA não concedeu o visto a Elaine.
Agora, a jornalista e professora se pergunta quem cerceia a liberdade, Cuba ou os EUA? Por que Yoani Sanchez pode ir aos EUA, mas Elaine não? “Não tive nenhum problema com Cuba para sair, nunca”, disse ela ao Jornalismo B. E completou: “É humilhante que neguem vistos a acadêmicos enquanto recebem de braços abertos a Yoani (Sanchez)”.
Em seu Twitter, Elaine agradeceu aos governos do Brasil e do Quênia por a terem recebido para congressos em 2012, e disse torcer “para que o Congresso mais importante de Ciências Sociais do mundo saia novamente do território estadunidense, só assim se garantirá a presença de todos os cubanos e cubanas aceitos pela Lasa (sigla da organizadora)”.