quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Feliz Olhar Novo

FELIZ OLHAR NOVO


Carlos Drummond de Andrade



O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.

O grande lance é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o aqui e o agora.

Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais...

Mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia?

Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho? Quero viver bem.

O ano que passou foi um ano cheio.

Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal.

Às vezes se espera demais das pessoas. Normal.

A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor machucou. Normal.

O próximo ano não vai ser diferente.

Muda o século, o milênio muda, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?

O que eu desejo para todos nós é sabedoria!

E que todos saibamos transformar tudo em uma boa experiência!

Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim...

Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria três, a dos colegas. Ou mude de classe, transforme-o em conhecido. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.

O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento: CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.

Chorar de dor, de solidão, de tristeza faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes.

Desejo para todo mundo esse olhar especial.

O próximo ano pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar.Somos egoístas, mas podemos entender o outro.

O próximo ano pode ser o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular... ou...

Pode ser puro orgulho!

Depende de mim, de você!

Pode ser.

E que seja!!!

Feliz olhar novo!!!

Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!

(Veja XXI) O caso Ivo Cassol

No capítulo O Araponga e o Repórter mostrou-se como Veja não relutou em se associar ao banditismo e ao submundo.

Lá, se contava que a principal fonte da revista - no episódio do vídeo sobre o funcionário dos Correios recebendo propina - foi um empresário que, poucos anos depois, foi flagrado em uma das operações da Polícia Federal. O material fornecido serviu para o lobista afastar concorrentes e o empresário restaurar seu esquema de corrupção - que funcionou sem ser incomodado até a PF estourá-lo.

Esse jogo de alianças espúrias com o submundo não terminou aí. A prática de vender a alma ao diabo em troca de informações e manipulá-las, atropelando princípios básicos de jornalismo, prosseguiu mesmo após a catarse do "mensalão".

É o que ocorreu no episódio recente, em que Veja se aliou ao governador de Rondônia , Ivo Cassol (sem partido ex-PPS).

No caso do grampeador, nas duas pontas não havia mocinhos. No caso do governador, a revista aceitou deliberadamente assassinar a reputação de um homem da lei, de reputação ilibada, que durante anos, combateu duramente o crime organizado de Rondônia.

Quem é Ivo Cassol, o governador de Rondônia?

Em 2004 foi acusado de comandar um esquema de extração clandestina de diamantes e contrabando de ouro na reserva indígena Roosevelt, dos Cintas-Largas (clique aqui).

Em 2005 foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), acusado de ter cometido irregularidades quando prefeito de Rolim de Moura (clique aqui).

Em 2007, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou-o ao STF (Supremo Tribunal Federal) por compra de votos, formação de quadrilha e coação de testemunhas (clique aqui).

No dia 13 de abril de 2008, reportagem do Fantástico sobre a Operação Titanic, da Polícia Federal, comprometia Cassol até a medula (clique aqui):

"Exclusivo. Você vai conhecer os bastidores da Operação Titanic. A ação da Polícia Federal acompanhou os passos de uma quadrilha que envolveu até um governador de estado no golpe dos carrões importados.

Dentro de um galpão estão dezenas de milhões de reais em forma de carros e motos importados. São super máquinas que chegam a valer R$ 2 milhões no Brasil. Super máquinas subfaturadas.

“30% a 40% menores aos preços de mercado”, diz a procuradora da República (ES) Nádja Machado Botelho.

A Justiça investiga a participação de um governador e do filho e do sobrinho dele na obtenção de facilidades para o esquema.

Nos vídeos e fotografias da investigação a que o Fantástico teve acesso, você vai saber como a Polícia Federal seguiu o filho do governador de Rondônia, Ivo Cassol, durante a chamada Operação Titanic, para desmascarar a quadrilha da sonegação (...).

Adriano se tornou conhecido nacionalmente em 2006, ao ser flagrado agredindo uma mulher depois de uma batida de trânsito. No mesmo ano, a Polícia Federal apreendeu seis carros de luxo que ele havia importado. Uma lancha que ele comprou do megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía, capturado em 2007, também foi apreendida".


Este é Ivo Cassol.

A reportagem armada
No dia 23 de abril de 2008 Cassol já era conhecido nacionalmente, através de reportagem-denúncia de um dos programas de maior audiência da televisão, o Fantástico, divulgado apenas dez dias antes, quando começou seu jogo com a Veja.

A revista denunciava um suposto seqüestro falso de um procurador federal e um funcionário da ONU pelos índios cintas-largas. Segundo a revista, o seqüestro teria sido simulado para dar evidência aos personagens.


"Os cintas-largas, de Rondônia, estão entre as etnias indígenas mais hostis do Brasil. Em 2004, eles massacraram 29 garimpeiros a tiros, flechadas e pauladas. Com esse histórico, não tiveram dificuldade em ganhar as páginas dos jornais do mundo inteiro, em dezembro do ano passado, quando anunciaram o seqüestro de um membro do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, um procurador da República e outras três pessoas".

As provas apresentadas pela revista eram um vídeo (de dois anos antes, que nada tinha a ver com os cintas-largas), fotos do representante da ONU tomando banho de rio e do procurador falando ao celular.

"Numa das cenas, que ilustra esta página, vê-se o funcionário da ONU, o espanhol David Martín Castro, muito satisfeito, tomando banho de rio com seus supostos carcereiros. No dia em que deixou a reserva, Martín Castro fez um discurso emocionado em homenagem a seus anfitriões. "Agradeço pelas ‘picanha’ e pela festa", disse. As "picanha" às quais ele se referiu vieram de bois abatidos – um por dia – pelos índios para comemorar sua "visita" à aldeia. Depois do discurso, ao som de palmas e brados de felicitação, os cintas-largas presentearam o espanhol com um colar. O procurador Reginaldo Trindade recebeu tratamento semelhante.

O texto continha cacos primários, toscos, típicos da atual fase da revista, como esta pérola:

"Em janeiro, Márcio Meira, presidente da fundação, nomeou para o cargo o cacique Nacoça Cinta-Larga, um dos indiciados pelos assassinatos dos garimpeiros. Como se vê, esse Nacoça só não é paçoca porque as autoridades da região pouco fazem para impor o respeito às leis".

Em nenhum momento se mencionava o nome do governador Ivo Cassol. E a versão do procurador foi desconsiderada.

Ele afirmava ter ido à aldeia, acompanhado do representante da ONU, para convencer os cintas-largas a abandonarem a extração ilegal de madeira e de diamantes. Levava a proposta do governo, de alternativas à exploração irregular.

Houve uma discussão com os índios. A liderança principal defendia o fim imediato da extração e negociação com governo. Outro grupo defendia que devia continuar até ter garantia maior de que o governo iria cumprir a sua parte. Concluiu-se que só poderiam aceitar na presença do presidente da Funai. A posição dos índios foi então de que ninguém sairia dali até o presidente da Funai chegar.

Não foi um seqüestro, no sentido clássico, mas uma restrição de liberdade, para poder resolver de vez a questão. Nem o representante da ONU foi proibido de tomar banho de rio, nem o procurador de falar ao telefone.

Montando o dossiê
Saber quem é esse procurador, e seus embates com Cassol, ajudará a entender a montagem.

Antes do esquema ser desbaratado pela Operação Titanic, da Polícia Federal, a única força a enfrentar Cassol e seu grupo político era o procurador Trindade. Especialmente em questões envolvendo a área indígena.

Há anos Cassol buscava desmoralizá-lo, em uma típica tática de assassinato de reputação, visando enfraquecer os inquéritos contra ele.

A matéria da Veja foi inteiramente baseada em documentos e vídeos levantados por uma jornalista (na verdade, uma cabeleireira), de nome Ivonete Gomes, de um site chamado “Rondoniagora” (www.rondoniagora.com).

A jornalista-cabeleireira cumpre para Cassol o mesmo papel que o blogueiro Reinaldo Azevedo para a Veja: tentativas de assassinato de reputação de adversários. Sempre que pretende atingir a reputação de alguém, ou mandar recados, Cassol a aciona.

Quando estourou a Operação Titanic, a Polícia Federal de Rondônia abriu um inquérito, no qual a farsa montada veio à tona. Ouvido, um comerciante de pedras contou como Ivonete preparou o dossiê contra o procurador Trindade.

Para fabricar o dossiê, Casso se valeu das verbas publicitárias do Estado para financiar um "documentário" sobre a extração ilegal de diamantes na reserva Cinta Larga e colocou oficiais da PM e funcionários cooptados da Funai para buscar informações que pudessem ser usadas contra o procurador Trindade. Na investigação aberta pela PF, constatou-se que Ivonete Gomes, a jornalista-cabeleireira, forçava as pessoas a falarem mal do procurador.

Montado o dossiê, foi encaminhado à revista Veja, juntamente com fitas de vídeo, que não corroboravam a tese da revista sobre o "seqüestro fajuto".

O caminho para conquistar a cumplicidade da Veja foi fácil. Bastou insinuar que o procurador era ligado ao PT e Cassol um agente da modernidade contra o atraso representado pelos índios cintas-largas. E, depois, confiar no amadorismo, na falta de discernimento e de isenção da direção da revista.

O resto ficou por conta da parcialidade da revista.

Trindade foi contatado na sexta de manhã, com o prazo para apresentar sua defesa até o meio dia. Conseguiu, no prazo concedido, enviar 17 laudas de explicações para a Veja. Não saiu uma linha, nem na seção de cartas.

No dia seguinte, e por vários dias depois, o site Rondoniagora replicou a notícia de Veja para instigar a população contra o procurador. Cassol usou o quanto pôde a matéria.

Armação desmontada
No dia 25 de junho último, a revista CartaCapital publicou reportagem de Leandro Fortes, enviado especial a Rondônia (clique aqui). Leandro tinha ido com a incumbência de levantar o submundo político montado por Cassol. Acabou identificando a farsa do dossiê:

"Instalada em uma lojinha de subsolo na zona rural do município de Espigão D’Oeste, em Rondônia, onde negocia a compra e venda de diamantes, Edvaneide Vieira de Oliveira, de 35 anos, foi convocada pela Polícia Federal, há pouco mais de um mês, para depor.

No depoimento à PF, Edvaneide disse ter sido procurada pelas repórteres Ivonete Gomes e Marley Trifílio, ambas do Rondoniagora, noticiário francamente favorável ao governador Ivo Cassol (sem partido), em dezembro de 2007, para uma “videorreportagem”. Segundo a comerciante, as duas, no entanto, se apresentaram como repórteres do jornal O Estado de S. Paulo e pediram a ela para falar sobre um seqüestro sofrido pelo procurador Reginaldo Trindade no fim de 2007, pelos índios cinta-larga, juntamente com um representante das Nações Unidas, o espanhol David Martín Castro. (...)

No depoimento tomado pelo delegado federal Rodrigo Carvalho, Edvaneide de Oliveira afirmou que Ivonete Gomes (“meio gordinha, cabelo com reflexos loiros, comprido”), e Marley (“gordinha, cabelo com reflexos, mais curto”) queriam que ela “inventasse uma história para comprometer algum político, empresário ou autoridade conhecida” e, também, acusasse o procurador Trindade de estar “fazendo lobby para alguma pessoa forte”. Segundo a comerciante, Ivonete revelou ter ido lá “só para isso”. Mais adiante, relatou Edvaneide, a repórter teria apresentado uma lista de nomes para ligar o suposto lobby de Trindade a “alguém muito forte”, mas ela não concordou em referendar nenhum dos nomes. A comerciante acusa as jornalistas, ainda, de terem oferecido dinheiro em troca de um depoimento contra o procurador".


Acabo de conversar com o procurador Reginaldo Trindade, de Rondônia. Desde que saiu a matéria da Veja, ele não consegue mais trabalhar. A armação contra ele foi ampla.

A matéria saiu no domingo. Na quinta-feira, portanto em apenas quatro dias, o governador Ivo Cassol já enviava uma denúncia para o Conselho Nacional do Ministério Público, baseada na reportagem da Veja. Desde então, Trindade está com todo seu tempo tomado para responder à representação do Conselho.

A denúncia encaminhada por Cassol ao CNMP continha todos os elementos mencionados pela revista, mais alguns adicionais. De seu lado, por mais que tentasse, o procurador Trindade não conseguiu que a revista lhe enviasse o material, nem mesmo após a publicação da matéria, sob a alegação de “sigilo de fonte”.

Na mesma quinta-feira, coincidentemente, reuniu-se em Porto Velho a SubComissão do Senado para Apurar a Crise Ambiental da Amazônia. O relator era o senador Expedito Junior – que, logo depois, seria envolvido com Cassol na denúncia formulada pelo procurador geral da República. Na reunião, Cassol exigiu em altos brados punição para Trindade, com base nas denúncias publicadas pela revista. Segundo ele, Trindade estaria estimulando a exploração de madeiras pelos índios.


Na fronteira da civilização, em pleno faroeste brasileiro, um homem da lei, um procurador federal, correndo riscos de vida e de reputação, buscando cumprir sua missão, de impor as leis da Federação sobre a selvageria de quadrilhas. E foi alvejado pela revista Veja. Sua reputação foi manchada em todo o país, foi-lhe suprimido o direito de defesa durante a matéria e após. A revista não publicou uma retificação sequer.

Em maio, após uma manifestação de todo MP de Rondônia, Cassol cessou a campanha contra Trindade.

Mas uma conta ficou em aberto: os ataques de Veja. Até hoje não se publicou nenhuma retificação, nenhuma carta contestando os ataques.

A defesa do procurador
No dia 4 de julho passado, o Procurador Reginaldo Trindade apresentou sua defesa co Conselho Nacional do Ministério Público.

São 109 páginas. O item 9 aborda o “comportamento não condizente do repórter responsável pela matéria na revista Veja, José Edward”. Clique aqui.

A relação de manipulações é ampla.

Fato 1 - O repórter entrou em contato com o procurador, informando-o do teor da matéria e querendo ouvir sua versão. O procurador solicitou que as perguntas fossem feitas por escrito, para evitar distorção em suas palavras. Vieram as perguntas.

Seguiram as respostas, em várias páginas. Nenhuma resposta, nenhuma ponderação foi incluída na matéria. Na manhã de sexta-feira, 18 de abril, o repórter entrou em contato com o procurador de novo. Mas provavelmente a edição da revista já tinha fechado.

Fato 2 - O repórter ligou para o motorista Mauro Bueno Gonçalves, para tentar levantar se houve encenação na detenção do procurador e do representante da ONU.

O relatório traz trechos do depoimento do motorista no inquérito aberto:

“E passado já alguns meis (sic) no dia 18/04/08 fui procurado pelo um reporte da VEJA por nome de José que perguntou como foi que aconteceu falei como foi ele perguntou sobre Reginaldo e o David como eles ficarão. Dise o que presenciei e o que vi. Das pergunta que o reporte fez a mim nada foi dito pela VEJA o que esta no site. São palavra diferente.” (fls. 35 dos autos; sic).”

A chave do carro tinha sido tomada à força do motorista pelos índios. A reportagem ignorou a informação. O motorista informou de golpes violentos desferidos pelos índios na mesa e nos livros do procurador. A informação não foi considerada.

O motorista prestou depoimento à Polícia Federal, voltando a reiterar o comportamento do repórter:

“QUE sim, foi procurado via telefone por um repórter da revista Veja, o qual se apresentou como José e lhe fez algumas perguntas, as quais indagavam acerca de um 'falso seqüestro' cometido pelos indígenas contra o Procurador da República e um Representante da ONU, sendo que o declarante respondeu ao jornalista que o seqüestro realmente ocorreu, nada foi fajuto, não havendo indícios de que tudo tenha sido tramado; QUE o jornalista continuou a fazer perguntas sobre o seqüestro, indagando acerca da alimentação dos mesmos durante o tempo em que permaneceram na aldeia, além de outras perguntas pertinentes, sendo que lhe foi respondido da mesma forma em que está respondendo aos quesitos deste termo de declarações; QUE após, publicada uma matéria pela revista Veja, distorcendo as respostas que o declarante teria dado ao referido jornalista.” (fls. 36/37 da 1ª parte de documentos que instrui a presente).

Fato 3 - O repórter chegou a procurar o próprio Almir Suruí, chefe indígena, encaminhando perguntas por e-mail. Almir negou firmemente ter havido simulação do seqüestro. Mas sua resposta também não foi levada em consideração.

Fato 4 - Também foi consultada Ivaneide Bandeira Cardozo, a “Neidinha”, da ONG indígena Kanindé. Seu depoimento foi desconsiderado. Ela enviou carta ao procurador:

“Fui entrevistada pelo repórter José Edward da Revista Veja (MG), no dia 10 de abril, que fez a mesma pergunta, e respondi que não era verdade, que havia invasão de madeireiros por conivência da FUNAI e alguns índios.” (fls. 74 da 1ª parte dos documentos ora apresentados)”.

Ivaneide enviou um segundo e-mail ao procurador, manifestando sua impressão de que o repórter fosse ligado ao governador Ivo Cassol.

A percepção geral em Rondônia foi dessa cumplicidade, devido à coincidência de, apenas quatro dias após a publicação da reportagem, o governador de Rondônia formulou representação à Sub-Comissão do Senado para Acompanhar a Crise Ambiental na Amazônia “calcada na reportagem, mas lastreada em diversos documentos e vídeos “não exibidos pelo site da revista”.

Não foi a primeira vez que Veja atuou dessa maneira. No episódio de assassinato de reputação de Edson Vidigal (clique aqui), a revista anunciava uma representação contra ele, no Conselho Nacional de Justiça, que foi feita dias depois, mas tomando por base a própria reportagem da revista – em um evidente conluio com as fontes, no episódio em questão provavelmente Daniel Dantas.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Pequena homenagem à Cássia Eller

(Veja XX) O caso FARCs

Na edição de 16 de março de 2005, Veja cometeria mais um de seus malabarismos editoriais, com a matéria “Tentáculos das FARC no Brasil”

Foi matéria de capa. A ilustração era uma metralhadora e o texto incriminador:

“Espiões da ABIN gravaram representantes da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de 5 milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002”.

Depois, outro texto:

“PT: militantes serão expulsos se pegaram dinheiro das Farc”.

Havia excesso de textos na capa, ferindo princípios básicos de clareza editorial. A revista estava em plena campanha, na sucessão de capas sobre Lula. E pouco se lhe interessava saber da consistência ou não das matérias. Nas páginas internas, ficaria mais claro o estilo Veja de criar matérias através da manipulação de ênfases.

Jogam-se acusações enfáticas. Depois, algumas ressalvas para servir de blindagem contra ações judiciais, seguidas de novas acusações taxativas.

O que se tinha, objetivamente, era um informe da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência),uma página, três parágrafos e nada mais, na qual um agente infiltrado relatava um encontro em uma chácara, com um padre supostamente ligado às FARCs. O padre era conhecido como um mitômano, há muito tempo afastado do contato com as FARCs.

No encontro, teria mencionado o suposto financiamento à campanha do PT. Não havia nenhuma indicação a mais sobre isso. Na ABIN, não se levou a sério o informe.

Para sustentar a matéria, Veja assegurava que o informe tinha recebido tratamento relevante da ABIN e que havia documentos comprovando as doações. Não aceitou a palavra oficial da ABIN, de que nunca levou a sério o informe.

Esses documentos, comprovando as supostas doações, nunca apareceram, o caso morreu de morte morrida. E o fecho se deu este ano, com a curiosa explicação do diretor de redação Eurípedes Alcântara para o papel de Veja no episódio.

Mas, antes disso, acompanhe o desenrolar dessas matérias.

O ping pong das acusações
Nas páginas internas, a chamada era forte.


”Documentos secretos guardados nos arquivos da Abin informam que a narcoguerrilha colombiana Farc deu 5 milhões de dólares a candidatos petistas em 2002”

A matéria começava com afirmações taxativas:

”Nos arquivos da Agência Brasileira de Inteligência em Brasília há um conjunto de documentos cujo conteúdo é explosivo. Os papéis, guardados no centro de documentação da Abin, mostram ligações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com militantes petistas. (...) Em apenas uma folha e dividido em três parágrafos, esse documento informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de esquerdistas solidários com as Farc promoveu uma reunião político-festiva numa chácara nos arredores de Brasília. Na reunião (...) o padre Olivério Medina, que atua como uma espécie de embaixador das Farc no Brasil, fez um anúncio pecuniário. Disse aos presentes que sua organização guerrilheira estava fazendo uma doação de 5 milhões de dólares para a campanha eleitoral de candidatos petistas de sua predileção. A notícia foi recebida com aplausos pela platéia. Faltavam então menos de seis meses para a eleição. Um agente da Abin, infiltrado na reunião, ouviu tudo, fez um informe a seus chefes, e assim chegou à Abin a primeira notícia de que as relações entre militantes esquerdistas, alguns deles petistas, e as Farc podem ter ultrapassado a mera simpatia ideológica e chegado ao pantanoso terreno financeiro”.

O "anúncio pecuniário" - segundo a curiosa expressão da revista - era mencionado em três documentos da ABIN.

"Num deles, está descrita a forma de pagamento: o dinheiro sairia de Trinidad e Tobago, um pequeno país do Caribe, e chegaria às mãos de cerca de 300 pequenos empresários brasileiros simpáticos ao PT, que, por sua vez, fariam contribuições aos comitês regionais do partido como se os recursos lhes pertencessem".

Assim como na matéria sobre os “dólares de Cuba”, a operação era inverossímil. Como se poderia manter sob sigilo uma operação que envolveria 300 pequenos empresários brasileiros? Fugia ao bom senso. Mas a revista não se deixava intimidar e mandava o bom senso às favas:

Em outro documento, aparece a informação de que o acerto financeiro fora celebrado entre membros do PT e das Farc durante uma reunião realizada numa fazenda no Pantanal Mato-Grossense – e que os encontros de cúpula seriam articulados com a ajuda de Maria das Graças da Silva, uma funcionária da Câmara dos Deputados em Brasília que já militou no PC do B e seria amiga muito próxima do "comandante Maurício", apontado como a maior autoridade das Farc no Brasil.

Para se prevenir contra eventuais ações judiciais, incluíam-se as ressalvas, formando o estilo pterodáctilo já descrito em outro capítulos:

A apuração comprovou a reunião, o local, a data e os personagens. Só não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os 5 milhões de dólares tenham realmente saído das Farc e chegado aos cofres do PT. A doação financeira é dada como realizada pelos documentos da Abin, mas a investigação de VEJA não avançou um milímetro nesse particular. Pode ter sido apenas uma bravata do padre Olivério Medina, codinome de Francisco Antônio Cadenas Colazzos, para alegrar seus convivas esquerdistas? Pode. Além da convocação manifestada nos documentos da Abin, a revista não encontrou elementos consistentes para que se faça uma afirmação sobre esse aspecto.

O expediente era o mesmo adotado na capa sobre o falso dossiê das contas de autoridades brasileiras no exterior. Depois da ressalva salvadora, voltavam as acusações, em um ping pong devastador de princípios jornalísticos e de lógica.

Os documentos mostram que as informações ali contidas foram checadas (pela ABIN) com afinco. (…) O documento 0095/3100, de 25 de abril de 2002, o principal entre todos os que narram as ligações entre militantes petistas e as Farc, passou por todas essas etapas e acabou com um carimbo de "secreto". Isso significa que suas informações eram críveis e seu conteúdo tinha consistência suficiente para ser levado ao conhecimento do presidente da República.

Na edição seguinte, de 23 de março de 2005, a matéria receberia uma suite no mesmo estilo. Primeiro, um sonoro desmentido da Abin:

VEJA noticiou que o auxílio financeiro aparecia no documento número 0095/3100, datado de 25 de abril de 2002 e classificado como "secreto". Tudo isso foi confirmado pelo general (Jorge Armando Felix), mas houve um adendo categórico. O general disse que a informação sobre a doação de 5 milhões de dólares não foi levada a sério pela Abin, que a encarou como "um boato" e arquivou o documento.

A revista não aceitava as explicações. Ponto.

A explicação oficial até faz sentido, mas não é verdadeira.

Na semana passada, VEJA voltou a entrevistar o espião que, infiltrado no movimento sindical em Brasília, abastecia a Abin com informações sobre as Farc e suas relações financeiras com o PT. (…) Esquerdistas convidaram-no para participar da criação de um comitê em defesa da guerrilha colombiana. O espião topou e passou a participar de reuniões, quase sempre reservadas. Até que sua rotina foi quebrada, no dia 13 de abril de 2002, quando participou da reunião político-festiva de esquerdistas pró-Farc na chácara Coração Vermelho, situada nos arredores de Brasília. Foi nessa reunião que o espião ouviu o padre Olivério Medina, embaixador da guerrilha no Brasil, falar da doação de 5 milhões de dólares para a campanha de Lula em 200.

Veja informava ter entrevistado em cinco ocasiões o coronel Eduardo Adolfo Ferreira, que recebia os informes do espião:

Os memoriais, nome dado a um conjunto extenso de relatórios, eram encaminhados diretamente à então diretora da Abin, Marisa Del'Isola. "A Abin em São Paulo até rastreou o que seria uma parte do dinheiro das Farc para o PT." O coronel contou que, com a ajuda do setor de inteligência da Polícia Federal, a Abin obteve três ordens de pagamento, somando cerca de 1 milhão de dólares, com indícios de que se tratava de parte do dinheiro das Farc para o PT. "Não podemos afirmar que era o dinheiro da guerrilha mesmo. Eram indícios. Indícios fortes, mas a investigação parou quando o PT ganhou as eleições e eu saí da Abin", contou. (…)

O coronel diz que, nos arquivos da Abin, há gravações em áudio das promessas das Farc de ajudar o PT e, também, cópias das três ordens de pagamento.

Com acesso à fonte, por que a revista não exigiu a apresentação das cópias - ainda que sob o compromisso de não publicá-las? Qual a razão para não ter ido atrás do elemento que não apenas consolidaria a capa, como seria o grande furo da reportagem?

Na semana passada, o espião do caso Farc disse que está disposto a contar tudo o que sabe no Congresso, desde que seu depoimento seja tomado em reunião fechada. Diante dessa possibilidade, VEJA consultou o senador Demostenes Torres, do PFL de Goiás, membro da comissão que apura a história. O senador disse que, publicada a reportagem da revista, faria o pedido para ouvir o espião. Disse também que convocaria o coronel Ferreira. Diz o senador: "As declarações dos dois, se confirmadas, revelam que a Abin compareceu à comissão do Congresso e ocultou a verdade dos parlamentares. É grave". É grave mesmo.

Um factóide que não teve suite. Nem da própria revista.

Escrever pensando

No dia 24 de janeiro de 2008, o diretor de redação de Veja, Eurípedes Alcântara, proferiu palestra para os alunos do Curso Abril de Jornalismo (clique aqui).

No intertítulo “As marcas de Veja”, Eurípedes descreve a receita de jornalismo praticado pela revista.

O Diretor de Redação expôs alguns pontos essenciais para a produção da revista. Um deles é o controle que o repórter precisa ter sobre a matéria. "Não é a pauta ou a fonte que têm de dominar o jornalista", disse.

Provavelmente, nem a informação pode servir de limitação. Segundo a aula de Eurípedes, Veja pratica o conceito de “escrever pensando”:

Outro ponto é a diluição de conteúdo opinativo em meio às reportagens, a qual Eurípedes chama de "escrever pensando". O jornalista ponderou sobre as diversas interpretações dos críticos sobre determinadas reportagens da revista. "Você só pode ser cobrado por aquilo que escreve. Não pelo que interpretam".

Cobrado pela capa das FARCs, explicou o que a revista fez:

"A Veja disse que a Abin estava investigando. Não disse que Lula recebia de guerrilheiros. Isso é uma interpretação".

De fato, tudo não passou de uma grande interpretação, com direito a capa.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Mensagem de Fim de Ano 2009-2010

Por hoje, vou deixar de lado as outras coisas que cá costumo editar e deixar essa mensagem a todos que a lerem, como uma espécie de desejo para a continuação de nossas vidas.

(Veja XIX) As relações incestuosas na mídia

O modelo de assassinato de reputações, como arma de disputas comerciais, alcançou seu auge na recente fase da revista Veja, especialmente através do colunista Diogo Mainardi.

O último capítulo dessa novela foram colunas e podcasts de Mainardi, a respeito de um dossiê que continha trechos de um inquérito sigiloso do Ministério Público Italiano.

Conforme demonstrado em dois capítulos da série (O post-it de Mainardi e Lula é meu álibi), ao contrário do que Mainardi afirmava em sua coluna, o dossiê foi escaneado no Brasil, rearrumando papéis do inquérito original da Itália. E a prova maior é que seu conteúdo foi divulgado no mesmo dia em que o arquivo foi gravado, no site de uma ex-jornalista da “Folha”, Janaína Leite.

Tempos depois, a revista Carta Capital entrevistou Angelo Jannone, ex-chefe de Segurança da Telecom Italia, nos tempos de Tronchetti Provera. A entrevista de Jannone foi aproveitada por ambos para tentar demonstrar que os inocentava.

Sobre o caso italiano dedicarei um capítulo especial, dada à sua aparente complexidade e por demonstrar o jogo complicado do qual Mainardi tornou-se participante, sabe-se lá com que propósitos.

O que interessa, neste capítulo, é a explicitação das relações de Mainardi com Janaína e de ambos com Daniel Dantas.

Vamos entender melhor quem é a parceira de Mainardi nesse jogo.

No seu blog, Janaína Leite se apresenta como “consultora”. Não há nenhuma indicação sobre quem são seus clientes. No seu período na "Folha" atuou em uma série de matérias francamente suspeitas, conforme se demonstrará a seguir. Todas elas seguiam a mesma linha de denúncias utilizada por Mainardi quando trata do tema telefonia.

Vamos à análise de quatro casos.

Para facilitar o entendimento, colocarei explicações sublinhadas.

O caso Cecília Melo
Neste capítulo se relata uma concatenação entre imprensa e judiciário. Janaína escreve reportagem sobre o inquérito na Itália assegurando que havia conexões brasileiras. Com base na reportagem, a desembargadora Cecília Melo vota pela busca do inquérito italiano - justamente o que os advogados de Dantas queriam. Depois, outra matéria de Janaína, reforçando a decisão da juiza. FInalmente, o depoimento de um lobista do Oportunity, no mesmo processo, informando que Janaína atuava como sua informante na "Folha".



Conforme explicado no capítulo “O post-it de Mainardi”, há dois inquéritos em andamento, um no Brasil, outro na Itália.

O do Brasil é conduzido pela Polícia Federal e Ministério Público Federal em São Paulo, sobre grampos, quebras de sigilo, a partir do dossiê Kroll, divulgado pela "Folha" anos atrás. O da Italia pelo MP italiano, originalmente era sobre as estripulias da Parmalat italiana. Depois, graças a uma manobra engenhosa, foram incluídas as operações da Telecom Italia no Brasil. No inquérito italiano há grampos ilegais e outras particularidades que poderiam provocar a anulação do inquérito brasileiro - caso fossem juntadas as peças.

Há uma tentativa de misturar os dois inquéritos. Por isso mesmo, toda a luta da PF e do MP é para impedir essa contaminação.

Essa tentativa ficou clara em matéria de Janaína Leite de 24 de julho de 2007 (clique aqui) com o próprio Daniel Dantas, preocupado com a possibilidade dos fundos de pensão fecharem um acordo com o Citigroup que estreitaria sua margem de manobra na Brasil Telecom.

Dois trechos merecem destaque. O primeiro, demonstrando que Dantas atuou pessoalmente para que a atuação da Telecom Italia no Brasil fosse incluída no inquérito italiano. O segundo, indicando que Marco Bernardini, ex-consultor da Telecom Italia, era fonte de Janaína.

Guarde essas duas informações, ambas obtidas da mesma fonte: a atuação de Dantas e o nome da tal testemunha-chave. Facilitará bastante para entender o próximo capítulo, especialmente quando Mainardi menciona suas misteriosas "fontes italianas".

O jogo jornalístico em torno do processo italiano consistiu dos seguintes lances.

Lance 1 – no dia 21 de setembro de 2006, matéria da Janaina Leite na Folha: “Polícia italiana prende 20 ligados à Telecom Itália” (clique aqui), a primeira matéria que saiu por aqui, da operação dos promotores italianos, e tentando mostrar correlação entre o escândalo da Parmalat e o dossiê Kroll, divulgado no Brasil.

No dia 22 de setembro de 2006, nova matéria: “Crise com tele leva Prodi a depor no Senado” (clique aqui). Nela, Janaína afirma o seguinte:

(...) Mas a desconfiança dos promotores italianos, que têm poder de polícia em seu país, é a de que os dados foram obtidos a partir da atuação de espiões que atuavam, supostamente, com anuência da operadora de telefonia italiana.

A frase não se baseia nem em documentos nem em testemunhas. A reportagem fala em "desconfiança dos promotores italianos", sem ter entrevistado nenhum deles. Mas a frase é importante porque justifica o voto da desembargadora Cecilia Melo, de anexar um inquérito no outro.

Lance 2 – a desembargadora Cecília Melo dá sentença ordenando a anexação de um inquérito no outro. O argumento da desembargadora é justamente a reportagem de Janaína.

Lance 3 – outra matéria da Janaína, agora em reforço à decisão da desembargadora. É de 11 de dezembro de 2006: “Justiça pede dados sobre Telecom Italia” (clique aqui).

Os magistrados, baseados em reportagens da Folha, também determinaram que o Ministério Público Federal tome providências para apurar possíveis ilegalidades promovidas pela tele no Brasil. Procurada, a Telecom Italia preferiu não comentar o assunto.

Lance 4 – Este ano, o Ministério Público e a Polícia Federal convocaram o executivo Rodrigo Bhering Andrade, que trabalha para o Opportunity. Pressionado, Azevedo admitiu que Janaína o mantinha informado sobre as fontes que alimentavam o jornal de matérias contrárias ao Opportunity. Ela atuava como informante. Essas informações constam do inquérito.

A matéria de Janaína traz duas dicas importantes.

A primeira, a reiteração do nome da testemunha-chave, Marco Bernardini.

Em entrevista à Folha, ele sustentou o que havia dito aos procuradores: no Brasil, o chefe de segurança da tele ordenou a espionagem de ministros, banqueiros, jornalistas, executivos e concorrentes da Pirelli. Disse ainda que a tele italiana mantinha um esquema de pagamentos a políticos e servidores públicos por meio de advogados e consultores.

A segunda, a conexão com o senador Heráclito Fortes, reconhecido publicamente como aliado incondicional de Dantas:

O assunto não deverá ficar restrito ao Judiciário. A Folha apurou que parlamentares brasileiros também pediram a remessa das informações, inclusive a íntegra dos depoimentos, à Italia. Na semana passada, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) viajou ao país para pedir ajuda a parlamentares.

Sobre Bernardini analisaremos no capítulo específico sobre o caso Jannone.

Caso Márcia Cunha

Nesse ítem se mostra como, depois de dar um voto contrário ao Opportunity, a desembargadora Márcia Cunha foi vítima de um "assassinato de reputação" perpetrado por Janaína. A repórter recebe um dossiê com inúmeras acusações irrelevantes contra a juiza. Utiliza-o várias vezes em suas matérias, constrange a juiza com uma entrevista agressiva. No final, a juíza foi absolvida das acusações mas, não resistindo às pressões, afasta-se do caso.

Dois magistrados foram fundamentais para apear o Opportunity do controle da Brasil Telecom. Um, a desembargadora Márcia Cunha, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a primeira sentença séria desfavorável a Daniel Dantas. O segundo, o Ministro Edson Vidigal, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Como se recorda, Edson Vidigal foi vítima de um assassinato de reputação praticado pela revista Veja (capítulo O caso Edson Vidigal).

Vamos entender a participação de Janaína Leite no "assassinato de reputação" de Márcia Cunha, aproveitando o bom levantamento feito pelo jornalista Fábio Carvalho, em resposta a uma discussão entre blogs sobre um dos capítulos da série.

É uma série de matérias envolvendo a questão do acordo "guarda-chuva", que garantia ao Opportunity o controle da Brasil Telecom.

2/10/2005“Juíza acusa Opportunity de tentativa de corrupção”

A Folha publicou denúncia da magistrada que afastou Daniel Dantas do controle da Brasil Telecom. Embora a reportagem não seja assinada, foi produzida pela sucursal do Rio de Janeiro, a partir de notícia publicada por O Globo. A juíza acusa um suposto lobista de Dantas, que teria oferecido propina a seu marido (advogado aposentado, que teria gravado a conversa) para obter decisão favorável na briga contra os fundos de pensão e o Citigroup.

Duas informações são relevantes nessa matéria:

1. Opportunity disse desconhecer o homem identificado como Eduardo Rascovsky.

2Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça, “o Conselho da Magistratura se declarou incompetente” para examinar os argumentos que o Opportunity ofereceu contra a juíza Márcia Cunha. O caso, portanto, seria levado ao Órgão Especial do TJ.

7/10/2005“ Justiça analisa decisão de juíza contra Dantas”

Cinco dias depois, Janaína Leite é “enviada especial” ao Rio de Janeiro, invadindo um tema que estava sendo coberto pela sucursal do Rio. Provavelmente sob o argumento de que dispunha de informações especiais sobre o caso.

Diz ela:

1.“A Folha apurou que”, em setembro, antes das acusações da juíza contra o Opportunity serem publicadas por O Globo (e repercutidas na Folha, através da sucursal do Rio), o Conselho da Magistratura teria decidido, por unanimidade, contra Márcia Cunha.

2.“Por meio de sua assessoria, o Opportunity negou qualquer tentativa de aproximação com MárciaCunhae disse que Rascovisky presta serviços ao banco.

Fábio anotava as contradições entre as duas matérias:

1.No dia 2, a assessoria do TJ/RJ informou que o Conselho da Magistratura havia se declarado INCOMPETENTE para analisar a reclamação do Opportunity. Ouvida, a defesa do banco disse DESCONHECER Eduardo Rascovsy.

2.No dia 7, Janaína Leite informa DECISÃO UNÂNIME do Conselho da Magistratura, tomada no mês anterior, de remeter o caso ao órgão especial. Já o Opportunity disse que Eduardo Rascovsky “presta serviços para o banco” em sua matéria. A retificação era importante porque, conforme se vê no capítulo “A Imprensa e o Estilo Dantas” havia reuniões freqüentes entre Rascovisky e o principal homem de Dantas para a disputa, Humberto Braz. A afirmação poderia ser facilmente desmascarada.

Janaína aproveitava para levantar um conjunto de insinuações contra a juíza, no mesmo estilo "dossiê" aplicado pela Veja no caso Edson Vidigal.

“Não é a primeira vez que MárciaCunha sofre questionamentos administrativos. A primeira foi no início dos anos 1990 e envolvia tentativa de fraude fiscal. A juíza também foi alvo de críticas por aceitar passagens de cortesia da Varig quando julgava processos envolvendo a companhia aérea”, escreve a repórter.

Na entrevista com a desembargadora, fica nítida a intenção de Janaína de utilizar as perguntas para fabricar insinuações.

“Magistrada vê tentativa de desmoralização” (clique aqui)

A juíza Márcia Cunha disse considerar "ofensivo" qualquer questionamento sobre quem é o autor da sentença assinada por ela que favoreceu os fundos de pensão na briga pela Brasil Telecom. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha ontem.

Folha - A sra. foi a autora da sentença contra o Opportunity?
Márcia Cunha - Essa pergunta chega a ser ofensiva. Por sorte, tenho testemunhas que me viram escrevendo. É uma tentativa de desmoralização.

Folha - O texto é muito diferente dos padrões das suas decisões anteriores. Por quê?
Márcia - É um processo complexo, com 18 volumes.

Folha - A decisão saiu em poucos dias. A sra. leu tudo?
Márcia - Claro, eu tinha lido o processo há mais tempo porque dei outras decisões, inclusive favoráveis ao Opportunity.

Folha - A sra. disse que houve uma tentativa de corrupção por intermédio do seu marido. Por que não colocou isso por escrito na sua defesa?
Márcia - Como a senhora sabe disso? Não posso dizer, é algo de maturação sigilosa.

Folha - Mas a sua defesa é pública. E por que denunciar só agora, pela imprensa?
Márcia - Existem coisas que só podemos dizer quando há provas. Naquela época não tinha provas. Só vim a público porque o Opportunity estava distribuindo dossiês contra mim nas redações de jornais, com coisas falsas.

Folha - Na entrevista a "O Globo" a sra. falou que tinha fitas mostrando o diálogo. Houve outras conversas com seu marido?
Márcia -Não vou falar sobre isso. Ir contra os interesses deles expôs meu nome, sai uma coisa torta no jornal e eu nunca mais recupero a idoneidade.

Folha - A sra. comprou um apartamento de quatro quartos em Ipanema pouco depois de dar a sentença?
Márcia - Meu Deus, que absurdo! Eu moro de aluguel.

Folha - A sra. mudou quando?
Márcia -Em maio. Aluguei de um casal de velhinhos.

Folha - A sra. ganhou passagens da Varig?
Márcia - A assessoria do tribunal já esclareceu esse assunto. Não vou falar sobre isso.

Folha - A sra. foi a Nova York por conta própria?
Márcia - Para Nova York? Eu fui para os Estados Unidos em uma viagem pessoal em maio e só passei uma noite em Nova York. Fui acompanhar uma pessoa doente. Quem pagou foi ela.

Folha - Casos envolvendo a sra. já foram enviados ao Órgão Especial antes?
Márcia - Não. Tudo isso não passa de uma enorme mentira para macular meu nome.


A entrevista fala por si, uma devassa implacável na vida pessoal da juíza, deixando toneladas de insinuações no ar.

05/11/2005: “Juíza acusada pelo Opportunity é inocentada em processo no TJ” (clique aqui).

A matéria não é mais de Janaína, mas da repórter da Sucursal do Rio, Luciana Brafman, que informa que a 8ª Câmara Cível do TJ/RJ julgou improcedente ação que o Opportunity pedia o impedimento da juíza Márcia Cunha. Uma filha da magistrada seria estagiária num escritório que representava os fundos de pensão. Os desembargadores entenderam que a decisão de Márcia Cunha era “imparcial”. Ainda estava pendente a manifestação do Órgão Especial do TJ/RJ.

04/03/2006 – “Juíza se afasta de casos com o Opportunity” (clique aqui).

Márcia Cunha disse não ter condições de “enfrentar tamanho poderio econômico” e declara a própria suspeição no caso. Afasta-se. Em matéria assinada por Elvira Lobato e Pedro Soares, da sucursal do Rio, informa-se que ela teria sido vítima de boatos, entre eles o de que teria sido corrompida e “comprado um apartamento em Ipanema”. A decisão de suspender o acordo guarda-chuva, diz a reportagem, “foi mantida em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Rio”. O objetivo do “assassinato de reputação” fora alcançado.

09/04/2006 – “Sócios voltam a negociar controle da BrT” (clique aqui)

Nova matéria de Janaína Leite, insistindo na desqualificação da desembargadora.

(...) O acordo "guarda-chuva" está suspenso, mas há uma chance de ser restabelecido na próxima terça-feira. Se isso acontecer, o Opportunity poderia reassumir, mesmo que temporariamente, o controle da BrT, interferindo no rumo das negociações.

O acordo "guarda-chuva" pode voltar a valer porque a liminar que o suspendeu está sendo questionada. A liminar foi assinada pela juíza Márcia Cunha, da 2ª Vara Empresarial fluminense. O Ministério Público e o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, consideraram indícios de que a sentença não foi escrita por ela.

(...) A juíza se defendeu das suspeitas e negou a participação de terceiros na elaboração da liminar. No mês passado, afastou-se do caso BrT. Julgou-se impedida de emitir novas opiniões sobre o acordo "guarda-chuva".

Segundo Márcia Cunha, a decisão foi motivada porque ela não tem forças para enfrentar o Opportunity. Acusou o grupo de disseminar calúnias, fazer ameaças a familiares e tentar corrompê-la.

As acusações da juíza não encontraram respaldo do Ministério Público e da polícia. Ambos consideraram não existir provas contra o Opportunity.


05/05/2006 – "Juíza é inocentada de acusação do Opportunity" (clique aqui).

Elvira Lobato informa que o Órgão Especial do TJ/RJ inocentou a juíza MárciaCunha.

Ontem, ao ser procurada pela Folha, limitou-se dizer que estava "de alma lavada" com a decisão do Órgão Especial do tribunal”.

Nenhuma manifestação de Janaína. Nem ao menos um "Erramos" da Folha. O "assassinato de reputação" já tinha produzido os resultados esperados e novas batalhas estavam a caminho.

O caso Lewis Kaplan
As reportagens sobre o contrato "guarda-chuva" não terminam aí. Na seqüência ocorre o impensável. Janaína produz um conjunto de matérias manipuladas, que são utilizadas no julgamento do acordo "guarda-chuva" em Nova York, tentando influenciar o juiz Lewis Kaplan.

No final, os advogados do Citigroup denunciam a manipulação feita pela imprensa. A denúncia sai em reportagem da própria correspondente da Folha em Nova York.

11/05/2006 – "Grupo Opportunity acusa PT de persegui-lo por negar propina" (clique aqui).

Janaína Leite informa que o Opportunity remeteu carta à Justiça nos Estados Unidos. O documento acusa o PT de ter pedido propina, em 2002 e em 2003, de “dezenas de milhões de dólares”.

12/05/2006 – "Opportunity insinua que Lula pressionou Citi contra Dantas" (clique aqui).

Matéria de Janaína Leite e Leila Suwwan (de Nova York). A matéria contem acusações pesadas:

Correspondência interna trocada entre executivos do Citigroup sustenta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva interferiu em favor dos fundos de pensão e contra o Opportunity na disputa pela Brasil Telecom.

No dia 26 de abril passado, um advogado do Opportunity se referiu a essa suposta pressão do presidente ao se dirigir ao juiz Lewis Kaplan, da Corte de Nova York, responsável pelo litígio entre o grupo do banqueiro brasileiro Daniel Dantas e o Citigroup.

A matéria é maliciosa. Coloca como se fosse de Gustavo Marin, presidente do Citibank Brasil, a afirmação de que o governo brasileiro tem interesses comerciais e odeia Daniel Dantas. É preciso ler com cuidado para entender que a frase é do advogado do Opportunity:

"Há interesses comerciais, conforme explicado por Gustavo Marín, presidente do Citibank Brasil, da Brasil Telecom, e reportados do seu encontro com o presidente do Brasil: o governo do Brasil odeia Daniel Dantas. É o que ele [Marín] disse. Eles têm muito mais interesse em fazer transações com o Brasil do que qualquer coisa que possa acontecer com este investimento em particular", argumentou Philip Korologos, advogado do Opportunity.


19/05/2006 – "Opportunity desinforma mídia, diz Citi" (clique aqui).

Leila Suwwan, de Nova York, agora em matéria sem a parceria de Janaína, informa que o Citi acusa o Opportunity de promover uma campanha de desinformação na imprensa brasileira utilizando citações incorretas dos autos e provas secretas contidas na Corte norte-americana.

Ontem, o advogado do Opportunity tentou novamente envolver "executivos do mais alto nível do Citigroup" e membros do governo brasileiro numa espécie de conluio contra seu cliente. As provas do processo -série de documentos requisitados de ambos os bancos, inclusive e-mails de seus diretores- estão guardados sob segredo de Justiça, mas o resto do litígio é público.

Quando possível, em cartas ao juiz Lewis Kaplan ou em audiências abertas, os advogados do Opportunity fazem menção ou detalham essas provas, cujo conteúdo não pode ser verificado. Em dois casos recentes, essa técnica foi utilizada para acusar o PT de uma tentativa de achaque de dezenas de milhões de dólares do Opportunity e para acusar o presidente Lula de ter se envolvido pessoalmente para pressionar o Citi contra Dantas.

(...) Desta vez, o Citi retrucou. Apontou para a presença de jornalistas brasileiros e acusou: "O juiz deve se perguntar porque o advogado do Opportunity gosta de ficar citando executivos graduados do banco. É porque está promovendo uma campanha de imprensa na qual cita equivocadamente os autos e os documentos secretos deste processo".

Com isso, o juiz Lewis Kaplan, irritado, encerrou a discussão. Concedeu uma liminar que protege o Citi de processo do Opportunity no Brasil até o dia 2 de junho e exortou ambos os grupos a considerar uma solução financeira arbitrada. "Isto já está ficando cansativo e problemático", disse Kaplan. Antes, havia se queixado de que seu tribunal não é dedicado à deliberação de liminares contra Daniel Dantas.


Faltou à correspondente da “Folha”dizer o nome da jornalista que mais praticou esse tipo de jogo: sua própria colega Janaína Leite.

Caso Orascom
Em 2005, com a mediação de Nagi Nahas, Daniel Dantas havia acertado com Tronchetti Provera (que então controlava a Telecom Italia) o pagamento de US$ 300 milhões pelas ações que possuía na Brasil Telecom.

Fundos de pensão e o Citigroup impediram o acordo. O Citigroup conseguiu com o juiz Lewis Kaplan, em Nova York, o embargo da venda das ações de Dantas. O receio do Citi é que, no meio da negociação, o Opportunity acabasse vendendo os direitos de uso sobre o contrato guarda-chuva que garantia ao Opportunity o controle da Brasil Telecom, mesmo tendo parcela ínfima do seu capital.

Kaplan concordou com o argumento do Citi. A partir de 7 de junho de 2005, Dantas ficou impedido de efetuar qualquer transação com as ações.

No dia 28 de fevereiro de 2007, Daniel Dantas e o Opportunity solicitaram ao juiz Kaplan que flexibilizasse a determinação. A alegação de Dantas era que pretendia negociá-las com o grupo de telefonia egípcio Orascom, e (de acordo com ofício assinado por ele próprio)

"isto (a restrição colocada por Kaplan) se tornou um problema por conta da aproximação entre Opportunity e Orascom (...), um investidor que busca negociar a participação do Opportunity na Brasil Telecom".

O Citi havia alertado que, sem o bloqueio, Dantas poderia vender sua parte para terceiros. A estratégia de Dantas era convencer o juiz que a proposta de compra seria estendida a todos os sócios. Nesse caso, com o bloqueio ele seria prejudicado.

No pedido ao juiz, assinado pelo próprio Daniel Dantas, o Opportunity afirmava que “a Orascom procurou o Citibank para adquirir as ações do CVC Fund na Brasil Telecom.O Opportunity afirmava que a Orascom também estaria fazendo uma oferta pela parte da Telecom Italia.

Dois dias depois, no dia 2 de março de 2007, saiu matéria na “Folha”, com a notícia das investidas da egípcia Orascom Telecom. A matéria era de Janaína Leite (clique aqui):

A Orascom Telecom -braço do maior conglomerado egípcio- quer comprar o controle da Brasil Telecom (BrT), tele que é alvo da maior disputa societária da história do país.

A Folha apurou que a Orascom apresentou proposta nesta semana pelas ações em poder dos quatro sócios majoritários da empresa: Citigroup, fundos de pensão, Telecom Italia e Opportunity. (...)

(...) A Folha apurou que a proposta da Orascom pela parte do Citi e dos fundos de pensão na BrT os pegou de surpresa.

A notícia era falsa. O genérico "a Folha apurou" ajudava a esconder as fontes. Nem o Citi nem os fundos tinham recebido proposta alguma. E seria impossível o Citi receber a proposta isoladamente devido ao acordo firmado com os fundos, que obrigava a ambos apresentarem propostas conjuntas de venda, se aparecessem candidatos.

No dia seguinte, nova matéria de Janaína insistindo no tema (clique aqui).

Dizia a matéria:

O presidente da operadora egípcia OrascoTelecom, Naguib Sawiris, confirmou ontem a intenção de comprar a Brasil Telecom, como antecipou ontem a Folha.

(...) Naguib Sawiris afirmou que a Orascom fez só uma oferta -aos italianos - pela Brasil Telecom. Mas a Folha apurou que a empresa fez propostas verbais a outros sócios da Telecom Italia no bloco de controle da Brasil Telecom: Citigroup, fundos de pensão e Opportunity. Todos foram procurados nesta semana.

Os diálogos incluíram ainda a fatia que o Citi e os fundos detêm na Telemar e na Telemig.

Ou seja, o próprio Naguib preocupou-se em desmentir a notícia da “Folha”, mas não adiantou. Segundo Janaína, “a Folha apurou que a empresa fez propostas verbais a outros sócios”.

Na época, Janaina ainda não havia sido identificada como repórter ligada a Dantas. Essa matéria foi o primeiro sinal de alerta sobre as reportagens estranhas que conseguia emplacar na “Folha”.

No dia 22 de março de 2007, o informativo Teletime colocaria o ponto final a esse movimento:

Fonte qualificada próxima ao Citibank e aos fundos de pensão volta a afirmar a este noticiário: não passa de um movimento sincronizado com os interesses do especulador Naji Nahas e do Opportunity (...) Segundo a fonte, não existe nenhuma negociação ou oferta neste sentido. Citibank e Orascom têm negócios de outras naturezas, e naturalmente conversam, mas não há oferta. Até porque, qualquer oferta teria obrigatoriamente que ser feita em conjunto também aos fundos de pensão por força contratual, o que não aconteceu



O caso do dossiê Itália
São apenas alguns dos exemplos colhidos, de como se pode infiltrar uma jornalista em uma redação e conseguir, através do esquema dos dossiês, falsos, parcialmente verdadeiros, ou verdadeiros, direcionar o noticiário para as questões judiciais.

É isso o que veremos no próximo capítulo, que falará sobre o caso Angelo Jannone, e permitirá juntar as peças que revelam a ação conjunta dos dois jornalistas que mais praticaram esse lobby: Diogo Mainardi, com conhecimento de seus diretores; Janaína Leite, provavelmente valendo-se da falta de filtros de seu jornal.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Diversão...

(Veja XVIII) O Araponga e o Repórter

A matéria foi bombástica e ajudou a deflagrar a crise do “mensalão”. Uma reportagem de 18 de maio de 2005, de Policarpo Jr., da sucursal da Veja em Brasília, mostrava o flagrante de um funcionário dos Correios – Mauricio Marinho – recebendo R$ 3 mil de propina (clique aqui)

A abertura seguia o estilo didático-indagativo da revista:

(…) Por quê? Por que os políticos fazem tanta questão de ter cargos no governo? Para uns, o cargo é uma forma de ganhar visibilidade diante do eleitor e, assim, facilitar o caminho para as urnas. Para outros, é um instrumento eficaz para tirar do papel uma idéia, um projeto, uma determinada política pública. Esses são os políticos bem-intencionados. Há, porém, uma terceira categoria formada por políticos desonestos que querem cargos apenas para fazer negócios escusos – cobrar comissões, beneficiar amigos, embolsar propinas, fazer caixa dois, enriquecer ilicitamente.

A revista informava que tinha conseguido dar um flagrante em um desses casos na semana anterior:

Raro, mesmo, é flagrar um deles em pleno vôo. Foi o que VEJA conseguiu na semana passada.

Anotem a data que a revista menciona que recebeu a gravação: semana passada. Será importante para entender os lances que serão mostrados no decorrer deste capítulo.

A matéria, como um todo, não se limitava a descrever uma cena de pequena corrupção explícita, embora só esta pudesse ser comprovada pelo grampo. Tinha um alvo claro, que eram as pessoas indicadas pelo esquema PTB, especialmente na Eletronorte e na BR Distribuidora. O alvo era o esquema; Marinho, apenas o álibi.

O que a matéria não mostrava eram as intenções efetivas por trás do dossiê e do grampo. Os R$ 3 mil eram um álibi para desmontar o esquema do PTB no governo, decisão louvável, se em nome do interesse público; jogo de lobby, se para beneficiar outros grupos.

Antes de voltar à capa, uma pequena digressão sobre as alianças espúrias do jornalismo.

Os dossiês e os chantagistas

A partir da campanha do “impeachment” de Fernando Collor, jornalistas, grampeadores e chantagistas passaram a conviver intimamente em Brasília. Até então, havia uma espécie de barreira, que fazia com que chantagistas recorressem a publicações menores, a colunistas da periferia, para montar seus lobbies ou chantagens. Não à grande mídia.

Com o tempo, a necessidade de fabricar escândalo a qualquer preço provocou a aproximação, mais que isso, a cumplicidade entre alguns jornalistas, grampeadores e chantagistas. Paralelamente, houve o desmonte dos filtros de qualidade das redações, especialmente nas revistas semanais e em alguns diários.

Foi uma associação para o crime. Com um jornalista à sua disposição, o grampeador tem seu passe valorizado no mercado. A chantagem torna-se muito mais valiosa, eficiente, proporcional ao impacto que a notícia teria, se publicada. Isso na hipótese benigna.

É uma aliança espúria, porque o leitor toma contato com os grampos e dossiês divulgados. Mas, na outra ponta, a publicação fortalece o achacador em suas investidas futuras. Não se trata de melhorar o país, mas de desalojar esquemas barra-pesadas em benefício de outros esquemas, igualmente barra-pesadas, mas aliados ao repórter. E fica-se sem saber sobre as chantagens bem sucedidas, as que não precisaram chegar às páginas de jornais.

Por ser um terreno minado, publicações sérias precisam definir regras claras de convivência com esse mundo do crime. A principal é o jornalista assegurar que material recebido será publicado – e não utilizado como elemento de chantagem.

Nos anos 90 esses preceitos foram abandonados pelo chamado jornalismo de opinião. No caso da Veja a deterioração foi maior que nos demais veículos. O uso de matérias em benefício pessoal (caso dos livros de Mario Sabino), o envolvimento claro em disputas comerciais (a “guerra das cervejas” de Eurípedes Alcântara), o lobby escancarado (Diogo Mainardi com Daniel Dantas), a falta de escrúpulos em relação à reputação alheia, tudo contribuiu para que se perdessem os mecanismos de controle.

Submetida a um processo de deterioração corporativa poucas vezes visto, a Abril deixou de exercer seus controles internos. E a direção da revista abriu mão dos controles externos, ao abolir um dos pilares do moderno jornalismo – o direito de resposta – e ao intimidar jornalistas de outros veículos com seus ataques desqualificadores.

É nesse cenário de deterioração editorial que ocorre o episódio Maurício Marinho.

A parceria com o araponga

Nas alianças políticas do governo Lula, os Correios foram entregues ao esquema do deputado Roberto Jefferson. Marinho era figura menor, homem de propina de R$ 3 mil.

Em determinado momento, o esquema Jefferson passou a incomodar lobistas que atuavam em várias empresas. Dentre eles, o lobista Arthur Wascheck.

Este recorreu a dois laranjas – Joel dos Santos Filhos e João Carlos Mancuso Villela – para armar uma operação que permitisse desestabilizar o esquema Jefferson não apenas nos Correios. como na Eletrobrás e na BR Distribuidora. É importante saber desses objetivos para entender a razão da reportagem da propina dos R$ 3 mil ter derivado - sem nenhuma informação adicional - para os esquemas ultra-pesados em outras empresas. Fazia parte da estratégia da reportagem e de quem contratou o araponga.

A idéia seria Joel se apresentar a Marinho como representante de uma multinacional, negociar uma propina e filmar o flagrante. Como não tinham experiência com gravações mais sofisticadas, teriam decidido contratar o araponga Jairo Martins.

E, aí, tem-se um dos episódios mais polêmicos da história do jornalismo contemporâneo, um escândalo amplo, do qual Veja acabou se safando graças à entrevista de Roberto Jefferson à repórter Renata Lo Prete, da Folha, que acabou desviando o foco da atenção para o “mensalão”.

Havia um antecedente nesse episódio, que foi o caso Valdomiro Diniz, a primeira trinca grave na imagem do governo Lula. Naquele episódio consolidaram-se relações e alianças entre um conjunto de personagens suspeitos: o bicheiro Carlinhos Cachoeira (que bancou a operação de grampo de Valdomiro), o araponga Jairo Martins (autor do grampo) e o jornalista Policarpo Jr (autor da reportagem).

No caso Valdomiro, era um contraventor – Carlinhos Cachoeira – sendo achacado por um dos operadores do PT, enviado pelo partido ao Rio de Janeiro, assim como Rogério Buratti, despachado para assessorar Antonio Palocci quando prefeito de Ribeirão.

Jairo era um ex-funcionário da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), contratado pelo bicheiro para filmar o pagamento de propina a Valdomiro Diniz.

Tempos depois, Jairo foi convidado para um almoço pelo genro de Carlinhos Cachoeira, Casser Bittar.

Lá, foi apresentado a Wascheck, que o contratou para duas tarefas, segundo o próprio Jairo admitiu à CPI: providenciar material e treinamento para que dois laranjas grampeassem Marinho; e a possibilidade do material ser publicado em órgão de circulação nacional.

Imediatamente Jairo entrou em contato com Policarpo e acertou a operação. O jornalista não só aceitou a parceria, antes mesmo de conhecer a gravação, como avançou muito além de suas funções de repórter.

O grampo em Marinho foi gravado em um DVD. Jairo marcou, então, um encontro com Policarpo. Foi um encontro reservado - eles jamais se falavam por telefone, segundo o araponga -, no próprio carro de Policarpo, no Parque da Cidade. Policarpo levou um mini-DVD, analisou o material e atuou como conselheiro: considerou que a gravação ainda não estava no ponto, que havia a necessidade de mais. Recebeu a segunda, constatou que estava no ponto. E guardou o material na gaveta, aguardando a autorização do araponga, mesmo sabendo que estava se colocando como peça passiva de um ato de chantagem e achaque.

Wascheck tinha, agora, dois trunfos nas mãos: a gravação da propina de R$ 3 mil e um repórter, da maior revista do país, apenas aguardando a liberação para publicar a reportagem.

Quando saiu a reportagem, a versão do repórter de que havia recebido o material na semana anterior era falsa e foi desmentida pelos depoimentos dados por ele e por Jairo à Policia Federal e à CPI do Mensalão.

Pressionado pelo eficiente relator Osmar Serraglio, na CPI do Mensalão, Jairo negou ter recebido qualquer pagamento de Wascheck. Disse ter se contentado em ficar com o equipamento, provocando reações de zombaria em vários membros da CPI.

Depois, revelou outros trabalhos feitos em parceria com a Veja. Mencionou série de trabalhos que teria feito e garantiu que sua função não era de araponga, mas de jornalista. O único órgão onde seus trabalhos eram publicados era a Veja. Indagado pelos parlamentares se recebia alguma coisa da revista disse que não, que seu objetivo era apenas o de "melhorar o pais".

Segundo o depoimento de Jairo:

‘Aí fiquei esperando o OK do Artur Washeck pra divulgação do material na imprensa. Encontrei com ele pela última vez no restaurante, em Brasília, no setor hoteleiro sul, quando ele disse: ‘Eu vou divulgar o fato. Quero divulgar’. E decorreu um período que essa divulgação não saía. Aí foi quando eu fiz um contato com o jornalista e falei: ‘Pode divulgar a matéria’’.

Clique aqui para ler os principais trechos do depoimento do araponga Jairo à CPI.

E aqui para acessar o relatório final da CPMI.

Reações na mídia
A revelação do episódio provocou reações acerbas de analistas de mídia.

No Observatório da Imprensa, Alberto Dines publicou o artigo “A Chance da Grande Catarse do Jornalismo”

O atual ciclo de denúncias não chega a ser uma antologia de jornalismo mas é uma preocupante coleção de mazelas jornalísticas. Busca-se a credibilidade mas poucos oferecem transparência, pretende-se a moralização da vida pública mas os bastidores da imprensa continuam imersos na sombra:
Tudo começou com uma matéria de capa da Veja sobre as propinas nos Correios, clássico do jornalismo fiteiro.

(...) Carece de (...) transparência a ouverture desta triste e ruidosa temporada através da Veja. Dois meses depois, a divulgação do vídeo da propina nos Correios continua envolta em sombras, rodeada de dúvidas e desconfianças. E, como não poderia deixar de acontecer com fatos mantidos no lusco-fusco da dubiedade, cada vez que a matéria é examinada ou discutida sob o ponto de vista estritamente profissional, mais interrogações levanta.

Caso da entrevista ao Jornal Nacional (Rede Globo, quinta-feira, 30/6) do ex-agente da ABIN, Jairo Martins de Souza, autor da gravação. O araponga — que, aliás, se diz jornalista [veja abaixo comentários de Ricardo Noblat] e faz negócios com jornalistas — revelou que ofereceu o vídeo ao repórter Policarpo Júnior, da sucursal da Veja em Brasília, e que este aceitou-o antes mesmo de examinar o seu teor [abaixo, a transcrição da matéria do JN].

Na hora da entrega, o jornalista teria usado um reprodutor portátil de DVD para avaliar a qualidade das imagens. De que maneira chegou ao jornalista e por que este aceitou o vídeo são questões que até hoje não foram esclarecidas.

Tanto o repórter como a revista recusam-se terminantemente a oferecer qualquer tipo satisfação ou esclarecimento aos leitores. Não se trata de proteger as fontes: elas seriam inevitavelmente nomeadas quando o funcionário flagrado, Maurício Marinho, começasse a depor. Foi exatamente o que aconteceu e hoje Veja carrega o ônus de ter se beneficiado de uma operação escusa – chantagem de um corrupto preterido ou ação formal da Abin para desmoralizar um aliado incômodo (o PTB, de Roberto Jefferson).

(...) Araponga não é jornalista, vídeo secreto ainda não é reconhecido como gênero de jornalismo. Talvez o seja num futuro próximo.

O episódio mereceu comentários do blogueiro Ricardo Noblat:


Ao ser contratado para filmar Marinho e grampear André Luiz, a primeira coisa que ele disse que fez foi procurar a Veja e oferecer o material. ‘Foi um trabalho puramente jornalístico’, garantiu.

A amigos, nas duas últimas semanas, Jairo confessou mais de uma vez que espera ganhar o próximo Prêmio Esso de Jornalismo. Ele se considera um sério candidato ao prêmio.

Não é brincadeira não, é serio! Porque ele está convencido de que filmou e grampeou como free-lancer da Veja – embora jamais tenha recebido um tostão dela por isso. Recebeu dos que encomendaram as gravações.

Jairo ganhava como araponga e pensava em brilhar como jornalista.

É, de certa forma faz sentido."

Tempos depois, a aliança com o araponga renderia a Policarpo a promoção para chefe de sucursal da Veja em Brasília. A revista já caíra de cabeça, sem nenhum escrúpulo, no mundo nebuloso dos dossiês e dos pactos com lobistas. E o grande pacto do silêncio que se seguiu na mídia, permitiu varrer para baixo do tapete as aventuras de Veja com o araponga repórter.


O final da história

Parte da história terminou em agosto de 2007. Sob o titulo “PF desmonta nova máfia nos Correios”, o Correio Braziliense noticiava o desbaratamento de uma nova quadrilha que tinha assumido o controle dos Correios (clique aqui).

No comando, Arthur Wascheck, que assumiu o comando da operação de corrupção dos Correios graças ao serviço encomendado a Jairo - grampo mais publicação do resultado na Veja.

Durante a Operação Selo, foram presas cinco pessoas, em dois estados mais o Distrito Federal.

Segundo o jornal:

Entre os presos estão Sérgio Dias e Luiz Carlos de Oliveira Garritano, funcionários dos Correios, além dos empresários Antônio Félix Teixeira, Marco Antônio Bulhões e Arthur Wascheck, considerado pela PF como líder do grupo e acusado de ter sido o responsável pela gravação feita no dia em que Marinho recebia a propina. Os investigadores não quantificaram o volume de recursos envolvidos nas fraudes, mas calculam que seja de dezenas de milhões de reais.

De acordo com os investigadores, “o grupo agia como traficantes nos morros".

“Havia uma quadrilha na ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), que foi desbaratada e afastada. A outra organização tomou o lugar dela. Assim como os traficantes fazem, quando saem, morrem ou são presos, acontece a mesma coisa no serviço público. Quando uma quadrilha sai do local, entra outra e começa a praticar atos ilícitos no lugar da que saiu”, explica o delegado Daniel França, um dos integrantes do grupo de investigação.

A corrupção tinha apenas trocado de mãos:

Para o Ministério Público Federal, o entendimento era o mesmo.

“Não se pode dizer que a corrupção terminou ou se atenuou. O que houve foi uma substituição de pessoas, alijadas do esquema”, afirma o procurador da República Bruno Acioli.

Segundo ele, há pelo menos 20 empresas, muitas delas ligadas a Wascheck, estão envolvidas nas fraudes que podem atingir outros órgãos públicos, conforme investigações da PF.

A ficha de Wascheck era ampla e anterior ao episódio do qual Veja aceitou participar:

O empresário, conforme os investigadores, atuava na área de licitações desde 1994, sendo que um ano depois ele fora condenado por irregularidades em licitação para aquisição de bicicletas pelo Ministério da Saúde.

O valor das fraudes chegava a milhões de reais:

Segundo a polícia, o grupo de Wascheck vendia todo tipo de material para os Correios. De sapato a cofres, sendo que muitos integrantes do esquema eram também procuradores de outras empresas envolvidas nas concorrências. Com a análise dos documentos, que começou a ser feita ontem, os investigadores devem chegar aos valores das fraudes. “O que posso dizer é que esse prejuízo é de milhões de reais. Dezenas de milhões de reais”, diz o procurador da República, ressaltando que seu cálculo se baseia em alguns casos específicos. “Existem licitações na casa de bilhões de reais”, afirma o procurador.

No sistema de buscas da revista, as pesquisas indicam o seguinte:

Operação Selo Wascheck: 0 ocorrências

Operação Selo (frase exata) Período 2007: 0 ocorrências

Revista de 8 de agosto de 2007: nenhuma menção

Na edição de 15 de agosto, nenhuma menção. Mas uma das materias especiais atende pelo sugestivo título de “Porque os corruptos não vão presos”

"Frágil como papel

A Justiça brasileira é incapaz de manter presos assassinos
confessos e corruptos pegos em flagrante. Na origem da
impunidade está a própria lei".

A reportagem fala do mensalão, insinua que os implicados até melhoraram de vida, menciona símbolos midiáticos de corrupção (Quércia, Maluf, Collor etc). Nenhuma palavra sobre a Operação Selo e sobre o papel desempenhado pelas reportagens de escândalo da própria revista no jogo das quadrilhas dos Correios.

Seus aliados foram protegidos.

sábado, 26 de dezembro de 2009

(Veja XVII) O Último Factóide

No capítulo “O Estilo Veja de Jornalismo” mostrei os princípios de atuação ficcional da revista e algumas análises de caso – como a material fantasioso sobre o estouro do câmbio em 1999.

Não poucas vezes, a revista "criou" notícias meramente recorrendo a um recurso que, em jornalismo, se chama vulgarmente de “cozidão” – isto é, um apanhado de fatos velhos, já divulgados, mas apresentados como novidade.

Durante a campanha do "mensalão" e depois dela, poucas vezes se viu tamanha quantidade de factóides criados por uma única publicação. O surpreendente é que cada matéria, por mais inverossímil que fosse, acabava recebendo ampla repercussão dos demais veículos da grande mídia - com a irracionalidade e falta de critérios típicos do chamado "efeito-manada".

O último factóide da revista, aquele que aparentemente fez cair a ficha da mídia em relação ao festival de ficções, envolveu diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi a matéria “A sombra do estado policial”, de Policarpo Júnior, capa da edição de 22 de agosto de 2007 (clique aqui), ainda dentro do clima conspiratório herdado da campanha eleitoral.

Como sempre, capa, manchete, submanchete, tudo recendia a conspiração:

Medo no Supremo
Ministros do Supremo reagem à suspeita de grampo na mais alta corte de Justiça do país.



Ninguém mais na mídia tinha percebido qualquer sinal de "medo" do Supremo, ou de generalização das escutas atingindo os Ministros. Aliás, os últimos abusos contra juízes haviam partido da própria revista e do próprio autor da reportagem, no falso dossiê contra o então presidente do Superior Tribunal de Justiça Edson Vidigal - abordado no capítulo “O dossiê falso”. Veja sempre cultivou relações íntimas com produtores de dossiês.

Não se sabia ao certo a intenção da matéria. Seguramente, uma tentativa canhestra de se aproximar do Supremo, utilizando a moeda de troca da qual a revista sempre se prevaleceu: a visibilidade, a apologia, explorando uma das grandes fraquezas humanas, a vaidade.

Que era um factóide, não havia dúvida.

Na abertura, forçava um lide, dentro do estilo tatibitate-recitativo (“sim, beira o inacreditável”) de Mario Sabino:

É a primeira vez que, sob um regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas de regimes autoritários: as escutas telefônicas clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os integrantes da mais alta corte judiciária do país suspeitam que seus telefones sejam monitorados ilegalmente.

Quando pretende "esquentar" um tema, um dos truques de retórica mais utilizados pela revista é a história do "nunca antes" - alvo de ironia quando dos discursos oficiais.


Seguia-se o velho estratagema das estatísticas de fontes:

Nas últimas semanas, VEJA ouviu sete dos onze ministros do Supremo – e cinco deles admitem publicamente a suspeita de que suas conversas são bisbilhotadas por terceiros. Pior: entre eles, três ministros não vacilam em declarar que o suspeito número 1 da bruxaria é a banda podre da Polícia Federal.

Ia além

"As suspeitas de grampos telefônicos estão intoxicando a atmosfera do tribunal".

Uma capa de revista semanal é uma celebração. É tema relevante, quente, em que se colocam os melhores quadros para apurar os dados.

Porém, de informações objetivas, a reportagem tinha o seguinte:

"A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes", afirma o ministro Gilmar Mendes, numa acusação dura e inequívoca".

Notícia de 24 de maio de 2007, na "Folha" (clique aqui).

"O ministro (Sepúlveda Pertence) diz que as suspeitas de que a polícia manipula gravações telefônicas aceleraram sua disposição em se aposentar. "Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite", afirma".

A notícia era de janeiro de 2007, conforme o Terra Magazine (clique aqui). Mais: o grampo da Polícia Federal não tinha sido em cima do Ministro, mas em um lobista envolvido em uma transação em Sergipe e que estava sob investigação da PF.

A matéria de Veja esquentava o recozido, sem nenhum respeito aos fatos:

"Na quinta-feira passada, o ministro Sepúlveda Pertence pediu aposentadoria antecipada e encerrou seus dezoito anos de tribunal. Poderia ter ficado até novembro, quando completa 70 anos e teria de se aposentar compulsoriamente. Muito se especulou sobre as razões de sua aposentadoria precoce. Seus adversários insinuam que a antecipação foi uma forma de fugir das sessões sobre o escândalo do mensalão, que começam nesta semana, nas quais se discutirá o destino dos quadrilheiros – entre eles o ex-ministro José Dirceu, amigo de Pertence. A mulher do ministro, Suely, em entrevista ao blog do jornalista Ricardo Noblat, disse que a saída de seu marido deve-se a problemas de saúde. O ministro, no entanto, diz que as suspeitas de que a polícia manipula gravações telefônicas aceleraram sua disposição em se aposentar. "Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite", afirma".

Tinha mais.

"Os temores de grampo telefônico com patrocínio da banda podre da PF começaram a tomar forma em setembro de 2006, em plena campanha eleitoral. Na época, o ministro Cezar Peluso queixou-se de barulhos estranhos nas suas ligações e uma empresa especializada foi chamada para uma varredura".

A notícia era de 17 de setembro de 2006 (clique aqui).

"O ministro Marco Aurélio Mello recebeu uma mensagem eletrônica de um remetente anônimo. O missivista informava que os telefones do ministro estavam grampeados e que policiais ofereciam as gravações em Campo Grande.O caso foi investigado, mas a Polícia Federal - ela, de novo - concluiu que a mensagem era obra de estelionatários fazendo uma denúncia falsa".

No decorrer da semana, Blogs e veículos da grande imprensa desmascararam a farsa. Praticamente todo leitor bem informado percebeu que estava diante de um “cozidão”.

Os dois principais fatos da reportagem: as declarações de Sepúlveda Pertence e de Marco Aurélio de Mello foram colocadas nos devidos termos pelos próprios Ministros.

O desmentido de Sepúlveda

No dia 20 de agosto de 2007, o jornalista Bob Fernandes, da Terra Magazine, ouviu o Ministro Sepúlveda Pertence (clique aqui)

- Ministro, boa tarde. Estou ligando para falar sobre a denúncia, sobre a hipótese de grampo telefônico contra o senhor, contra ministros do Supremo, publicada na Veja desta semana.

- Sim, eu falei com a revista sobre o assunto.

- O senhor foi grampeado?

- ... falei sobre um assunto que aconteceu comigo (publicado neste Terra Magazine em janeiro, leia aqui).

- Sim, é um assunto que conhecemos. Mas, lhe faço uma pergunta: O senhor crê ter sido grampeado?

- Não...

- O senhor acredita ter sido grampeado, ou seus colegas terem sido grampeados?

- Não, não creio em grampos contra mim.

- Nem contra...

- Não, não tenho nenhuma razão para crer em grampo telefônico...

- Mas...

- ... o que eu falei foi sobre aquele episódio... salvo aquele episódio, não tenho nada a dizer sobre este assunto.

- O ministro Marco Aurélio Mello já desmentiu, nesta segunda, a existência de grampo, disse que falava por ele... O senhor acha que houve um engano?

- ... um engano.

O desmentido de Mello

No domingo do próprio fim-de-semana em que a capa saiu, ouvido pelas rádios, Marco Aurélio Mello desmentiu o teor da matéria.

Denúncia de grampo no STF era falsa
O Globo; CBN (clique aqui)

BRASÍLIA - A Polícia Federal afirma que era falsa a denúncia de que agentes federais estariam negociando escutas telefônicas com conversas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A investigação mostrou que os e-mails apócrifos recebidos pelo ministro Marco Aurélio de Mello, relatando o suposto grampo, faziam parte de uma vingança pessoal. Um funcionário do INSS exonerado por corrupção tentou incriminar o delegado da PF que o investigou.

Marco Aurélio recebeu o resultado da investigação do ministro da Justiça, Tarso Genro, e o encaminhou ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza

- O sujeito (funcionário do INSS) queria fustigar o delegado. Trata-se de retaliação. Foi satisfatória a apuração. Dei o episódio como suplantado - disse Marco Aurélio.

Requentando o recozido

Não adiantou. O amadorismo e a falta de sensibilidade jornalística impediram a direção de redação de ver que o modelo de criar factóides já tinha se esgotado.

Na semana seguinte, a direção de redação recorreu aos mesmos estratagemas conhecidos, para dar sobrevida à falsificação.

Na seção de cartas, só foram publicadas aquelas a favor. Mais: recorreu-se à velha barganha para garantir a continuidade do tema. Em troca de visibilidade um deputado anunciava a intenção de abrir uma CPI. O contemplado foi o ex-Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, velha fonte de Lauro Jardim.

Dizia a matéria (clique aqui):

"Os grampos telefônicos, uma das principais ferramentas de investigação policial da atualidade, vão passar por uma devassa. Na semana passada, a Câmara dos Deputados recolheu 191 assinaturas para criar a CPI dos Grampos, que pretende investigar a suspeita de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram seus telefones interceptados ilegalmente, conforme VEJA noticiou em sua edição passada. Cinco dos onze ministros do STF admitiram publicamente a suspeita de que suas conversas telefônicas podem estar sendo bisbilhotadas clandestinamente. A CPI, que terá prazo de 120 dias para concluir a investigação, deverá ser instalada já no início do próximo mês. "Quando a mais alta corte do país se sente ameaçada e intimidada, isso é uma coisa muita séria, que precisa de uma resposta urgente", diz o deputado Marcelo Itagiba, do PMDB do Rio de Janeiro, delegado licenciado da Polícia Federal e autor do requerimento de criação da CPI".

Era a mesma manobra do caso Edson Vidigal. Na ocasião soltou a matéria e informou que o Conselho Nacional de Justiça recebeu uma denúncia. Houve denúncia, de fato, mas depois da matéria ter sido publicada – e utilizando a própria matéria como elemento de prova. A armação era nítida, como era nítida a armação com Itagiba, para propor a CPI.

O factóide da escuta no Supremo foi um marco importante, por ter sido o primeiro absurdo da Veja que não mereceu repercussão na mídia. Até então, todos os abusos eram repercutidos, por um efeito pavloviano que fez com que o esgoto que vazava da cobertura da revista acabasse contaminando o restante da mídia.

Mas, como resultado do factóide, o Congresso abriu uma CPI do Grampo, tendo como relator o próprio Marcelo Itagiba. Enquanto isto, a proposta da CPI da Veja não saiu do papel. Hoje em dia, são poucos os parlamentares com coragem de criticar a revista, por conta de seus métodos e chantagens. E a revista ainda conseguiu que até um Ministro do STF, Joaquim Barbosa, aceitasse participar de sua campanha publicitária.