quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Continuar é seguir transformando", artigo de Dilma Rousseff

Nos próximos meses, o povo brasileiro viverá mais um momento extraordinário de sua história. Quando for às urnas eleger o sucessor ou a sucessora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro, o Brasil terá a possibilidade de decidir se manterá a rota virtuosa traçada nos últimos anos ou se vai pôr um freio às recentes conquistas de natureza social e econômica. 

por Dilma Rousseff, para a revista Princípios

O povo brasileiro decidirá se promoverá o salto ainda maior, desejado por uma população que voltou a sonhar alto, ou retrocederá ao ritmo da estagnação das duas décadas anteriores; se, enfim, dará continuidade ao projeto iniciado pelo atual governo ou embarcará de volta rumo a um outro projeto, com um outro grupo a comandar os rumos da Nação.

Não são questões fora de propósito, mas opções definidoras dos rumos do Brasil. Trata-se de reconhecer uma discussão fundamental – a aprovação de um projeto, ou de um modelo, que está transformando a face do país. Projeto este conduzido com extrema competência, sensibilidade social e altivez pelo presidente Lula. Sem se resignar à condição de uma mera cópia aperfeiçoada, ou uma simples reprodução de padrões importados, o Brasil está reescrevendo sua história, sabendo identificar suas necessidades, particularidades e esperanças.

É por essa razão que o brasileiro tem emitido sinais claros de que deseja a continuidade dessa trajetória recente. E a continuidade desejada pelo Brasil é a continuidade da mudança. É continuar mudando para melhor – o emprego, a renda, a saúde, a segurança pública, a educação, a eliminação da pobreza extrema, a inserção de milhões e milhões de brasileiros na classe média, o combate à desigualdade entre as pessoas, os gêneros, as etnias e as regiões.

Defender a continuidade da mudança significa justamente partir de um mesmo (e bem-sucedido) modelo para completar uma tarefa que começou e, assim, permitir a aceleração ainda maior de seus resultados. Feito passageiro numa viagem percorrida em estrada de extrema qualidade, o brasileiro tem diante de si a opção de pegar uma estrada diferente – incerta, possivelmente insegura ou simplesmente capaz de atrasar a viagem. Ou não mudar de rota, nem voltar atrás. A estrada brasileira é longa e é preciso tempo, esforço e insistência para completar a trajetória.

Defender a continuidade da mudança não significa, portanto, ser o mais do mesmo em relação ao que o Brasil viveu nos últimos anos. Sobretudo porque o próximo governo começará a partir de uma base infinitamente superior àquela encontrada em 2003. Naquele momento, o Brasil havia quebrado, a inflação era uma ameaça real na casa dos dois dígitos, exibíamos uma profunda fragilidade externa, o Estado brasileiro sofrera um ataque contínuo de desmonte, política industrial era algo inexistente e as políticas sociais eram boas, mas fragmentadas. Com esforço e muito trabalho, visão de futuro e audácia, disciplina e objetividade, conseguiu-se mudar essa realidade. A estrada percorrida, desde então, permitiu ao país deixar para trás uma marca que se repetia de maneira constante: a enorme distância entre o falar e o fazer, entre o discurso e a realidade.

O Brasil foi não somente o último a trafegar no terreno pantanoso da crise financeira internacional como o primeiro a atravessá-lo. Com estabilidade macroeconômica, sem sobressaltos e sob a proteção da mão visível da democracia, soube adotar políticas sociais agressivas para incorporar uma gigantesca massa da população à classe média – cerca de 31 milhões de pessoas – e trazer dignidade a 24 milhões de brasileiros que viviam na pobreza extrema. Foi um modelo que voltou a conjugar o verbo crescer, abolido havia tanto tempo no país. E, pela primeira vez na história, viu-se um crescimento econômico com real inclusão social. Mostrou-se que estabilidade monetária, crescimento, empregos com carteira assinada, investimentos públicos e privados e inclusão social acelerada não eram coisas inconciliáveis. Uma frase fundamental dita pelo presidente Lula, nos primeiros meses de 2003, explica o processo: “Primeiro começaremos fazendo apenas o necessário; depois vamos fazer o possível; e, quando menos se esperar, estaremos realizando o impossível”.

Historicamente, quase todos os presidentes governaram para ⅓ da população. Para muitos deles, a maioria dos brasileiros deveria ser dispensada do mapa de prioridades do governo. Havia quem dissesse que era preciso arrumar a casa primeiro para depois melhorar a situação. Mas nunca chegava a hora dessa arrumação da casa. Convém reconhecer, no entanto, que é impossível arrumar uma casa deixando ⅔dela bagunçados. Ao relento. À margem do progresso. O Brasil era uma casa dividida, marcada pela injustiça e pelo ressentimento. O governo Lula fez o contrário. Provou que só fazia sentido governar se fosse para todos. Mostrou que aquilo que era considerado o estorvo significava, na verdade, um impulso para crescer e fazer o país avançar. Quebrou um tabu histórico e incluiu os mais fracos e necessitados na rota do desenvolvimento – um caminho socialmente correto e economicamente indispensável.

O Brasil dará continuidade a essa mudança, agora assentado sobre novas bases. Condições não nos faltam. Somos um povo criativo e empreendedor. Temos uma democracia sólida e vibrante. Hoje, consolidamos um grande mercado interno. Possuímos a maior reserva florestal e a mais limpa matriz energética do Planeta. Nosso parque industrial é diversificado e a agricultura é cada vez mais forte.

Desfrutamos de estabilidade econômica, agora com grandes reservas internacionais. Se antes íamos de pires na mão ao FMI pedir empréstimos, hoje não apenas pagamos a dívida como emprestamos dinheiro a esse organismo internacional. Recuperamos a autoconfiança e o prestígio político e econômico no mundo. O Estado brasileiro retomou sua capacidade de planejar e de integrar-se com o setor produtivo. O crescimento do Produto Interno Bruto acelerou. O número de famílias abaixo da linha de pobreza decresceu. Milhões de pessoas ingressaram na classe média, na economia formal e no mercado de consumo de massa. A aceleração do desenvolvimento econômico e social foi alcançada com controle da inflação, redução do endividamento do setor público e diminuição da vulnerabilidade das contas externas do país diante de choques internacionais.

O Brasil está melhor, mas se ilude quem acha que se trata de uma tarefa fácil. Não é. Dar continuidade a essas mudanças recentes exigirá do futuro governo esforço redobrado e pleno conhecimento para ampliar e acelerar o que foi feito até aqui. Além disso, suceder um governo altamente bem avaliado, como é o do presidente Lula, impõe desafios ainda mais complexos. Mas é uma tarefa da qual não se pode escapar. E sinto orgulho de fazer parte deste projeto de continuidade.

O caminho para o futuro

O salto para o futuro, em construção no presente, exige que se desatem alguns nós que nos prendem ao passado. O exemplo mais importante dessa imposição é o caráter indispensável, fundamental, de uma educação de qualidade. É por isso que a nova etapa do desenvolvimento brasileiro começará a partir da educação. Ela é um dos gargalos para o desenvolvimento sustentado e para a elevação definitiva do padrão de vida dos brasileiros. É uma agenda imprescindível, uma vez que o país enfrentará, a partir de agora, os desafios da sociedade do conhecimento. Precisamos recuperar um atraso secular e, ao mesmo tempo, saltar para um futuro de acesso pleno, democrático e popular à educação, ao ensino e à informação. Antes, houve negligência em relação ao ensino médio, estagnação do ensino técnico, paralisia nas universidades públicas.

O governo Lula retirou a política educacional de um estado de lassidão e a levou a uma mudança de paradigma. Reconstruiu a gestão da educação brasileira. Corrigiu a política da indiferença e estabeleceu novas prioridades: uma política integrada de ensino, da creche à universidade; universalização da educação básica de qualidade; democratização do acesso ao ensino; garantia de permanência dos alunos na escola; superação da exclusão por classe social, etnia ou gênero; fortalecimento da relação do ensino com o trabalho; e, por último, mas o mais importante, valorização dos profissionais da educação. É o momento de dar sequência à transformação educacional que está em curso no Brasil. Da creche à pós-graduação.

Isso significa não somente oferecer uma remuneração condizente com a importância dos professores, mas dar especial atenção à formação continuada dos profissionais do ensino fundamental e médio e fazer com que eles tenham pelo menos o curso universitário. É importante também que tanto o aluno quanto as escolas sejam avaliados, de modo que possamos garantir qualidade ao ensino. Completar a revolução educacional significa ainda espalhar o que o presidente Lula voltou a fazer: escolas profissionalizantes por todo o Brasil, levando a cada cidade, a cada município, escolas técnicas capazes de abrir oportunidades de empregos para seus alunos. E, por fim, qualificar o ensino universitário, reforçando a pós-graduação, equipando nossas universidades, assegurando bolsas de estudo de apoio aos alunos mais necessitados.

Essa soma de esforços garantirá a condução da sociedade brasileira à tecnologia e ao conhecimento. Trata-se de uma evolução fundamental – a democratização no acesso à informação, à tecnologia, à cultura e ao conhecimento. O próximo grande passo é o pleno direito popular de acesso à internet em alta velocidade. Quanto maior a capacidade de um povo de processar informações complexas, mais conhecimento, riqueza e poder esse povo terá. A inclusão digital é uma exigência econômica, social e cultural imprescindível para a competição entre os países e para as necessidades dos cidadãos.

A educação ocupa o topo da pirâmide de prioridades, mas é evidente que a nova etapa do desenvolvimento exigirá tarefas em muitas outras áreas. Para o Brasil seguir mudando, e para melhor, é fundamental, por exemplo, investir ainda mais em pesquisa, inovação e política industrial. O governo Lula foi o que mais investiu em pesquisa e inovação na história recente. A meta a partir de 2011 é ampliar o esforço, focando nos setores portadores de futuro – é o caso da biotecnologia, agroenergia e fármacos. Neste último caso, é preciso dar condições às nossas instituições de pesquisa, universidades e empresas para que sejam capazes de desenvolver aqui remédios adequados e mais baratos. Será preciso fortalecer o tripé empresas privadas-institutos tecnológicos-redes universitárias. Isso vai favorecer nosso parque industrial, aumentar o emprego e reforçar nossa competitividade.

A continuidade das definições de política industrial, que também distinguiram o governo Lula dos antecessores, será fundamental no futuro próximo. Felizmente se rompeu com a perspectiva desindustrializadora do país e se implantou uma política agressiva de expansão da indústria brasileira e do setor de serviços. Houve um momento em que predominou uma visão que considerava moderno não manter política industrial, pois supostamente distorceria as relações de mercado. Decorria dessa visão, por exemplo, a política de compra do exterior de plataformas para exploração de petróleo. Em outras palavras, enviavam-se para fora do país dois bilhões de dólares de demanda – empregos, cadeias produtivas, equipamentos, serviço e renda – a cada plataforma importada. O governo alterou radicalmente essa visão. Para o bem do país.

Para o Brasil seguir mudando será preciso ainda promover um salto de qualidade na assistência técnica produzida pelo Sistema Único de Saúde. Nessa área há três pilares essenciais: financiamento adequado e estável para o SUS, valorização das práticas preventivas e organização dos vários níveis de atendimento, distinguindo melhor os pontos de atendimento básico e ambulatorial do atendimento hospitalar de alta e média complexidade.

Outro objetivo é continuar a investir maciçamente em infraestrutura, reforçando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em apenas três anos, o mais bem-sucedido programa de governo voltado para a infraestrutura quase duplicou a participação do investimento público no PIB brasileiro e redimensionou o padrão de parceria entre os setores público e privado. Dinheiro que está sendo transformado em qualidade de vida e futuro melhor para os brasileiros, com portos e aeroportos, ferrovias e hidrovias, maior acesso a serviços essenciais e eficiência no sistema elétrico. Com o PAC, o Brasil voltou a pensar em fazer planejamento urbano, revigorar a meta de prover serviços públicos fundamentais como água e esgoto, devolver a paz social às grandes e médias cidades, ampliar o acesso ao esporte, ao lazer e à cultura, assegurar um tipo de transporte acessível, eficiente e ambientalmente sustentável.

Voltou também a vislumbrar uma saída para o histórico – e trágico – problema da falta de moradia digna. Essa tarefa foi iniciada com o programa Minha Casa, Minha Vida, com o qual se abriu um vigoroso caminho nessa direção. O governo garantiu subsídios que evitam os financiamentos insuportáveis para os mais pobres, mobilizou o setor privado e simplificou a burocracia. A partir da segunda etapa do programa, prevista até 2014, pretende-se reduzir à metade o déficit habitacional. O que era uma barreira aparentemente intransponível começa a se tornar realidade.

As desafiadoras tarefas de continuidade da mudança, impostas ao Brasil para os próximos anos, não param aí. O país precisará investir para dar maior racionalidade aos impostos no Brasil, realizando a tão esperada reforma tributária, capaz de facilitar a vida de empresas, cidadãos e estados e municípios brasileiros. Precisará ampliar a produção e o consumo de bens culturais com base em nossa diversidade, oferecendo meios e oportunidades para a criatividade popular. Terá de aproveitar, em benefício de todos, as reservas extraordinárias do Pré-sal, descobertas pela Petrobras – isso significa usar os recursos obtidos daí em prol das gerações futuras, com investimentos maciços em educação, cultura, meio ambiente, Ciência e Tecnologia e combate à pobreza.

Por fim, precisará, acima de tudo, manter e aprofundar o olhar sensível do governo do presidente Lula para os mais pobres. Afinal, foi essa sensibilidade que pontuou todos esses marcos de transformação citados neste espaço. E será essa sensibilidade – agora com o traço, o espírito e a força feminina – que sublinhará o eixo da continuidade da mudança.

Entre o ideal e o real

O futuro agora, felizmente, está no presente. À certa altura de um de seus principais romances, Os Possuídos, o escritor russo F. Dostoiévski afirma: “Se um grande povo não acreditar que a verdade somente pode ser encontrada nele mesmo, se ele não crer que ele apenas está apto e destinado a se erguer e redimir a todos por meio da sua verdade, ele prontamente se rebaixa à condição de material etnográfico e não de um grande povo. Uma nação que perde esta crença deixa de ser uma nação”.

Eis o nosso desafio – pensar no Brasil ideal que pulsa e vibra no coração do Brasil real. Um Brasil que merece ser sonhado, não por mera fabulação da imaginação, mas a partir daquilo que efetivamente somos. Reconhecendo os limites herdados do passado, traçamos o mapa do que poderíamos fazer e o norte do que sonhamos ser. Eis um dos maiores segredos da mudança dos últimos anos e a razão pela qual o Brasil deseja continuidade: desentranhamos a luz das trevas e reaprendemos a lapidar nossos saberes e potencialidades para estender o campo do possível e atingir o que pensávamos ser impossível. A verdade que é, entre um e outro, sempre residiu o hiato brasileiro entre a esperança de um futuro melhor e as suas conquistas, entre aquilo que era vontade e aquilo que era realizável. Esse é o projeto de grandeza e realização que o Brasil merece.

*Ex-ministra de Minas e Energia e ex-ministra chefe da Casa Civil do governo Lula é candidata à Presidência da República pela coligação "Para o Brasil Seguir Mudando" (PT, PMDB, PDT, PCdoB, PSB, PTC, PSC, PRB, PR e PTN). 

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