segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Horror e oportunismo

por Marcelo Idiarte

Não bastassem as cenas lamentáveis de violência entre torcedores vistas ontem em Joinville (SC), onde transcorria o jogo do Atlético-PR contra o Vasco da Gama, ainda é preciso aturar as análises dos sociólogos de ocasião e oportunistas de plantão.

Hoje todos os jornais do país amanheceram com epígrafes do tipo "no país da Copa" ou "imagina na Copa...", com inúmeros colonistas desmemoriados dizendo que "nunca viram selvageria igual" e com enquetes do tipo "você acha que isso vai prejudicar a Copa no Brasil?".

PRIMEIRO: violência entre torcedores de futebol não é exclusividade brasileira. Não é sequer um problema de Terceiro Mundo, de classe social degradada ou de baixo nível de escolaridade. Se você é um que considera qualquer uma dessas hipóteses, sugiro acessar alguns resultados entre os milhares listados aqui: http://goo.gl/e81fOK

SEGUNDO: infelizmente já ocorreram selvagerias até piores do que as de ontem. Aqui no Brasil e no mundo. Para ficar apenas em um dos exemplos brasileiros:http://youtu.be/AvrQW73FZs4 (Pacaembu, 1995)

TERCEIRO: o que move esses episódios lamentáveis é acima de tudo o fanatismo. A mídia ajuda porque dá espaço e estimula rivalidades, por interesses comerciais relacionados à audiência e publicidade, mas a verdade é que o fanatismo começa em casa. A pessoa que é fanática demais por um clube não consegue compreender que o futebol é apenas um jogo, e que em jogos um dia você ganha e no outro dia você perde - nada vai mudar essa dinâmica. Ganhar ou perder não vai mudar a vida de ninguém (a não ser que o sujeito tenha feito uma aposta milionária). Um jogo é só um jogo. Mas tem gente que consegue fazer disso uma espécie de luta pela sobrevivência, onde é preciso eliminar um adversário para seguir em frente. Calhordice pura.

QUARTO: um fato que precisa urgente ser revisado pelos clubes de futebol é o subsídio às torcidas organizadas (ou equiparadas a organizadas, como o caso da Geral do Grêmio e daPopular do Inter). A importância delas para o espetáculo do futebol é imensurável, porém elas vão ter que encontrar um caminho para fazer isso sem o dinheiro dos clubes (como aliás fazia a Geral do Grêmio quando nasceu: era um movimento totalmente espontâneo). Quando entra dinheiro dos clubes no meio começa a haver disputa por poder dentro das organizadas. Esse poder invariavelmente é obtido pela forma neanderthal: é o sujeito (ou grupo) que amedronta os adversários e impõe respeito pelo medo dentro da própria torcida. Os dirigentes patrocinam isso porque se beneficiam de apoio político. Eles acusam dessa manobra quem está no poder, mas a verdade é que depois quando viram presidentes eles mantêm o mesmo esquema.

QUINTO: embora o papel da mídia seja menor no contexto todo, é preciso cobrar da imprensa a responsabilidade por estimular a rivalidade entre os torcedores. Para quem tem cabeça oca, basta uma frase provocativa para acender o estopim da insanidade. É só ver o que acontece quando um jornalista publica uma notícia "negativa" para determinado clube: imediatamente os insanos investem contra o jornalista e o acusam de torcer para o adversário. Na esteira disso os adversários prosseguem a infantilidade e acaba virando agressão verbal de todos os lados. A imprensa lucra com isso, porque é algo que movimenta milhares de leitores, ouvintes e telespectadores. Eles sabem que estão mexendo em um barril de pólvora, mas lavam as mãos de olho no retorno publicitário que grandes audências dão.

Para ver como há pessoas oportunistas que aproveitam certos episódios para criticar governos específicos (sempre do PT, claro): na triste batalha campal de 1995 no Pacaembu, o presidente do Brasil era Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o governador do Estado de São Paulo era Mário Covas (PSDB) e o prefeito da cidade de São Paulo era Paulo Maluf (PDS).

Na ocasião nenhum jornalista escreveu que a selvageria dos torcedores era fruto da incompetência de FHC, Covas ou Maluf. Agora tem gente querendo colocar a estupidez de torcedores fanáticos na conta do PT...

E assim a mídia segue te manipulando e te fazendo pensar que o PT e a Esquerda são culpados por tudo de ruim que acontece no país e no mundo.

Como eu vivo dizendo, ainda bem que existem os arquivos de jornal e a internet...

Em tempo: a polícia de Santa Catarina agiu e prendeu agressores identificados em imagens de ontem. A pergunta é: até quando ficarão presos? Qual vai ser a pena deles? A julgar por outros acontecimentos semelhantes, não esperem mão pesada do nosso Judiciário. Ainda mais se eles tiverem curso superior...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Mercado passa contrariedades no Brasil

Texto extraído da capa do portal Carta Maior, em 23/09/2013


Depois de anos de abuso do recurso adversativo -‘país vai bem, mas...' -- o jornalismo de economia se agarra agora ao verbo ‘surpreender'. 


O PIB ‘surpreendeu' no segundo trimestre, resmungaram as manchetes diante do crescimento econômico bem acima do previsto pela pauta conservadora: 3,3% em relação a igual período de 2012.


O emprego foi outra variável que ‘surpreendeu' em agosto, com um salto de 26% na oferta de vagas formais. 


Nesta 2ª feira, a arrecadação tributária manifestou também o seu desacordo com as previsões sombrias da emissão conservadora. A receita atingiu valor recorde no mês passado. 


A sequência é infernal. 


Antes, ainda, as manchetes já haviam manifestado surpresa com a volta da inflação ao limite da meta do BC, em julho e agosto. Até os consumidores decidiram teimar. Em movimento quase paradoxal, eles reduziram a inadimplência e aumentaram as compras. 


A presença recorrente do efeito surpresa nas manchetes não deve ser entendida como sintoma do que não é. 


O país tem problemas estruturais. Mas não exatamente aqueles listados pela mídia que se espanta com a inconsequência de seus vereditos e a baixa aderência de suas soluções. 


Falta, sobretudo, uma estratégia política pactuada com a sociedade para vencer a transição entre uma economia pensada para 1/3 da população, e aquela requerida agora que mercado de massa atingiu escala estruturante no Brasil. 


Ao contrário do que sugere a pregação midiática, o desafio reside justamente em construir alternativas à matriz anacrônica da liberalização, sobretudo dos fluxos de capitais, que sonega consistência a qualquer projeto de desenvolvimento. 


E isso já era verdade na reunião de Bretton Woods, em 1944...

domingo, 11 de agosto de 2013

Quem é o rapaz da imprensa destacado para jogar fumaça sobre o caso do propinoduto tucano



por Walter Falceta Jr.

A revista Época (Globo), atendendo a solicitação do Instituto Millenium, trata esta semana de estender pesada cortina de fumaça diante do escândalo do propinoduto tucano.


Numa obra estupenda, que mistura fiapos de suspeitas, suposições delirantes e malabarismos acusatórios, afirma que o PMDB tinha um sistema de cobrança de propinas que irrigou a campanha de Dilma Rousseff, em 2010. 



Baseada em informações creditadas a um lobista, a matéria procura envolver a Petrobras e a Odebrecht no suposto esquema.



O autor da reportagem é um conhecido executor de serviços sujos para a mídia hegemônica: Diego Escosteguy, ex-jornalista de Veja. É extenso seu portfólio de matérias propositalmente imprecisas, carregadas de distorções ou simplesmente falsas.



É o caso da matéria “Caixa financia obra da Vila Panamericana sem licitação”, de 2006, que os bons professores de jornalismo já adotaram como exemplo de produto midiático viciado.



A reportagem é carregada de erros, adulterações e invenções. Além disso, omite desonestamente as explicações divulgadas pelo banco.



Escosteguy é o mesmo elemento que, em setembro de 2010, obteve de José Roberto Arruda, ex-governador do DF, informações importantíssimas sobre o esquema que envolvia o bicheiro Cachoeira e o paladino da moral demista Demóstenes Torres. 



O que fez? Escondeu o material por seis meses para proteger os comparsas da cúpula da revista na capital federal.



Também é Escosteguy o nome por trás do jogo de manipulação de informações que quase arruinou a candidatura de Dilma à presidência.



O jornalista foi o responsável pela montagem da matéria em que a ex-ministra Erenice Guerra era pintada como chefe de uma quadrilha destinada a fornecer facilidades a empresas interessadas em firmar contratos públicos.



O caso Via Net Express – ANAC – Correios mostrou-se, no entanto, mais uma invenção de Escosteguy.



Soube-se depois que os tais 6% (apresentados como parcela de propina) não tinham qualquer relação com a ANAC ou com os contratos dos Correios. 



Tratava-se genericamente de um valor de pagamento para eventuais financiamentos obtidos dentro da legalidade. No caso específico que serviu como denúncia, tais empréstimos nunca foram obtidos.



Escosteguy faz do jornalismo um negócio lucrativo, por meio do qual obtém mimos dos barões da mídia.



Ganhou a chance de fazer um mestrado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Para pagar seus benfeitores, produziu uma dissertação com o seguinte título: “Corruption Rules: Brazilian Democracy under Lula”.
QUEM É O RAPAZ DA IMPRENSA DESTACADO PARA JOGAR FUMAÇA SOBRE O CASO DO PROPINODUTO TUCANO




sábado, 6 de julho de 2013

A Corporação

Da Wikipédia

The Corporation (A Corporação, em português) é um documentário canadense de 2003, dirigido e produzido por Mark Achbar e Jennifer Abbott, baseado em roteiro adaptado por Joel Bakan de seu livro (The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power, com versão em português: A Corporação: a busca patológica por lucro e poder). O filme descreve o surgimento das grandes corporações como pessoas jurídicas, e discute, do ponto de vista psicológico que, em sendo pessoas, que tipo de pessoas elas seriam.

Do YouTube



segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um novo tempo, apesar dos perigos

Por Valter Pomar, em seu blog:


1. As grandes mobilizações ocorridas no Brasil, desde 13 de junho de 2013, constituem motivo de comemoração e otimismo. O país, nosso governo e nosso Partido necessitavam deste chacoalhão, que abre a possibilidade de avançarmos, e avançarmos mais rápido, no processo de reformas sociais e políticas. Mas para isto é preciso fazer uma detida reflexão sobre os acontecimentos, para a qual apresentamos a contribuição a seguir.


2. Os acontecimentos das últimas semanas não constituem um raio em céu azul, ao menos para os que vinham acompanhando a mudança nas condições do país, desde o início do governo Dilma. Vários setores do Partido, inclusive a Articulação de Esquerda, já apontavam (/http://pagina13.org.br/2013/04/manifesto-a-esperanca-e-vermelha/) para os limites de nossa estratégia, as contradições crescentes de nossa política, as mudanças sociológicas e geracionais do país, a alteração na postura do grande capital, a ofensiva ideológica e política da direita partidária e midiática, o distanciamento das bases sociais e eleitorais e, principalmente, para o fato de que a política econômica vem provocando um atendimento limitado às necessidades e demandas das massas populares. Não apenas a AE e setores da esquerda petista, mas o próprio Diretório Nacional do PT já apontara, na convocatória do V Congresso do Partido (http://www.jptrn.com.br/2013/05/convocatoria-para-o-v-congresso.html), a necessidade de reformas estruturais mais profundas no país, inclusive no âmbito da comunicação, educação e cultura. Mas mesmo quando esta crítica comparecia nos discursos, não era a interpretação nem a postura predominantes na prática. Nesse sentido, é necessário e pedagógico recordar alguns fatos, ocorridos antes de 13 de junho de 2013.

3. A imprensa atribuiu a um afamado marqueteiro –categoria cuja nefasta influência política deve ser repensada— a opinião de que as pesquisas apontavam para uma reeleição de Dilma já no primeiro turno. Avaliação equivocada que havia sido cometida em 2010, quase resultando em danos irreparáveis.

4. Nas atividades comemorativas dos dez anos de governos Lula e Dilma, o reconhecimento dos erros, insuficiências e contradições era muitas vezes soterrado por um discurso de auto-propaganda, que também pode ser encontrado em publicações recentes acerca do tema. Não temos dúvida de que hoje estamos melhor do que estávamos na era FHC, e de que estamos melhor do que estaríamos sob Serra e Alckmin. Mas estaríamos ainda melhor se tivéssemos aplicado o conjunto do programa do PT, sendo necessário reconhecer as limitações do que foi feito e o quanto ainda resta por fazer.

5. Era frequente, entre amplos setores do Partido, uma postura arrogante que minimizava a força política e ideológica de nossos inimigos, assim como as decorrências negativas do tipo de governabilidade adotada, entre as quais a influência do do PMDB e a presença crescente de fundamentalistas de direita em partidos da base do governo, sendo Marcos Feliciano seu símbolo mais vistoso, compondo um Congresso Nacional que tem derrotado a imensa maioria das propostas progressistas. Virou hábito dizer que a oposição de direita “não tinha programa”, “não tinha proposta”, “estava dividida”, “não conseguia influenciar a opinião pública, só a opinião publicada”, dependia “apenas” do PIG etc. Cegueira política e preguiça intelectual, incapaz de perceber os desdobramentos do que vem ocorrendo no Brasil há anos: uma brutal ofensiva ideológica do conservadorismo, que assume ademais novas formas e conteúdos, por exemplo através da agitação e propaganda nas novas e velhas mídias. Ofensiva contra a qual o governo e o Partido não ofereceram devida resistência. Pelo contrário: na Comunicação, na Casa Civil e em outros ministérios, brotam frequentes sinais de apoio prático e retórico às teses de direita.

6. Finalmente e mais importante, tornou-se frequente confundir a fotografia com o filme. A fotografia dos índices de pesquisa era favorável. Mas o filme mostrava uma realidade em movimento: uma mudança na postura do grande capital em relação ao nosso governo; a radicalização política e ideológica de setores médios contra as posições de esquerda; a insatisfação crescente de setores da classe trabalhadora tradicional; e uma ambiguidade no apoio da "nova classe trabalhadora". Mostrava, também, grandes novidades geracionais: a mais alta proporção de jovens e jovens trabalhadores no conjunto da população, com acesso a empregos precários e mal remunerados, dividindo seu tempo entre trabalho, estudo e transporte, o que ajuda a entender porque a qualidade do transporte e o valor das tarifas são temas tão sensíveis.

7. Estes e outros elementos eram completamente perceptíveis antes do 13 de junho de 2013. Tomados isoladamente ou de conjunto, as reuniões das direções partidárias, de nossas bancadas, das nossas lideranças sociais e intelectuais apontavam para tais problemas. Mas o Partido como um todo, e o governo em especial, foram incapazes de sintetizar isto numa orientação alternativa. O que reforça algo que todos sabemos: é preciso mudar a dinâmica partidária, bem como a relação entre partido e governo. E sem cair na tentação de personificar os problemas, pois não podemos desconsiderar os equívocos coletivos, alguns dos quais se acumulam desde 1995, outros desde 2003.

8. A partir de 13 de junho de 2013, a quantidade converteu-se em qualidade, num processo de mobilização social que devemos analisar com o máximo de atenção. Cabe ao Partido, e também a nós, reunir o conjunto de informações e interpretações acerca do processo e elaborar uma síntese capaz de nos orientar melhor na luta política. De imediato, algumas variáveis já podem ser apontadas.

9. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a heterogeneidade do processo. Não apenas a existência de múltiplos movimentos, setores sociais e políticos envolvidos, disputando e sendo disputados. Mas também a existência de etapas distintas no processo, cada qual com um sentido e hegemonia distintas. Está claro, por exemplo, que o movimento começou em torno da luta contra as tarifas do transporte urbano; cresceu como movimento de solidariedade contra a repressão policial; depois entrou numa terceira fase, onde a direita passou a disputar com força a condução do movimento; houve então uma reação do governo e das esquerdas, em torno principalmente da proposta de Plebiscito; nos próximos dias, estão convocadas várias mobilizações, desde o locaute convocado por setores da direita para o dia 1/7, até a mobilização das centrais sindicais nos dias 4 e 11/7. É fundamental, portanto, fazer análise concreta da situação concreta.

10. Em segundo lugar, é importante destacar a predominância da juventude. Cabe analisar melhor o perfil deste setor social que foi às ruas. E atentar para o fato de que a juventude, especialmente nas periferias, é alvo de uma pauta predominantemente negativa: violência do Estado, toque de recolher, redução da maioridade penal, com 30 mil jovens negros morrendo todo ano. Numa primeira aproximação, podemos dizer que, ao menos numa primeira etapa, foi às ruas uma juventude trabalhadora ou filha de trabalhadores, com idade média até 25 anos e formação predominante universitária, exatamente o setor social e geracional que nossas próprias pesquisas e análises indicavam estar ganhando distância frente ao PT. Aliás, chama a atenção que alguns que antes comemoravam a “entrada de milhões na classe média”, agora criticam as manifestações por estarem “compostas predominantemente por gente de classe média”: tanto a comemoração anterior quanto a ojeriza posterior incidem em erros, sociológicos e políticos (http://www.pt.org.br/noticias/view/artigo_marilena_e_a_turma_do_farol_por_valter_pomar). A verdade é que a intensa mobilização juvenil, de uma geração que nasceu depois da campanha das Diretas Já, quebrou dois mitos: o de que a juventude seria naturalmente de esquerda e progressista; e de que seria uma juventude alienada e desinteressada da política.

11. Em terceiro lugar, é necessário reconhecer o sentido em geral progressista das demandas e do processo (http://pagina13.org.br/2013/06/que-as-manifestacoes-nao-sejam-passageiras/). Ampliação dos direitos sociais e mudança no sistema político do país são bandeiras do PT, da esquerda, dos setores progressistas do Brasil. Tarifa zero, como educação e saúde públicas, não são plataforma da direita, do grande capital e dos setores conservadores, ainda que estes setores busquem apropriar-se oportunisticamente destas bandeiras, para tentar dirigir um movimento cujo conteúdo é no limite contraditório com seus interesses de classe. Como já apontaram muitos, o sentido das ruas está em contradição com o desejo dos mercados.

12. Em quarto lugar, é fundamental perceber que se trata de um movimento originalmente espontâneo. É curioso como dirigentes importantes da esquerda, oriundos eles mesmos de uma situação semelhante no final dos anos 1970 (“quanto novos personagens entram em cena”), tenham hoje dificuldade de reconhecer ou de aceitar que outros possam fazer o mesmo. Freud explica. Claro que em todo movimento espontâneo há incoerências e confusão, elementos organizados, disputa política, interferência da direita, momentos de fluxo e refluxo, desfechos incertos. Mas exatamente isto é um movimento espontâneo: a eclosão súbita de centenas de milhares de pessoas na rua, pessoas que passam a querer ter ação política, as vezes superando e atropelando até mesmo as ações e forças sociais organizadas, que por exemplo estiveram presentes desde o início no Movimento Passe Livre.

13. Em quinto lugar, é decisivo entender que sem um forte deslocamento da correlação de forças, seríamos derrotados, ou na eleição, ou na condução do governo. Derrota que em certa medida já vinha se dando, pois apesar da batalha dos juros, o governo não estava conseguindo manter o ritmo das mudanças, fazendo cada vez mais concessões ao grande capital e a setores da direita. E, graças à eclosão popular ocorrida desde 13 de junho, abriu-se a possibilidade de deslocar a correlação de forças para a esquerda.

14. Em sexto lugar, é prudente atentar que o desfecho está em aberto. O consórcio mídia-partidos de direita está disputando a consciência popular, as pautas da mobilização, o sentido geral do movimento. Querem converter um movimento de pressão por mais políticas públicas e mais democracia política, num movimento contra o PT e contra o governo. Ainda que com propósitos distintos, setores da oposição de esquerda têm o mesmo objetivo, acreditando que é possível ultrapassar o PT pela esquerda, embora os acontecimentos tenham demonstrado de novo que uma derrota do PT abriria caminho para a derrota de toda a esquerda. Neste sentido, saudamos e nos empenhamos nas diversas iniciativas de unidade democrática anti-fascista das diferentes forças da esquerda político-social. E alertamos para o fato de que setores da oposição de direita estão apostando na desestabilização da economia, inclusive recorrendo a locautes ("greve" articulada por empresários). 

15. Todas estas variáveis apontam qual deve ser nosso caminho: disputar os rumos do processo, não contra ele, mas apoiando-se no ambiente de mobilização, para realizar mais mudanças sociais e políticas no Brasil, aprofundando o curso iniciado em 2003. Cabendo ter claro que disputar os rumos do processo não é igual a “disputar os movimentos sociais” que conhecemos e com os quais estamos habituados. E tendo claro, também, que o ambiente político no Brasil mudou: a direita brasileira resolveu adotar uma tática de desestabilização semelhante a adotada pela direita venezuelana, articulando mídia e oposição partidária, com disputa de rua. A tentativa de realizar uma greve geral via facebook, na verdade um locaute empresarial disfarçado, é outro exemplo disto.

16. A rigor, isto tampouco constitui novidade absoluta. No Chile de Allende, na já citada Venezuela, na Bolívia e noutros países, a direita também busca legitimar-se nas ruas. No Brasil dos anos 1960, a direita ocupou as ruas. E, nos últimos anos, a direita brasileira vinha ensaiando novamente esta tática, seja usando igrejas conservadoras, seja estimulando movimentos como o “Cansei”. Há pouco, tivemos as ondas de boato sobre o "apagão", a "inflação" e o "fim da bolsa família". Agora, tentam cavalgar um movimento social espontâneo. Utilizam para isto técnicas e tecnologias adotadas em outros países do mundo, mas também procedimentos tradicionais de ultra-direita, entre os quais a infiltração policial, mobilização de criminosos e lumpens, tropas de choque fascistas, preconceito religioso. Mas estas técnicas operam no movimento, não são responsáveis pela sua eclosão.

17. Também aqui, cabe a nós do PT fazer uma autocrítica. Nos anos 1980 e 1990, o petismo era o principal veículo da insatisfação com os problemas políticos e sociais brasileiros. Eram os tempos em que Lula fazia referência aos "300 picaretas" que dominavam o Congresso Nacional. A medida que fomos nos tornando parte da institucionalidade, reduzimos progressivamente aquela dimensão fundamental de nossa atividade. E, como já dissemos em 1993 no Manifesto A Hora da Verdade (http://pagina13.org.br/apresentacao/quem-somos/), o em si positivo crescimento institucional foi acompanhado da domesticação do Partido, com a adesão de crescentes setores do petismo à norte-americanização da política (dinheiro, mídia, marketing eleitoral). A crise de 2005 deve ser vista neste contexto, e nossas dificuldades em equacionar o tema ajudou a direita a ganhar amplos setores da população, para a tese segundo a qual o PT seria um partido “tão corrupto quanto os demais”. Para piorar, a domesticação e institucionalização do petismo foi acompanhada pela burocratização e esvaziamento não apenas do Partido, mas também de muitas organizações oriundas dos movimentos sociais. Abriu-se, especialmente na juventude, um vácuo que tampouco foi ocupado pela esquerda não-petista. É neste espaço que os diferentes setores da oposição de direita buscam operar.

18. Ou recuperamos nossa capacidade de vocalizar a indignação “com tudo que está aí”, abandonando a incorreta ideia de que ser governo nos impediria de tomar esta atitude, ou no médio prazo poderemos ser varridos. Isto que é chamado de sentimento "antipolítico", deve servir de base para a defesa de outro tipo de política, portanto contra a política e os políticos conservadores, tradicionais, de direita. O sentimento expresso na frase "não me representa", deve levar a esquerda política e social a abrir nossas organizações à nova militância surgida neste processo; e adotar uma nova dinâmica de funcionamento, vinculada às bases sociais, presentes no cotidiano do povo, participando do debate cultural e ideológico, recuperando o sentimento crítico e a radicalidade programática.

19. Fazer isto implica, também, em combater os sinais de preconceito geracional presentes em algumas análises feitas, por setores da esquerda, acerca da mobilização iniciada dia 13 de junho.

20. Há muitas experiências históricas mostrando o que acontece com uma esquerda que pretende viver de glórias passadas. Lembramos que aquilo que constitui “conquista” para uma geração, é “parte da paisagem” para as gerações seguintes. E será assim, especialmente quando as gerações anteriores se burocratizam e, ao mesmo tempo, se demonstram incapazes de garantir comunicação de massas, educação pública e formação político-ideológica para as novas gerações.

21. Grande parte dos que foram às ruas a partir de 13 de junho são produto do país que nós ajudamos a construir. Que as manifestações tenham sido por mais direitos, e não contra o corte deles, nem por salários e empregos, é um sinal disto. Mas cabe lembrar: este é um país profundamente desigual e contraditório, em que o neoliberalismo continua ideológica e economicamente hegemônico, ao passo que a esquerda parece ser politicamente hegemônica. Esta contradição, quase um paradoxo, está na base de grande parte de nossos problemas, e a política de coalizão com a centro-direita adotada pelo Partido amplia a dificuldade, pois parece aos olhos da juventude e de outros setores que somos apenas e tão somente parte integrante do sistema. Duas fotografias simbolizam os equívocos decorrentes da indiferenciação: a imagem de Fernando Haddad com Paulo Maluf, durante a campanha eleitoral de 2012;e a fotografia do prefeito com o governador Geraldo Alckmin, no anúncio da redução das tarifas.

22. A análise de que foi às ruas a “geração facebook”, reforçada pelas palavras-de-ordem múltiplas ao estilo dos posts dos murais do face, tem um pouco de verdade. Mas é bom lembrar que as organizações tradicionais da esquerda também tem apresentado pautas reivindicatórias pulverizadas. Por outro lado, não devemos superestimar o papel das redes: sem o impacto da grande mídia tradicional, especialmente das televisões, as mobilizações não teriam a mesma força. Seja como for, é ótimo que os jovens tenham saído às ruas, superando as limitações inclusive físicas das redes sociais virtuais. Este é um processo pedagógico, para eles e para todos, para os que foram às ruas e para os que não foram. Além de estimular certa esquerda acomodada a movimentar-se, nem que seja por auto-defesa; além de proporcionar uma reflexão muito útil sobre os riscos de certa retórica nacionalista e de certa crítica rasa aos partidos, ambas atitudes presentes em setores da própria esquerda organizada.

23. A pedagogia do processo inclui aprender a neutralizar o vandalismo lumpen e combater a presença do crime organizado. É preciso, também, aprender a lidar com a atitude de grupos radicalizados como os anarcopunks. Ao mesmo tempo, é crucial impedir que o movimento seja capturado pela direita. Por isto, é importante identificar e derrotar os setores neofascistas, skinheads e grupos paramilitares de direita e, principalmente, impedir que o movimento seja capturado pela pauta da direita. Sem incorrer no erro e na pretensão de tutelar o movimento, para atingir estes objetivos, cumprem papel fundamental as organizações tradicionais da classe trabalhadora, o papel da velha guarda, da esquerda organizada, da militância com experiência em lutas anteriores. Sobre isto, com todos os cuidados que a situação exige, nossa posição é clara: as ruas são de todos e delas não seremos expulsos pelos herdeiros dos galinhas verdes.

24. Tampouco aceitamos a criminalização dos movimentos sociais e a violenta repressão desencadeada pela Polícia Militar, sob ordem de governos tucanos e de direita. E alertamos que algumas atitudes posteriores da Polícia --como a de adotar uma atitude "passiva" e de "reação tardia" frente ao vandalismo-- parecem estar a serviço de criar um clima de medo e desgoverno, para justificar e legitimar o posterior chamamento às "forças da ordem". 

25. É bom dizer que a geração que foi às ruas na primeira etapa do movimento, basicamente gente com sensibilidade de esquerda, foi surpreendida pela atitude de algumas autoridades filiadas ao PT. Estas atitudes desencontradas contribuíram muito para confundir, aos olhos de setores da população, as nossas posições com as posições do tucanato. Imaginemos: qual teria sido o curso dos acontecimentos, caso Fernando Haddad tivesse, desde o primeiro dia, suspendido o aumento das passagens na cidade de São Paulo? Ou caso o ministro Cardozo tivesse criticado a violência policial desde o primeiro dia? Ou ainda se o conjunto do PT tivesse reconhecido que a tarifa zero obedece a mesma inspiração da saúde e da educação públicas, a saber, diferentes maneiras de garantir um direito social? Neste sentido, saudamos a atitude legitimamente petista de militantes, instâncias, parlamentares e autoridades executivas ligadas ao PT, que souberam compreender o recado das ruas e com elas interagiram adequadamente.

26. Entretanto, o conjunto dos acontecimentos de Junho confirmou que uma parte da esquerda brasileira converteu-se à tecnocracia, tratando o povo como “paciente”. Paciente no sentido de ser “objeto” e não sujeito dos processos. E “paciente” no sentido de ter “paciência”.

27. Para os que adotam esta postura tecnocrática, é muito difícil compreender o papel que a luta social pode jogar na transformação social. As condições históricas levaram o setor majoritário da esquerda brasileira, especialmente o PT, a lutar por ser governo, nos marcos da ordem capitalista e de um Estado conservador. Exatamente por isto, esta esquerda não pode diluir-se nas instituições e tornar-se defensora do status quo; ao contrário, deve preservar sua vocação anti-sistêmica, democrático-popular e socialista, para fazer de sua presença no Estado a contra-mola que resiste, altera e transforma.

28. No caso concreto, as mobilizações em curso podem nos ajudar a defender a ampliação dos direitos sociais, contra a ortodoxia fiscal. Ajudar a fazer a reforma política, contra o conservadorismo do atual parlamento brasileiro. Ajudar a colocar as reformas estruturais na pauta política do país. Aliás, um dos saldos deste processo é nos lembrar, a todos, que a correlação de forças e a agenda política do país podem ser alteradas, e que a luta de massas tem esta capacidade.

29. Como já se convencionou dizer, é hora de fazer do limão, limonada. Partir do quadro atual, para aprofundar as mudanças e fazer a reforma política. Aliás, é bom reafirmar: sem reforma política e democratização da comunicação, não terá futuro a estratégia defendida pelo PT. Posto de outra maneira, não há como prosseguir mudando o país, sem alterar as instituições estatais brasileiras. E não há como fazer esta alteração apenas de dentro para fora: é preciso que a pressão social entre em cena. Infelizmente, apesar dos esforços das organizações populares, a pressão recente não surgiu por nossa iniciativa; mas felizmente surgiu. Por isto, consideramos que foi absolutamente correto reconhecer a legitimidade das mobilizações e de suas demandas, assim como apontar o Plebiscito e a Constituinte como caminhos para tradução institucional da pressão social. Mas também por isso, consideramos essencial colocar em movimento a classe trabalhadora: é isto e a ação articulada de nossas organizações que pode derrotar a movimentação da direita.

30. Claro que a direita repudia a Constituinte e o Plebiscito. Confirmando o divórcio entre capitalismo e democracia, temem que a pressão das ruas produza uma reforma política que lhes tire poder. A isso respondemos: todo o poder ao povo, viva a soberania popular e a democracia. Claro, também, que a direita pretende direcionar a insatisfação social em direção aos partidos de esquerda, especialmente ao PT. A direita pode fazê-lo, pois os partidos são para ela parte totalmente secundária de seus aparatos de poder (entre os quais destacam-se o oligopólio da mídia, mas também suas casamatas incrustadas dentro do aparato do Estado). Nossa resposta deve ser defender uma política e partidos de novo tipo. Ou seja: não os partidos em geral, não a política em geral, mas a política e os partidos vinculados aos interesses da maioria do povo. Claro, ainda, que a direita busca manipular o movimento contra o governo Dilma. A isto respondemos fazendo a defesa e fortalecendo nosso governo, a começar pela presidenta Dilma, que nesta crise mostrou capacidade de reação, liderança e faro político.

31. Da mesma forma, devemos defender e reafirmar nosso passado e os êxitos de nossos governos, defender nossa ação presente, mas reconhecendo as contradições, equívocos e debilidades. Mas devemos sobretudo dar ênfase ao futuro, ao Brasil que queremos. E apontar com clareza qual a base de nossas dificuldades: o capital financeiro, as transnacionais, o agronegócio, o latifúndio tradicional, o oligopólio da mídia, o controle de setores privados sobre largos setores do aparato de Estado, a mercantilização da política. Motivo pelo qual é mais atual que nunca a pauta das grandes reformas estruturais, como as reformas tributária, agrária e urbana, a democratização da mídia e da política, a ampliação das políticas públicas e do papel do Estado.

32. Na mesma linha, cabe-nos rearticular nosso bloco político-social: governos, movimentos, partidos, intelectualidade, bases sociais e eleitorais. O Partido dos Trabalhadores, em especial, deve repactuar suas relações com os movimentos sociais e com as bases populares. Isto inclui, por exemplo, realizar plenárias – setoriais, municipais, estaduais e nacionais – dos militantes petistas que atuam nos movimentos sociais. E reorganizar, em novas bases, algo como foi o “fórum nacional de lutas”, articulando partidos e movimentos sociais do campo popular. Mas inclui principalmente tratar de outra forma temas variados, que estão na origem de conflitos no seio das forças populares: as demandas da CUT, os leilões do petróleo, a reforma agrária, o fator previdenciário, o respeito aos indígenas, a defesa das causas LGBT, as politicas de gênero, os gastos da Copa, a política de transporte urbano, o controle do ministério das Cidades pela direita, alianças intragáveis etc.

33. Cabe, ainda, fazer o Partido funcionar como Partido e ser capaz de reagir na velocidade que a luta política está impondo. Nesta crise, como em tantas outras, confirmou-se que atuamos muitas vezes como “partido de retaguarda”, que sabe operar predominantemente nos anos pares.

34. Como parte da disputa das ruas, o PT deve participar organizadamente das atividades convocadas pela Central Única dos Trabalhadores dia 4 de julho; e também das atividades convocadas pelo conjunto das centrais, no dia 11 de julho. Nossa ênfase deve ser na defesa da pauta da CUT: contra o PL 4330, da “terceirização” que retira direitos dos trabalhadores brasileiros e precariza ainda mais as relações de trabalho no Brasil; que as reduções de tarifa do transporte não sejam acompanhadas de qualquer corte dos gastos sociais; 10% do orçamento da União para a saúde pública; 10% do PIB para a educação pública, “verbas públicas só para o setor público”; fim do fator previdenciário; Redução da Jornada de Trabalho para 40 horas sem redução de salários; Reforma Agrária; suspensão dos Leilões de Petróleo. Também defenderemos o Plebiscito proposto pela presidenta Dilma, a reforma política, a democratização da comunicação e a Assembleia Constituinte.

35. A disputa das ruas começa já nas telas de TV. O governo brasileiro está convocado a alterar imediatamente sua política de comunicação. O atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi capaz de imputar à militância petista uma posição que não é a nossa (a censura), além de nos atacar covardemente nas páginas da pior revista do país, não está vocacionado para cumprir esta tarefa. O ministério deve ser encabeçado por alguém comprometido com a democratização da comunicação social.

36. A disputa das ruas começa, também, alterando a política de comunicação do Partido. Constituir uma redação de conteúdos capaz de alimentar nossos boletins, páginas eletrônicas, programas de rádio, entrevistas e discursos em todo o país. E reconstruir nossas redes sociais, principalmente apoiando a atuação organizada de nossa militância nessa frente de luta política e ideológica.

37. O centro da tática é, neste momento, disputar e vencer o plebiscito. O que exigirá uma forte aliança política e social, que já está se conformando, entre todos os favoráveis à reforma. Ao Partido caberá de imediato, entre outras tarefas, a de contribuir no essencial debate sobre quais serão as perguntas feitas à população. Proposto para 7 de setembro, o plebiscito pode criar as condições institucionais necessárias não apenas para reeleger Dilma, mas para fazê-lo de forma a que o segundo mandato seja superior ao primeiro.

38. Para vencer o plebiscito, é fundamental que haja condições democráticas, o que começa por definir regras claras, horário eleitoral de rádio e TV, limites ao financiamento das diferentes posições, democracia nos meios de comunicação.

39. Também é fundamental a definição de quais temas devem ser objeto de debate e votação, no Plebiscito. De saída é importante que o conteúdo e a redação das perguntas dialogue com o sentimento popular, de negação da atual maneira de fazer política. Por isto, tão importante quanto as alternativas de sistema eleitoral (voto distrital, em lista ou distrital misto) e a fidelidade partidária, são temas como a introdução de instrumentos de democracia direta, extirpar a fonte de corrupção que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, garantir a proporcionalidade na eleição de parlamentares, a paridade de gênero na composição das bancadas, o fim do Senado com a introdução do unicameralismo etc.

40. E, com destaque, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, bandeira correta, aprovada e reafirmada pelo Partido, a única compatível com a necessidade de alterar de conjunto e democraticamente a institucionalidade brasileira. A esse respeito, o governo deveria ter mantido a proposta combinada de Plebiscito e Constituinte "específica", para fazer a reforma política.

41. É nestes marcos de intensa luta política e social que ocorrerá o processo de eleição das direções partidárias, o chamado PED. Trata-se de uma coincidência feliz, pois permitirá à militância construir, através do debate, uma nova estratégia para um novo período, de maiores conflitos políticos e sociais, cuja solução positiva exige a realização de reformas estruturais. Um cenário adequado, também, para que o Partido reveja de alto a baixo sua organização, reconstruindo suas instâncias e organismos de base, revendo seus métodos de funcionamento e ação, e principalmente adotando uma nova estratégia, elegendo uma direção que seja capaz não apenas de reconhecer os novos tempos, mas também – e principalmente – capaz de agir em conformidade com isto. 

42. Vivemos novos tempos, apesar dos perigos. As próximas semanas podem confirmar o potencial mudancista do processo, ou podem resultar numa reversão conservadora, como é o sonho daqueles que comemoram os resultados de recentes pesquisas de opinião. Cabe a cada um de nós, militantes de esquerda, sustentar as bandeiras vermelhas da esperança e do socialismo.

* A direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência do Partido dos Trabalhadores - 30 de junho de 2013

quarta-feira, 5 de junho de 2013

“Bolsa Família inicia reparação histórica”, diz Walquíria Leão Rego



Livro “Vozes do Bolsa Família” será lançado em junho | Foto: Ana Nascimento / Bolsa Família

Dos rincões miseráveis do Brasil emergiram as vozes de mais de uma centena de mulheres que foram ouvidas por uma pesquisadora paulista preocupada em compreender os impactos do programa Bolsa Família na vida dos 5,4 milhões de beneficiários. Ainda alvo de críticas por vários setores, o programa de transferência de renda é considerado pela socióloga Walquíria Leão Rego como um começo de reparação social do estado brasileiro para com os mais pobres. “Estas pessoas saíram da miséria absoluta, os índices de mortalidade infantil ficaram mais baixos e isto tem impacto fundamental para um país que se diz minimamente democrático. Conviver com a miséria como o Brasil conviveu por tantos séculos, mesmo depois do fim do regime militar, deveria ser um processo que mexe com todos os brasileiros”, falou em entrevista ao Sul21.

Professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Unicamp, Walquíria Leão Rego fez a pesquisa por conta própria, sem apoio financeiro da Unicamp ou do governo federal. Financiou as viagens do próprio bolso, agendando as excursões em seus períodos de férias. A seu lado, em parte da pesquisa, esteve o filósofo italiano Alessandro Pinzani, que leciona na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “A qualidade de vida destas pessoas melhorou e elas não estão mais adoecendo. Esta afirmação é algo constatada não só na minha pesquisa, que não é quantitativa, mas pelo IPEA (Instituto de Pequisa Econômica e Aplicada), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ONU (Organização das Nações Unidas), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), todos constatam a mesma coisa”, afirma.

Concebida com a finalidade de averiguar se, como e em que medida a nova renda e sua regularidade afetam a vida cotidiana das famílias e, em particular, das mulheres, a pesquisa completa estará disponível no livro Vozes do Bolsa Família, a ser lançado pela Editora Unesp no dia 11 de junho. “A remuneração proporciona uma liberdade pessoal. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser em dinheiro. É diferente se fosse uma cesta básica, onde já é determinado o que a pessoa irá fazer com o recurso e o que ela irá comer”, explica a socióloga.

Na visão da professora, os ataques ao programa federal criado pelo governo Lula são feitas por setores específicos da sociedade e com base em conceitos preconceituosos. Ela não acredita em uso político do seu livro. “Este recente episódio do boato que o programa iria acabar e que levou centenas de pessoas aos bancos em poucas horas, mostra bem para os críticos o tamanho da necessidade do Bolsa Família. Por isso, acho pouco provável que alguém queira brincar com isso”, fala.
A socióloga Walquíria Leão Rego, autora de Vozes do Bolsa Família | Foto: Unicamp


Sul21 – O Bolsa Família completa 10 anos em 2013, alcançando perto de 5,4 milhões de pessoas e é reconhecido internacionalmente como o maior programa de combate à pobreza. Qual é o impacto real deste programa no desenvolvimento do país, porque ao mesmo tempo, ele segue sendo alvo de críticas?

Walquíria Leão Rego – Criticado por quem? Temos que nos perguntar a quem interessa falar mal deste programa. O principal impacto é perceptível. Uma parte significativa da população da chamada ‘extrema pobreza’ deixou de estar nesta condição. Isto não é pouco. É algo muito importante. Estas pessoas saíram da miséria absoluta, os índices de mortalidade infantil ficaram mais baixos e isto tem impacto fundamental para um país que se diz minimamente democrático. Conviver com a miséria como o Brasil conviveu por tantos séculos, mesmo depois do fim do regime militar isto fez parte do país por muitos anos, deveria ser um processo que mexe com todos os brasileiros. A imprensa, a academia e a sociedade em geral deveriam ser tocadas com isso. O impacto é muito grande para as pessoas que passaram a ter um rendimento regular, apesar de pequeno. É um dinheiro que eles podem contar todos os meses. Eles aprendem a conviver com esse recurso e buscam querer viver melhor. Este programa é o começo de uma reparação por parte do estado brasileiro.

“Este argumento de que eles não saberiam administrar [o dinheiro] é preconceito com os pobres” | Foto: Roberto Setton











Sul21– Os usuários conseguem administrar a liberdade de ter uma fonte fixa de renda, o que para muitos deve ser algo inédito?

Walquíria Leão Rego - Administram muito bem. Este argumento de que eles não saberiam administrar é preconceito com os pobres. Quem está endividada é a classe média e os ricos, não os pobres. Quando falo em pobres, me refiro aos cadastrados no Bolsa Família, porque existem pobres que estão na categoria de pobres e não estão vivendo na extrema pobreza. Eles administram muito bem os recursos e em dez anos aprenderam a gerir as finanças como qualquer outra pessoa aprende. A qualidade de vida destas pessoas melhorou e elas não estão mais adoecendo. Esta afirmação é algo constatado não só na minha pesquisa, que não é quantitativa, mas pelo IPEA (Instituto de Pequisa Econômica e Aplicada), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ONU (Organização das Nações Unidas), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), todos constatam a mesma coisa. Isto deveria estar nas manchetes dos jornais do país. Demonstrar que este programa, mesmo oferecendo um auxílio pequeno, está tornando as pessoas cidadãos de fato. Este programa garante o direito mais elementar: a vida.

Estudam no ensino público, fazem intercâmbio no exterior com auxílio público e voltam para abrir um consultório na Avenida Paulista e cobrar até R$ 1,5 mil por uma consulta. Isto é o horizonte típico da classe média brasileira que faz medicina.

Sul21 – Dados oficiais revelam que 70% dos beneficiários adultos são trabalhadores e os estudantes que participam do programa possuem média de aprovação quase 5% maior que a média nacional. Além de ter um índice menor de abandono dos estudos.

Walquiria Leão Rego – Isto acontece pela exigência do vínculo das crianças na escola para receber o benefício, o que é muito interessante, porque mostra o quanto estas crianças estavam abandonadas pelo estado. Porém, também é necessário discutir a qualidade da escola brasileira. A escola pública no Brasil precisa de muito investimento ainda. As crianças que eu estudei vivem em cidades do interior, algumas em zona rural e em periferias de grandes cidades. (Recife, Vale do Jequitinhonha, etc ). O benefício também implica o controle da saúde das crianças, mas ainda faltam médicos no Brasil nos postos de saúde destas regiões. O governo federal estuda trazer para o Brasil os médicos cubanos, espanhóis e portugueses, porque os nossos não costumam ir para estes lugares. Isto acontece pela falta de compromisso de certas pessoas com o seu país. Os paulistas, por exemplo, querem fazer medicina na melhor universidade, que é USP (Universidade de São Paulo) ou a Unicamp, para se formar em uma universidade pública. Estudam no ensino público, fazem intercâmbio no exterior com auxílio público e voltam para abrir um consultório na Avenida Paulista e cobrar até R$ 1,5 mil por uma consulta. Isto é o horizonte típico da classe média brasileira que faz medicina. O compromisso com o povo eles não querem saber. Não adianta oferecer o salário e o benefício que for para estas pessoas porque elas não vão para as regiões de periferia e interior. As crianças que são beneficiadas com o Bolsa Família são abandonadas como cidadãos. O estado tenta resolver e a classe média vai para as ruas fazer protesto contra os médicos estrangeiros.
“Existe uma ignorância de algumas pessoas sobre a realidade do seu próprio país. Não sabem a geografia do seu país, que dirá a geografia econômica ou informações sociológicas” | Foto: Divulgação


Sul21 – Recentemente foi divulgado que 1,6 milhão de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família deixaram espontaneamente o programa. Isto contraria a tese de que elas se tornam dependentes do programa?

Walquíria Leão Rego – Isto sempre foi uma tese preconceituosa. Toda tese preconceituosa é desmentida em pouco tempo. O preconceito é algo estreito. Isto foi desmentido porque este dado revela que as pessoas querem melhorar de vida e, em algumas regiões não há emprego. Aliás, não há nem o que vestir ou que comer. Quem irá oferecer emprego para alguém que vive no sertão? Existe uma ignorância de algumas pessoas sobre a realidade do seu próprio país. Não sabem a geografia do seu país, que dirá a geografia econômica ou informações sociológicas. Então, há muito preconceito e estereótipo por trás destas teses.

Sul21 – A senhora desenvolveu a pesquisa por conta própria, sem apoio financeiro da Unicamp ou do governo federal. Financiou as viagens do próprio bolso, agendando as excursões em seus períodos de férias. Como alcançou a publicação do livro?

Walquíria Leão Rego – Consegui a publicação por meio da editora Unesp (Universidade Estadual Paulista), que é uma editora universitária. As outras editoras não se interessaram pelo meu material. Percebi que teria que ser pela editora universitária e creio que este é o papel mesmo. As editoras comerciais só estão interessadas em lucro. As publicações são aquelas que irão vender. Mas, mesmo contando com editora universitária não é fácil publicar estudos como este no Brasil.

A remuneração proporciona uma liberdade pessoal para as pessoas. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser em dinheiro.

Sul21 – Na sua pesquisa, que resultou no livro Vozes do Bolsa Família, foram ouvidas 150 mulheres cadastradas no programa. O que é possível dizer desta experiência de dar autonomia para as mulheres na gestão dos recursos do Bolsa Família?

Walquiria Leão Rego – Nós ouvimos muito mais pessoas, mas selecionamos uma amostragem de 150 mulheres para poder fazer um recorte. O livro é um experimento interpretativo, sociológico e com contribuição para o meio intelectual. Não terá grande reflexo na sociedade que, sinceramente, sei que não irá se interessar em ler meu livro. O que é uma pena, porque pode ser uma oportunidade de a sociedade experimentar conhecimento sobre seu próprio país. O estudo desfaz uma série de estereótipos de que os pobres só querem depender do estado e não querem trabalhar. Quem ler este livro conseguirá aprender alguma coisa. É a minha esperança. Agora, o conceito de autonomia é muito complexo. Tem implicações morais e políticas. O que podemos dizer é que, o fato destas mulheres tão destituídas em suas vidas e em estado de extrema pobreza, passarem a ser titulares de cartões de recursos transferidos pelo estado traz certa autonomia. A remuneração proporciona uma liberdade pessoal para as pessoas. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser em dinheiro. É diferente se fosse uma cesta básica, onde já é determinado o que a pessoa irá fazer com o recurso e o que ela irá comer. Fica imposto a quantidade de comida e o tipo de alimento que ela irá comer. O dinheiro dá liberdade de escolha, com isso elas aprendem a administrar os recursos. É um exercício de cidadania muito maior do que as classes mais abastadas pensam sobre a capacidade dos pobres.

“O estado decretou há muitos anos a morte civil destas pessoas. Agora, com o Bolsa Família, é que se começou a fazer algo” | Foto: Divulgação

Sul21 – Os homens ficaram ou tendem a ficar para trás neste processo de desenvolvimento que foca nas mulheres, a curto, médio ou longo prazo?

Walquíria Leão Rego – Homens também são pobres, analfabetos ou com mínima escolaridade. O desemprego é geral, não está relacionado com o gênero em determinadas regiões do país. Por séculos o estado abandonou parte do país. É preciso ter esta consciência. Agora, com o Bolsa Família, é que se começou a fazer alguma coisa pelo abandono desta parte da população. O estado decretou há muitos anos a morte civil destas pessoas. Elas não têm voz, a sociedade não as escuta. As pessoas não querem pensar sobre isso ou mesmo esquecem de pensar porque isso as incomoda muito e passa a crescer o preconceito. Os brasileiros conviveram por várias gerações sabendo da existência da pobreza e defendem que a culpa é dos próprios pobres que “não querem trabalhar” ou “são vagabundos”. Se não tivesse existido um programa como o Bolsa Família, pessoas seguiriam morrendo no Brasil, África e em tantas outras nações onde ele foi criado.

No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo, creio que seja necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais oportunidade de acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É uma imprensa muito controlada pelos seus patrões.

Sul21 – Como garantir o desenvolvimento do país após o desligamento do Bolsa Família?

Walquíria Leão Rego – Tem que se avançar muito mais no país em termos de desenvolvimento. No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo, creio que seja necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais oportunidade de acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É necessário que aconteça um conjunto de políticas públicas, inclusive específicas para a realidade destas regiões mais pobres. A educação é feita na escola, com a alfabetização, mas outras formas de formação para estes cidadãos são necessárias. Uma pessoa do sertão aprende a ler, mas segue vendo apenas televisão. Isto não resolve muito. Nós temos que discutir o que é educar. Não é só escola. É ter uma mídia democrática que produza conteúdos que elevem as pessoas. A televisão hoje indignifica as pessoas. Estamos ainda iniciando um novo processo de formação e transformação no Brasil. Eu citei apenas alguns exemplos aqui, mas temos muito que avançar.

O que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não tinha a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no governo Lula.

Sul21 – Por ser um dos poucos estudos acadêmicos sobre um dos programas mais importantes para a gestão do PT, e do próprio PSDB, que alega a paternidade do embrião do programa, a senhora imagina que seu livro terá uso político?

Walquíria Leão Rego – Não temo. Este recente episódio do boato que o programa iria acabar e que levou centenas de pessoas aos bancos em poucas horas, mostra bem para os críticos o tamanho da necessidade do Bolsa Família. Eu creio que essa reação das pessoas mostrou a importância que o programa tem na vida delas. Isso mostra o significado dessa bolsa para a população. Por isso, acho pouco provável que alguém queira brincar com isso. Além do que, o programa de fato tomou a dimensão que tomou e se tornou o maior programa do mundo não foi com o PSDB. O programa deles (PSDB) era outra coisa. O que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não tinha a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no governo Lula. A transformação social do país por meio deste programa começou, sem dúvida, no governo Lula e agora tem continuidade com o governo Dilma, isso não tem como negar. Se um jornalista quiser fazer investigação sobre isso, é só perguntar para as pessoas nas ruas do Brasil. Isso é um dado de realidade, não tem como mentir ou falsificar a história.
Tuíte da Ministra Maria do Rosário, negando o fim do Bolsa Família | Foto: Reprodução / Twitter


Sul21 – A senhora acredita que a imprensa tem interesse em dar voz aos críticos deste programa de forma sistemática?

Walquíria Leão Rego – De fato, isto é algo recorrente. A desqualificação do governo, das pessoas, do programa, e ao mesmo tempo a não-informação sobre o êxito desta iniciativa. Isso é o que mais me assusta, como eles (a mídia) se sentem no direito de não informar o país sobre o que está acontecendo no país? Você não vê isso em outros lugares do mundo. É uma imprensa muito controlada pelos seus patrões, talvez uma das mais controladas do mundo.

Sul21 – A senhora vê com esperança o avanço da democratização da mídia no país?

Walquíria Leão Rego - A própria imprensa hegemônica não quer discutir a democratização, e colocou na cabeça de seus jornalistas — e de alguns intelectuais que ela já produziu — que eles devem escrever que discutir e regulamentar a imprensa é abdicar da liberdade de expressão. Então eles usam essa questão para não discutir que quem não pratica essa liberdade de expressão são eles. Eles recusam o debate e usurpam o direito democrático à informação. As pessoas, de modo geral, não sabem o que está acontecendo. Alguma vez a grande imprensa fez alguma matéria séria sobre o Bolsa Família? Nunca. Pelo contrário, ela difama, mente e distorce. Isso não é jornalismo.