sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Reconhecimento para a Palestina -- um novo caminho para a paz

Vídeo extraído do Avaaz.org
Acesse e assine a petição!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lançamento Vídeos Liberdade de Expressão e Diversidade

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Outras Palavras vítima de vírus


Recebido por e-mail
bibliotecadiplô e OUTRASPALAVRAS


Ataque visou atingir mídia colaborativa, mas está prestes a ser sanado. Site comunicará aos leitores eliminação da ameaça

O esforço de Outras Palavras para oferecer continuamente informação qualificada e análises não-convencionais sofreu um pequeno contratempo. Os servidor onde está instalado o site foi atacado, ontem à noite (22/8), por um vírus que está sendo chamado de counter-wordpress. Estamos trabalhando intensamente, desde a manhã de hoje, para sanar o problema, que impede a publicação de novos textos e emite um alerta de perigo aos internautas.

O ataque sofrido por nosso site não visou Outras Palavras especificamente – mas os criadores do vírus podem ter agido com motivação de atingir a blogosfera. O agente do problema é um malware (malicious software em inglês) que ataca especialmente sites e blogs construídos na plataforma WordPress. Utilizada por dezenas de milhares de publicações alternativas e jornalistas-cidadãos em todo o mundo, o WordPress é gratuito e tem código aberto. Expressa, em especial uma realidade cada vez mais importante e transformadora. Em torno da internet, estão surgindo imensas comunidades de desenvolvedores, que trabalham de maneira colaborativa e com espírito pós-capitalista.

Milhares de pessoas ajudam a desenvolver o WordPress. Para aperfeiçoar o sistema básico, lançado em 2003, elas criam desenhos alternativos (temas) para sites e blogs ou pequenos programas (plugins) com múltiplas funcionalidades.

Ao invés de se considerarem “proprietários” de sua criação, oferecem-na a quem queira usar. Alguns pedem, aos usuários, doações voluntárias. Outros, remuneram-se por meio de atividades profissionais distintas, e oferecem seu trabalho na comunidade Wordpress como contribuição ao comum. O vírus que nos atingiu encontrou uma vulnerabilidade no tema Arras. Sua particularidade é enriquecer esteticamente os sites que o utilizam, valorizando o uso de imagens e permitindo empregá-las de forma flexível e criativa.

Por volta das 18h desta terça-feira, o malware havia sido eliminado. Nossa base de dados não foi afetada: todos os textos e imagens publicadas voltarão a ser acessíveis em breve. Requisitamos ao eficiente sistema de monitoramento do Google, que primeiro identificou o ataque e fez o alerta, uma reavaliação, que deverá demorar cerca de 24 horas. É a melhor maneira de proteger nossos leitores.

Lançado há menos de um ano e meio, Outras Palavras tem ampliado constantemente sua audiência, hoje na casa de cerca de 3,5 mil visitantes dias. Uma reforma gráfica está em fase final de projeto, e começará a ser adotada em setembro. O próximo mês também marcará uma ampliação do número de colaboradores do site, por meio de uma chamada pública e um novo espaço para publicação.

Pedimos desculpas pelo incômodo e ausência temporária. O ataque não nos afetará. Estamos convencidos de que a comunicação compartilhada de qualidade será cada vez mais importante para uma nova cultura de transformação social que vai surgindo. Ela resgata os antigos valores da liberdade e igualdade, articulando-os, porém, com a busca autonomia e a ideia de que política não é algo que se delega – mas se pratica em ações quotidianas. Por isso mesmo, exige romper a superficialidade que caracteriza a mídia de mercado, e promover a investigação profunda dos grandes problemas coletivos.

Seguiremos nesse caminho de modo cada vez mais participativo. Faremos nova comunicação, assim que o problema tiver sido superado.


                                                                                                                                      Abraço forte
Antonio Martins, editor, pela 
Redação de Outras Palavras

sábado, 20 de agosto de 2011

De que falam ex-presidentes?


A matéria do Globo (7/8/2011) sobre as palestras do ex-presidente Luiz Inácio da Silva deixou os leitores desinformados sobre uma questão candente: de que fala realmente o aclamado político? É verdade que uma retranca na reportagem fornecia uma lista de tópicos correspondentes a cada data de palestra, desde a história de vida até as vantagens de se investir no Brasil de hoje. Nada se dizia, porém, sobre o teor argumentativo ou sobre o desenvolvimento dos temas.
É preciso deixar bem claro aqui, desde o início, que esta indagação não se pauta absolutamente pelos conhecidos preconceitos quanto à qualidade intelectual de Lula. Do que pudemos observar ao longo de anos (às vezes, de bem perto), o ex-presidente tem o foco preciso sobre problemas nacionais e uma malícia política que costuma desorientar o ouvinte convicto de que um vernáculo não cultivado impede o pensamento culto.
A indagação parte de Lula, na verdade, para se estender ao fenômeno contemporâneo de ex-presidentes que ganham muito dinheiro com palestras. E ganham licitamente, também é bom que se diga, já que nenhuma lei impede a um cidadão que tenha exercido um importante cargo político de falar sobre sua própria vida ou mesmo sobre problemas nacionais, desde que evidentemente não violem qualquer suposto segredo de Estado.
Discurso sedutor
Por que é então relevante o assunto? Em primeiro lugar, pela hipótese de uma radical separação jornalística entre o que o presidente da República dizia em público e o seu atual discurso privado, régia e extraordinariamente remunerado. Ex-governantes como Bill Clinton e Tony Blair recebem cerca de 300 mil dólares por palestra. É o preço atualmente cobrado por Lula (no início do ano eram 200 mil dólares) que, segundo consta, é o dobro do que vale nesse mercado uma fala de Fernando Henrique Cardoso.
Tanto quanto nos casos de Clinton e Blair, permanece esotérico aos ouvidos do grande público o teor das palestras de Lula e FHC. Suponhamos que interesse aos pagantes ouvir diagnósticos confiáveis sobre a economia nacional. Não seria nem um pouco razoável presumir que tais diagnósticos proviessem da boca de um ex-governante, considerando-se que seus pronunciamentos, quando no exercício das funções de governo, são preparados por especialistas.
O lógico, portanto, seria buscar as avaliações na fonte dos discursos supostamente competentes. Mas como bem se sabe, esses discursos – sejam de um professor de economia ou de outro ramo do conhecimento – têm escasso valor de mercado enquanto tais, a menos que seus emissores sejam aquinhoados com as benesses das contratações de grandes empresas, geralmente do setor financeiro.
Não está em jogo, consequentemente, o puro e simples conteúdo das palestras. No caso de FHC, basta lembrar a sua conhecida frase (“Esqueçam tudo o que eu escrevi”), destinada possivelmente a enfatizar a natureza singular do poder de Estado. No caso de Lula, um arremedo dessa frase seria algo como “esqueçam que eu não escrevi”. Sim, porque o mais recente ex-presidente sempre fez questão de deixar claro que não lia, assim como não escrevia, nada. Não apenas livro ou jornal, mas também os discursos escritos por assessores: improvisava, e muito bem, como é notório. Proviria desses textos inéditos, quem sabe, o conteúdo das palestras em voga.
Nada, porém, nos assegura que a questão esteja no conteúdo, e isto vale para Clinton, Blair, FHC ou Lula. Além do mais, fica evidente que, se a questão fosse esta, outros ex-presidentes poderiam estar igualmente fortes no mercado das palestras. Mas ao que tudo indica, com relação a esses “outros”, os empresários antes pagariam para não os ouvir. Ninguém em são juízo pode imaginar alguém pagando para ouvir George W. Bush, por exemplo.
Se não é o que se fala, não nos parece também se tratar do como se fala (hipótese macluhaniana de “o meio é a mensagem”), uma vez que os palestrantes em voga não são conhecidos como fenômenos de oratória ou sujeitos de grandes discursos sedutores, ao modo desses pregadores religiosos que galvanizam os crentes. Não há, porém, como descartar a hipótese de que as palestras façam sentido capaz de repercutir junto aos ouvintes/patrocinadores.
“Sem parar”
Como se extrai sentido de um enunciado qualquer? Chamada em socorro, a teoria da comunicação – mais precisamente, a teoria dos atos da fala – nos diz que o sentido de um discurso ou de um produto artístico se obtém pela transposição dos significados efetuada por um ser humano numa situação comum. Compreendemos a fala do outro, de um interlocutor, porque recolocamos as palavras ditas num quadro de referência que nos é familiar, por meio de uma linguagem adequada. São vários os tipos de transposição, a exemplo da paráfrase, da interpretação, da metalinguagem etc.
Nem sempre é o raciocínio que é posto a trabalhar na compreensão do sentido, e sim a intuição. Isto implica, em vez de abstração e argumentação, uma experiência afetiva, análoga à experiência estética, que atua sobre a consciência do sujeito como uma lâmpada forte que se acenda de repente. A intuição põe os sujeitos da fala em contato com o individual e o qualitativo, atributos muito mais fortes e duradouros do que aqueles advindos da hierarquia do cargo ou da pura e simples liturgia do poder.
No caso dos ex-presidentes palestrantes, é de se supor que eles sejam capazes de provocar – por motivos de simpatia, de impressão de que o poder ainda lhe está colado à pele ou mesmo por obscuros interesses – efeitos significativos de compreensão intuitiva. Neste caso, sob a regência da lógica do sensível, pouco importa o conteúdo estritamente intelectual do discurso, e sim o seu impacto emocional. Importa que a palavra pareça provir mais do corpo inteiro do que da cabeça do falante, como se ele fosse uma espécie de encarnação da própria fala.
Isso possivelmente explicaria por que a palestra de Lula valha o dobro da de FHC e infinitamente mais do que a de grandes especialistas em problemas nacionais. Se convertêssemos sua fala à escrita, para calcular o valor monetário de cada palavra, não ficaríamos muito surpresos em descobrir que a palavra “Brasil”, pronunciada, equivalha a um salário mínimo e uma frase como “nunca antes na história deste país” ultrapasse o salário mensal de um professor. No mercado, ex-presidente pode ser uma reinterpretação do personagem Boca de Ouro.
Mas há outras abordagens possíveis para esse fenômeno, uma das quais ancorada na hipótese de que a fala possa não passar de um catadupa verbal, válida apenas como a “voz do chefe”. É o que esboçamos em livro (A Narração do Fato, Editora Vozes, 2009) para enfatizar que a vida acontece também, para além da dimensão discursiva, na movimentação dos corpos, nos embates coletivos e em signos indiciais, em que mais vigora a potência afetiva dos grupos do que a razão esclarecedora dos argumentos.
Citávamos então o depoimento de uma cubana, por ocasião da doença de Fidel Castro, a propósito dos famosos longos discursos (nos tempos gloriosos, alguns costumavam exceder dez horas) do dirigente cubano: “Quando vejo Fidel discursando, é como se estivesse vendo meu bisavô falando sem parar e sem nenhum motivo especial. Ele não tem mais nada a dizer... O povo ainda o respeita, mas não o ouve”.
Exemplos extremos
Uma situação análoga é descrita pelo antropólogo Pierre Clastres com referência aos indígenas sul-americanos, que obrigariam o chefe da tribo a falar durante horas, sem, no entanto, lhe prestar qualquer atenção. Para os indígenas, um chefe silencioso não é mais um chefe, não porque sua palavra seja plena de significado, e sim exatamente porque é vazia. É seu dever gerar essa fala separada da palavra forte, cheia de sentido, para que fique claro que a chefia está separada do eixo do poder, que este recai sobre o corpo da sociedade como um todo.
São casos bem diferentes, é verdade. Em ambos, entretanto, a fala do líder é um acontecimento, na acepção de um fenômeno que afeta a existência coletiva, mesmo que não se busquem motivações, nem um sentido maior. Quer dizer, do ponto de vista estritamente semântico, a fala tem significados, mas nenhuma função designativa: o enunciador não “designa” nada ao enunciatário. Há, porém, no fenômeno, uma parte excessiva, impermeável à lógica causal, mas que abre um amplo leque interpretativo em termos de ações, gestos e sentimentos. Trata-se, sem dúvida, de exemplos extremos, mas teoricamente indicativos de outra lógica pertinente à fala.
O novo nisso tudo é que essa outra lógica está sendo medida em dólares.
***
[Muniz Sodré é jornalista, escritor e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro]

Quem salva a Líbia dos seus salvadores ocidentais?


Do Pátria Latina




Não a esquerda francesa
por Jean Bricmont, Diana Johnstone [*]

Lição de democracia. Em Março, uma coligação de potências ocidentais e de autocracia árabes uniram-se para promover o que era apresentado como uma espécie de pequena operação militar para "proteger os civis líbios".

A 17 de Março, o Conselho de Segurança da ONU adotou a resolução 1973 que dava a esta "coligação de voluntários" um tanto particular o sinal verde para começar a sua pequena grega, controlando primeiro o espaço aéreo líbio, o que permitiu a seguir bombardear o que a OTAN quis bombardear. Os dirigentes da coligação esperavam manifestamente que os cidadãos líbios reconhecidos aproveitariam a ocasião fornecida por esta "proteção" vigorosa para derrubar Muamar Kadafi o qual, pretendia-se, queria "matar o seu próprio povo". Baseando-se na idéia de que a Líbia estava dividida de modo claro entre "o povo" de um lado e "o mau ditador" do outro, esperava-se que este derrube ocorresse em alguns dias. Aos olhos ocidentais, Kadafi era um ditador pior que Ben Ali na Tunísia ou Mubarak no Egito, que caíram sem intervenção da OTAN. Kadafi deveria portanto cair muito mais rapidamente.

Cinco meses mais tarde, tornou-se evidente que todas as suposições nas quais se fundamentava esta guerra eram mais ou menos falsas. As organizações de defesa dos direitos do homem não conseguiram encontrar provas dos ditos "crimes contra a humanidade" cometidos por Kadafi contra "o seu próprio povo". O reconhecimento do Conselho Nacional de Transição (CNT) como "único representante legítimo do povo líbio" por parte dos governos ocidentais, que era no mínimo prematuro, tornou-se grotesco. A OTAN empenhou-se numa guerra civil, exacerbando-a, e sem fazê-la sair do impasse.

Mas por mais absurda e destituída de justificação que esta guerra possa ser, ela continua. E quem é que pode travá-la?
Um dos melhores livros para ler neste Verão foi a excelente nova obra de Adam Hochschild, To End All Wars, sobre a Primeira Guerra Mundial e os movimentos pacifistas daquela época. Há muitas lições de atualidade que se podem encontrar neste livro, mas a mais pertinente é sem dúvida o fato de que uma vez começada uma guerra é muito difícil pará-la.

Os homens que começaram a primeira guerra mundial também pensavam que ela seria curta. Mas mesmo quando milhões de pessoas foram lançadas na tormenta assassina e quando o caráter absurdo do empreendimento tornou-se claro como água límpida, a guerra continuou durante quatro anos trágicos. A própria guerra engendra o ódio e uma vontade de retaliação. Quando uma grande potência começa uma guerra, ela "deve" ganhá-la, qualquer que seja o custo – para ela própria e sobretudo para os outros.
Até o presente, para os agressores da OTAN o custo da guerra contra a Líbia é puramente financeiro e isso é compensado pela esperança de uma pilhagem do país, quando ele for "libertado" e de que ele pagará para reembolsar aqueles que o bombardearam. Não é senão o povo líbio que perde vidas, bem como a sua infraestrutura.

Durante a primeira guerra mundial existia um corajoso movimento de oposição à guerra que enfrentou a histeria e o chauvinismo deste período e que advogava em favor da paz. Seus membros arriscavam-se a ataques físicos, assim como à prisão. O modo como Hochchild conta a luta pela paz destes homens e destas mulheres na Grã-Bretanha deveria servir de inspiração – mas para quem? Os riscos implicados pela oposição à guerra na Líbia são mínimos em comparação com os que existiam quando da guerra de 1914-1918. Mas no momento, uma oposição ativa é apenas visível.

Isto é particularmente verdadeiro em França, país cujo presidente, Nicolas Sarkozy, teve a iniciativa de começar esta guerra.
Acumulam-se os testemunhos das mortes de civis líbios, inclusive crianças, provocadas pelos bombardeamentos da OTAN (ver, por exemplo, o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=vtS2qJeeXUA ). Estes bombardeamentos visam a infraestrutura civil, a fim de privar a maioria da população que vive na parte do país leal a Kadafi dos bens de primeira necessidade, da alimentação e da água, a fim de pressionar o povo a derrubar Kadafi. A guerra para "proteger os civis" já se tornou uma guerra para aterrorizá-los e atormentá-los de modo a que o CNT apoiado pela OTAN possa tomar o poder.

Esta pequena guerra na Líbia mostra que a OTAN é ao mesmo tempo criminosa e incompetente.

Mas ela mostra igualmente que as organizações de esquerda nos países da OTAN são totalmente inúteis.

Provavelmente jamais houve uma guerra à qual fosse mais fácil opor-se. Mas a esquerda na Europa não se opõe.

Há três meses, quando a histeria mediática a propósito da Líbia foi lançada pela televisão do Qatar, Al-Jazeera, a esquerda não hesitou em tomar posição. Algumas dezenas de organizações de esquerda francesas e norte-africanas assinaram um apelo por "uma marcha de solidariedade com o povo líbio" em Partis, a 26 de Março ( menilmontant.typepad.fr/... ). Mostrando a sua total ausência de coerência, estas organizações exigiram, simultaneamente, por um lado "o reconhecimento do CNT, único representante legítimo do povo líbio" e, por outro, "a proteção dos residentes estrangeiros e dos migrantes" que, na realidade, deviam precisamente ser protegidos dos rebeldes representados por este conselho. Apoiando implicitamente operações militares de ajuda ao CNT, estes grupos apelavam também à "vigilância" a propósito da "duplicidade dos governos ocidentais e da Liga Árabe", bem como a uma "escalada" possível das operações militares.

As organizações que assinavam este apelo incluíam grupos de oposições no exílio da Líbia, Síria, Tunísia, Marrocos e Argélia, assim como os Verdes franceses, o NPA, o Partido Comunista Francês, o Partido de Esquerda, o movimento anti-racista MRAP, o partido dos Indígenas da República e o ATTAC. Estes grupos representavam praticamente tudo o que há de organizado à esquerda do Partido Socialista – que, pelo seu lado, (com exceção de Emmanueli) apoiava a guerra sem sequer fazer apelo à "vigilância".
Agora que aumenta o número de vítimas civis dos bombardeamentos da NATO, não há nenhuma manifestação da vigilância prometida "a propósito da escalada da guerra" que saísse do quadro das resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Os militantes que, em Março, insistiam em dizer que "devemos fazer alguma coisa" para travar um massacre hipotético hoje nada fazem para travar um massacre que não é hipotético mas sim muito real e visível, e perpetrado exatamente porque aqueles "fizeram alguma coisa".

O erro fundamental daqueles que, à esquerda, dizem "nós devemos fazer alguma coisa" reside na ambigüidade da palavra "nós". Se eles querem dizer "nós" literalmente, então a única coisa que poderiam fazer seria por de pé espécies de brigadas internacionais para combater com os rebeldes. Mas naturalmente, apesar das grandes declarações segundo as quais "nós" devemos fazer "tudo" para apoiar o "povo líbio", esta possibilidade nunca foi seriamente considerada.

Portanto o "nós" significa na prática as potências ocidentais, a OTAN e, sobretudo, os Estados Unidos, pois só eles possuem as "capacidades únicas" necessárias para travar uma tal guerra.

As pessoas que gritam "devemos fazer alguma coisa" geralmente misturam duas espécies de exigências: uma que podem esperar de modo realista ser aceite pelas potências ocidentais – apoio aos rebeldes, reconhecimento do CNT como único representante legítimo do povo líbio – e outra que não podem absolutamente esperar de modo realista que seja aceite pelas grandes potências e que são elas próprias totalmente incapazes de executar: limitar os bombardeamentos a alvos militares e à proteção dos civis, assim como permanecer escrupulosamente no quadro das resoluções da ONU.

Estes dois tipos de exigências contradizem-se uma à outra. Numa guerra civil, nenhuma das duas partes está preocupada principalmente com as subtilezas das resoluções da ONU ou com a proteção dos civis. Cada parte quer muito simplesmente ganhar e a vontade de retaliação leva muitas vezes a atrocidades. Se "apóia" os rebeldes, dá-se-lhes na prática um cheque em branco para fazer o que eles considerarem necessário a fim de ganhar a guerra.

Mas dá-se igualmente um cheque em branco aos aliados ocidentais e à OTAN, que talvez estejam menos ávidos de sangue que os rebeldes mas que têm à sua disposição meios de destruição muito maiores. E a OTAN é uma imensa burocracia – um dos fins essenciais da mesma é sobreviver. Ela deve absolutamente ganhar, senão terá um problema de "credibilidade", assim como os políticos que apoiaram esta guerra. E este problema poderia levar a uma perda de financiamento e de recursos. Uma vez que a guerra começou não há simplesmente nenhuma força no Ocidente, na ausência de movimentos anti-guerra determinados, que possa obrigar a OTAN a limitar-se ao que é autorizado pelas resoluções da ONU. Em conseqüência, a segunda espécie de exigências da esquerda cai na orelha de um surdo. Estas exigências servem simplesmente para provar que a esquerda pró intervenção tem intenções puras.


Mas dá-se igualmente um cheque em branco aos aliados ocidentais. 

Ao "apoiar" os rebeldes, esta esquerda matou de fato o movimento anti-guerra. Com efeito, não tem sentido apoiar numa guerra civil um campo que quer desesperadamente ser ajudado por intervenções externas e, ao mesmo tempo, opor-se a tais intervenções. À direita pró intervenção é bem mais coerente.

O que a esquerda e a direita pró intervenção têm em comum é a convicção de que "nós" (isto é, "o ocidente democrático civilizado") temos o direito e a capacidade de impor nossa vontade a outros países. Certos movimentos franceses (como o MRAP) que vivem literalmente da exploração da culpabilidade a propósito do racismo e do colonialismo, parecem ter esquecido que muitas das conquistas coloniais foram feitas contra sátrapas, príncipes indianos e reis africanos que eram denunciados como autocratas (o que de fato eram) e não parecem dar-se conta de que há alguma coisa de um tanto incongruente, para organizações francesas, em decidir quem são os "representantes legítimos" do povo líbio.

Apesar dos esforços de alguns indivíduos isolados, nenhum movimento popular na Europa é capaz de travar ou mesmo enfraquecer o ataque da OTAN. A única esperança poderia ser um colapso dos rebeldes, ou uma oposição nos Estados Unidos, ou uma decisão da parte das oligarquias dominantes de limitar as despesas. Enquanto isso, a esquerda européia perdeu uma ocasião de renascer opondo-se a uma das guerras manifestamente mais injustificáveis da história. A Europa inteira sofrerá com esta derrota moral.


O original encontra-se em www.legrandsoir.info/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Pânico silencioso: A crise é senhora do Euro. Obama cogita um BNDES. Com arrocho?

(Carta Maior;6º feira, 19/08/ 2011)


A economia do euro está parando.

Mergulhada numa tempestade perfeita de asfixia fiscal, desemprego e vazio assustador de liderança alterna dias de falso alívio com outros de puro desespero. 


A quinta-feira foi do desespero:um pânico sem grito, mas o pior dia desde a quebra do Lehman Brothers, em 2008. Carteiras de ações queimam nas mãos de fundos e investidores. 


Pregões despencam à medida em que o temor da recessão se transforma em índices. França e Alemanha patinam estagnadas; dos EUA chegam números da mesma cepa. 


Vendas de imóveis usados caíram ao nível mais baixo desde 2009; pedidos de seguro desemprego cresceram; a atividade industrial tombou em Nova Iorque, embicou na Filadélfia. 


Há coisas piores no cardápio dos próximos dias: bancos vão tremer na UE outra vez. 


Quando setembro chegar, a Itália precisará de 50 bilhões de euros para refinanciar sua dívida. 


Na 3º feira, Sarkoy e Merkel vetaram um reforço no fundo europeu, capaz de acalmar investidores como a prefiguração de um sistema fiscal solidária. Não por acaso ações de bancos carregados de títulos públicos tem comandado a derrocada das bolsas. 


A queda recorde de ontem deu-se em Milão: 6,1%. Mas ninguém escapou ileso. Paris, Londres, Frankfurt, Madrid, Amsterdan, etc, tombaram sem nenhum contrapeso de resistência do mundo político.


Não há réplica a altura de uma crise longa, rastejante e dissolvente, diz Maria da Conceição Tavares. Cada vez que lideranças conservadoras abrem a boca prescrevem mais do mesmo. 


Ato contínuo, manadas pró-cíclicas escavam o fundo do abismo. 


Um contraponto tardio, improvisado, hesitante, veio do outro lado do Atlântico, no Meio-Oeste americano. Em caravana pré-eleitoral, acuado por críticas, Barack Obama balbuciou promessas de emprego com incentivos a pequenos e médios negócios. 
Num vislumbre de ativismo fiscal, algo anacrônico depois de sancionar o arrocho do Tea Party, acenou com a criação de um banco de desenvolvimento para infraestrutura. 


Se decidisse mesmo peitar seus ortodoxos, poderia buscar experiência no maior banco desenvolvimento estatal do mundo: o BNDES. 


Três vezes maior que o Banco Mundial, ele ancora outra ferramenta anti-cíclica de que se ressentem as economias reféns da armadilha neoliberal: o PAC, plano de aceleração do crescimento, alavanca keynesiana que reúne R$ 1,5 trilhão em obras nos próximos anos, sendo R$ 960 bi até 2014. 


São números de causar urticária em Sarah Palim, mas também em seus congêneres tropicais, cuja agenda em meio à hecatombe é a ambígua 'caça aos corruptos' - da base do governo, claro.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Os negócios da Monsanto

Carlos del Frade (APE) para ARGENPRESS  


A fome é um negócio.                                         


As projeções dos investigadores dizem que a população mundial duplicará até 2050, a demanda de alimentos.

Este dado, uma verdadeira vergonha para a humanidade é lido, contudo, como uma oportunidade para os que fazem negócios nestas planícies abundantes

Segundo o professor de política agropecuária da Universidade de Illinois Bob Thompson: “O rol da América do Sul e da Argentina é muito importante porque tem mais potencial de produtividade que outras regiões, tem os melhores solos do mundo e o mundo os necessita. Nos próximos 40 anos se vão incorporar a uma população equivalente a duas vezes a China para alimentar. Ao que se somam as perspectivas de redução mundial da pobreza e o incremento de gente com melhores condições que acederão a uma dieta balanceada”, indicou em diálogo com diferentes meios de comunicação. Para os estudiosos, na primeira metade deste século a demanda mundial de alimentos poderia duplicar-se pelo crescimento da população mundial, enquanto que a outra metade responde ao incremento de cada vez mais pessoas nos países de baixos recursos.

Esta é uma reflexão pelo menos curiosa porque o sistema gera uma repetição de sua própria lógica: os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Talvez esta interpretação seja uma máscara de falsa consciência para aplacar o verdadeiro espirito do negócio florescente. A fome termina sendo uma ocasião inultrapassável para certas empresas que manejam, a nível mundial, o comércio de grãos e derivados.

E uma das multinacionais que se nota na linha de largada deste fenomenal pacote de dinheiro a custa das necessidades alimentares de milhões é a Monsanto, empresa que fatura 10 bilhões de dólares anuais, muitos dos quais os vende na Argentina onde conta com 50 mil hectares de terras na província de Buenos Aires, na região de Rojas.

Segundo o vice-presidente executivo de sustentabilidade da Monsanto, Jerry Steiner, a biotecnologia “será uma parte importante da solução, ao abrir novas fronteiras para melhorar o conteúdo nutricional dos grãos, aumentar sua tolerância à seca ou altas temperaturas e reduzir o uso de pesticidas”. Agrega que “esta realidade levanta um contexto favorável para a Argentina, que por ter similares condições agroecológicas aos Estados Unidos, mas no hemisfério sul, pode nutrir-se das novas tecnologías e investigações de forma mais rápida que o Brasil”, susteve o funcionário da multinacional que produz sementes e agrotóxicos de questionáveis efeitos na saúde humana.

O certo é que ante o avanço das urgências humanas, as grandes multinacionais esfregam as mãos celebrando o  dinheiro que farão às costas dos saqueados de sempre. O capitalismo, envolto nas crises financeiras que geram, planificam o futuro. Isto diagrama o cenário dos próximos 40 anos e ratifica a continuidade da devastação do meio ambiente, a irracional exploração dos recursos não renováveis e a pauperização da vida de milhões. E, ao mesmo tempo, vende produtos para saciar a fome que impulsiona e multiplica. A perversão levada ao extremo. A criação de massas de empobrecidos para que logo sejam os estados nacionais os clientes que comprem produtos para responder a essas demandas mínimas. Entre os que pensam o futuro e os negócios de amanhã a partir da fome dos que são demais nesta cápsula espacial chamada Terra, estão as grandes multinacionais de sementes e de agrotóxicos, como a Monsanto.

Uma verdadeira filantropa da humanidade.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Apontamentos sobre a pobreza


“Para os de cima, falar de comida é perda de tempo. E se compreende, porque já comeram”.
Bertolt Brecht

Marcelo Colussi (especial para ARGENPRESS.info)          

Discorrer sobre o tema da pobreza, é muito difícil. E por vários motivos. Por um lado, porque é muito complexo determinar claramente suas causas, o processo que a instaura, sua dinâmica geral. Mas por outro, porque é infinitamente mais dificultoso encontrar-lhe soluções concretas.

Indicando rápidamente, talvez como primeira aproximação, identificamos pobreza com carencias materiais, com falta de recursos, poderia dizer-se que a história mesma da Humanidade é uma constante luta contra este fantasma. O posto do ser humano no mundo não está assegurado de antemão; sua realização é uma permanente busca da satisfação de necessidades básicas que o permitem sobreviver, busca que, de inícios do século XXI e com todo o potencial técnico que se houve acumular, não termina nunca de se preencher. Hoje em día se produz entre uns 40 ou uns 50 % mais de alimento necessários para nutrir toda população mundial, mas a fome segue sendo a principal causa de morte de nossa espécie, enquanto que a atividade mais dinâmica, que leva as mais altas cotas de inteligência incorporada e gera o maior lucro, é a produção de armas!

De todo modo, a ideia de pobreza não está especialmente ligada a esse estado originário de carência que deve ser satisfeito día a día. Um povo determinado, em qualquer momento de sua história, simplesmente deve cumprir com o preenchimento dessas satisfações para seguir mantendo-se como unidade, com a tecnología que dispõe segundo seu grau de desenvolvimento (paleolítico, agricultura de subsistência, sociedades pós industriais, etc.). Nessa tarefa cotidiana, independente de sua capacidade produtiva, não se sente “pobre”. A noção de pobreza aparece quando há pontos de comparação: uma sociedade é pobre com respeito a outra vista como rica, uma classe social é uma ou outra coisa relativamente a outra, assim como o pode ser um indivíduo, só em comparação com outros -um anacoreta, ainda que nu, pode ser infinitamente rico, comparada sua vida espiritual com a de outro, um cidadão urbano “estressado” por suas dívidas, digamos-. A pobreza fala, em todo caso, não da quantidade de meios de sobrevivência mas sim do modo de sua apropriação, de sua distribuição social.

O chefe de uma tribo de colonos é pobre posto na bolsa de valores de New York, mas não o é em seu contexto originário: ali, é o chefe. Seguramente hoje a vida de um trabalhador médio de qualquer país industrializado é mais rico em termos de acesso a bens materiais em relação ao que pode haver sido a de um faraó egípcio, ou a de um Inca do Tahuantinsuyo. Mas há uma diferença substancial entre a vida do cidadão atual e a de um monarca.

Com tudo isto, então, queremos situar a ideia de pobreza -e portanto seu contrário: a riqueza- tanto em  produtos históricos, sociais. Um monarca, um chefe, o sacerdote supremo da tribo, etc., dispõe de uma cota de poder definitivamente superior a de um assalariado moderno com acesso ao conforto material gerado pela indústria destes últimos 100 anos, o qual não deixa de ser, pese todos os bens materiais, mais pobre em termos de relação política. Seria tolo talvez perguntar qual é mais rico ou qual o mais pobre. Em todo caso isto nos ilustra, uma vez mais, sobre a complexidade do tema. A rainha Isabel a Católica, no poderoso reino espanhol de fins do século XV e inícios do XVI, esteve oito anos com a mesma blusa como promessa até que se venceram aos mouros. Alguém ousaria dizer que era uma pobre diaba imunda?

II

Fazer uma leitura histórica do conceito de pobreza leva a uma exegese que, além de não ser o objetivo deste breve artigo, implicaria uma viagem monumental pela história humana. Viagem que deveria tomar em conta os diferentes momentos havidos em relação ao desenvolvimento da capacidade produtiva, e à forma em que o produto dessa capacidade foi repartido socialmente.

Pobres sempre existiram, diz uma visão simplista das coisas. Mas desde quando é possível começar a encontrar-los como tais na história? Na época das cavernas nada poderia autorizar vê-los como realidade social concreta. Em todo caso, adiante desse passo trascendental que significa a humanização de alguns macacos, deveríamos ver uma riqueza qualitativa fenomenal: um animal começa a modificar seu entorno natural, produz mudanças deliberadamente, trabalha. Faz aqui uma primeira riqueza humana espetacular, ainda que as condições materiais de sobrevivência daqueles ancestrais hoje, as pudéssemos ver como da mais radical pobreza.

Se pode falar com propriedade de pobres, já como categoría sociológica, na medida em que aparecem seus contrários: os ricos. As sociedades claramente divididas em classes sociais apresentam pobres: há uma divisão clara entre os que tem e os que não o tem. Em nome de que sucedeu isto, se estabelece, se aceita, se sacraliza? Que mecanismo natural o decide? Não entraremos a ver o por que desta dinâmica histórica, dado que o tema exige, em si mesmo, um desenvolvimento infinitamente mais amplo do que aquí nos propomos. O que se pode antecipar é que o intentar dar respostas convincentes a estas interrogações tem suscitado reflexões, tomadas de posições, revoluções e um sem número de ações várias na historia universal, sem que até o momento se tenha superado o problema (porque seguem existindo pobres e ricos todavía, e como vão as coisas, nada faz pensar que isso vá desaparecer a curto prazo).

Enquanto houver uma injusta, uma inadequada repartição do produto social, haverá pobres. Isto é: os pobres se definem em relação a seus contrários. Ainda que possa parecer um jogo de palavras (mas não o é, por certo), é especialmente reveladora essa oposição: Existem pobres enquanto houver ricos, existe quem tem menos (estão carentes) enquanto existirem outros que tem em demasia (lhes sobra).

Por que a alguns lhes sobra e a outros lhes falta? Este é o núcleo do eixo para entender o fenômeno da pobreza: Existe quem tem pouco porque outros possuem demais.

Entendido assim, então, a pobreza é um fenômeno inteiramente humano, social. Não tem comparação no campo natural, não depende de nenhum determinante físico-químico. Insistimos com o conceito: a pobreza não se define pela quantidade de riqueza que se lhe opõe senão pela qualidade de sua distribuição. Um rei, mesmo em uma tanga, é rei, é rico, comparado com seus súditos. E a partir de uma visão de mundo diferente, um asceta anacoreta em sua reclusão voluntária, ainda que quase não coma nem tenha acesso aos prazeres da vida mundana, em sua riqueza espiritual se sente infinitamente mais rico que o mundano comum. Desde onde e como “medir” a pobreza então?

III

Hoje em dia, totalmente envoltos por uma lógica mercantilista, por uma cultura do consumo a qualquer custo (capitalista, para dizer-lo sem tanto rodeio), entendemos o conceito de pobreza em relação indissolúvel com a carência de recursos materiais.

Desde já, essa noção é correta em um sentido: com o auge espetacular da produção, mercê à revolução científico-técnológica posta em marcha há um par de séculos e nunca mais detida, sempre mais rápida e em perene expansão, a dinâmica generalizada se resume no ter, no consumir. O sentido implícito do processo de humanização, do progresso, é ter coisas materiais. A vida termina valorizando-se em termos de objetos; se é, o que se tem.

Nesse cenário imposto desde que a economia capitalista européia começou a expandir-se pelo mundo, atualmente globalizado e entronizado com uma força desconhecida anteriormente na história, ser pobre significa não dispor de todas as coisas que a produtividade humana moderna pode oferecer. Civilizações agrárias milenares, que lograram desenvolvimentos fenomenais em termos culturais (a hindu, as americanas pré-colombinas, a chinesa) passam a ser pobres frente à avalanche modernizadora de oferta de bens. Surge aí o mito do “desenvolvimento”, e seu contrário: o “subdesenvolvimento”'.

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Não cabe nenhuma dúvida que a forma em que se vai construindo a sociedade global entre desenvolvidos e subdesenvolvidos é, além de injusta em termos éticos, absolutamente insustentável como projeto humano. Não é aceitável, mas muito menos é viável no tempo e em relação aos recursos que proveem a natureza, um modelo de organização social onde 20% da população humana consome 80% de toda produção.

Ligando a pobreza a esta visão fundamentalmente material, é descaradamente real que a brecha entre “ricos desenvolvidos” e pobres "em vias de desenvolvimento” cresce. Se o sonho de progreso científico-técnológico que iludiu cabeças e corações em pleno auge positivista, no início da expansão do modelo capitalista, fez albergar expectativas de uma paulatina, e finalmente total, extinção da pobreza no mundo, hoje, ainda mais com as tendências neoliberais, triunfantes neste momento, se vê que essa prosperidade universal está muito longe de alcançar-se. Pelo contrário: a brecha entre ricos e pobres (entre Norte desenvolvido e Sul subdesenvolvido, assim como entre estratos beneficiados e postergados no interno de cada estado nacional -fenômeno mais especialmente acentuado no Sul), cresce. Dito de outra maneira: a pobreza cresce. O mais descaradamente ainda: os pobres de carne e osso crescem. De três nascimentos que se produzem por segundo no mundo, dois deles tem lugar em um bairro marginal de alguma atestada macro cidade do Terceiro Mundo.

No ano de 1820 os 20% mais ricos do planeta tinham 3 vezes mais que os 20% mais pobres; para 1913 esses 20% mais ricos ganhavam 11 vezes mais que os 20% mais pobres. Em 1997, com um crescimento descomunal da produtividade em termos históricos, os 20% mais ricos tinham acesso 74 vezes maior às riquezas produzidas que os 20% mais pobres. Em países como o Brasil e Guatemala essa diferença era ainda maior, chegando-se ao extremo patético de 120 a 1. Os 6% da população mundial possuem 59% da riqueza total do planeta, e 98% desses 6% da população vivem nos países mais ricos. A população estadounidense, pese o declive que hoje em dia experimenta seu país como unidade nacional (mas não assim suas grandes empresas transnacionalizadas!), consomem o dobro do que consumia na década de 50 do século passado, seu momento de maior auge econômico.

Um filhote de cachorro de uma família média de um país do Norte consome na média anual mais carne vermelha que um habitante do Terceiro Mundo. Um bilhão de pessoas carecem de acesso à água potável,enquanto 1.300 milhões vivem com menos de um dólar por dia. Um bilhão são analfabetos. Era das comunicações, mas a metade da população mundial esta a não menos de uma hora a pé do telefone mais próximo. Segundo estatísticas de organismos internacionais, o custo anual adicional para se ter acesso universal aos serviços sociais básicos em todos os países em desenvolvimento seria de 15 bilhões de dólares americanos (educação básica, água e saneamento para todos) enquanto nos Estados Unidos se gastam 8 bilhões anuais em cosméticos, e 11 bilhões são gastos anualmente na Europa em sorvete.

Segundo dados das Nações Unidas, o patrimônio das 358 pessoas cujos ativos excedem 1 bilhão de dólares -que podem caber em um Boeing 747- supera o ingresso anual combinado de países em que vivem 45% da população mundial.

Não cabem dúvidas: lamentavelmente, pese à "cooperação ao desenvolvimento" (?) existente, a pobreza cresce. Vale acrescentar como fato não menos arrepiante, que em 50 anos de “cooperação” que o Norte vem implantando com o Sul, desde a já lendária Aliança para o Progresso do presidente John Kennedy nos anos 60, nem um só pobre no mundo deixou de ser tal graças a estes mecanismos de solidariedade(?), o que mostra que essas políticas não são senão outros tantos instrumentos de controle social.

Além de constatar-lo pelos dados anteriores (por si arrepiantes), podemos ver esse crescimento da pobreza com outros indicadores (não menos alarmantes): no planeta, e fundamentalmente na área desenvolvida, se destinam mais de 500 bilhões anuais para drogas (segunda atividade econômica da espécie humana na atualidade) e mais de um bilhão anual (mais de 30.000 dólares por segundo) a gastos militares (o item mais rentável). Que se gastem essas cifras astronômicas em sorvetes, cosméticos, drogas e armas também nos diz: a pobreza cresce (e não necessitamos ser o ermitão asceta para entender o que isso significa!).

IV

Estamos frente a um prejuízo, hoje já globalizado, onde a ideia de desenvolvimento está ligada indissoluvelmente ao progresso material. Grandes culturas da história, com enormes avanços tecnológicos, com profundos ensinamentos morais, meio ambientais, com reflexões acerca do fenômeno humano de grande valor, como o dizíamos mais acima, postas em comparação com o padrão tecnocrático-econômico que rege atualmente o mundo, aparecem como atrasadas, pobres. O são, segundo esse critério, porque não tem seguido o ritmo de crescimento tecnológico e de acumulação de riquezas que se deu na Europa. São “pobres” a tragédia grega, a cosmovisão maia, a arte chinesa, a filosofía budista?

Poderíamos, com uma atitude serena e objetiva, atrever-nos a seguir chamando pobre a uma cosmovisão que põe o acento no equilibrio ser humano/meio ambiente (como por exemplo a dos povos americanos tradicionais) quando vemos o disparate ecológico que tem causado o desenvolvimento industrial, com níveis de degradação do planeta por falta de previsão e o desejo doentio de lucro beirando à insanidade? Onde está aí a riqueza?

Poderíamos, com uma atitude serena e objetiva, atrever-nos a seguir chamando pobre à civilizações que não necessitam de um consumo cada vez mais massivo de narcóticos para fugir de suas realidades como sucede nos países industrializados? Onde está é aí a riqueza?

E qual é a riqueza que nos propõe o modelo de consumo desenvolvido? Fundamentalmente isso: consumo! Consumo como motor da vida, consumo pelo consumo mesmo. Seu arquétipo é um cidadão tranquilo, que não protesta (que tampouco desfruta a tragédia grega nem a arte chinesa), sentado diante da tela da televisão (Hollywood, Walt Disney?), tomando Coca-cola e usando seus cartões de crédito. Essa é a riqueza? Vale dizer que tudo isso logo se tem que pagar, e hoje vemos, com a crise galopante do império maior do capitalismo, por onde vão as coisas: a dívida é materialmente impagável, tanto a pública como a privada (cada cidadão estadounidense tem em média 5 cartões de crédito e 7.000 dólares de dívida). Onde está a riqueza?

Por certo que não se pretende transmitir uma ideia ingenuamente bucólica de civilizações não-ocidentais pré- industriais; desde já que a qualidade de vida que a tecnología nos pode proporcionar (água potável, saneamento ambiental, mais e melhores alimentos, educação para todos, comunicações, mais tempo livre, etc.) é fabulosa, e por certo há que bendizer-la. As comunidades hippies de não-consumo, enquanto ilhas alternativas em meio da voragem moderna, são insustentáveis (a história o demostrou). O que deve ser posto em debate -debate que, por certo, já está aberto, e deve seguir alimentando-se, é a ideia de riqueza que os modelos modernos e pós-modernos nos oferecem.

A riqueza não pode ser somente consumir. Gastar quantidades impressionantes em sorvetes, animais de estimação, cosméticos ou drogas junto a gente que come uma vez por dia, ou não come, não constitui nenhuma riqueza em termos humanos. Fala, em todo caso, de modelos de desenvolvimento, de visões de vida e de projetos de ser humano que evidenciam, fundamentalmente, uma pobreza existencial profunda (alarmante, sombría). Se essa é a riqueza que nos oferece o pós-modernismo (cada um com seu próprio veículo, consumindo refrigerantes e hamburger -ou drogas!-, e com o lap top até para ir ao banho), se a profundidade da tragédia grega foi substituída por King Kong e a profundidade dos sistemas de pensamento orientais deram lugar aos livros de autoajuda realmente, como disse Saramago, nós merecemos desaparecer como espécie.

Desde já o problema da pobreza não é uma questão de atitude moral, de caridade para com o despossuído. Exércitos de Madres Teresas e de voluntariados (tão em moda hoje em dia) não alcançam; nem sequer servem para fazer cócegas ao problema. O tema da pobreza é claramente uma das perguntas medulares que atravessam a história humana. Que sua resposta deve ser difícil o evidencia o estado atual do mundo: cada vez mais armas, mais sorvetes e mais cosméticos, e cada vez mais pobres (e não só os que não comem; também os que não sabem o que fazer com o tempo livre.... consumir Hollywood, ou videogames? Drogas talvez?). A pergunta em torno à pobreza é uma interrogação sobre a condição humana mesma. Por que nos resulta tão tentador deixarmo-nos seduzir pela Coca-cola e os hamburgueres? Tão pobres somos?

Lutar contra a pobreza implica, como mínimo, repartir mais equitativamente os produtos do trabalho humano (luta política fundamentalmente -que indiretamente inclui o militar, continuação da política por outros meios-). Mas também implica não deixarmos de fazer essas perguntas que calam ao mais fundo de nossa existência. Digamos  com um exemplo: a população da Europa do leste, ainda na era do “socialismo real”, ajudou a fazer cair o muro de Berlín fascinada pelo videocassete ou a calça de vaqueiro que suas economías não lhes provinham. Hoje se lamentam do perdido, e em cada ocasião que tem, manifestam sua ansiedade pela segurança material mínima que já não podem ter. Então, complementando a pergunta anterior, deve-se adicionar -para se perguntar com a mesma força-: por que nos seduzem tanto os chocalhos da cobra? 

sábado, 6 de agosto de 2011

até na Avaaz: Ameaça à Internet no Brasil

Avaaz.org - The World in Action Caros amigos de todo o Brasil, 
Na semana que vem, o Congresso poderá votar um projeto de lei que representa um golpe contra a liberdade da internet dos brasileiros. A pressão da opinião pública barrou o projeto de lei em 2009 e nós podemos fazer isso de novo. Vamos usar a web para derrotar esse projeto de lei! Envie agora mesmo uma mensagem aos parlamentares sobre o assunto:
Na semana que vem, o Congresso poderá votar um projeto de lei que restringiria radicalmente a liberdade da internet no Brasil, criminalizando atividades on-line cotidianas tais como compartilhar músicas e restringir práticas essenciais para blogs. Temos apenas seis dias para barrar a votação.
A pressão da opinião pública derrotou um ataque contra a liberdade da internet em 2009 e nós podemos fazer isso de novo! O projeto de lei tramita neste momento em três comissões da Câmara dos Deputados e esses políticos estão observando atentamente a reação da opinião pública nos dias que antecedem à grande votação. Agora é nossa chance de lançar um protesto nacional e forçá-los a proteger as liberdades da internet.
O Brasil tem mais de 75 milhões de internautas e se nos unirmos nossas vozes poderão ser ensurdecedoras. Envie uma mensagem agora mesmo às lideranças das comissões de Constituição e Justiça, Ciência e Tecnologia e Segurança Pública e depois divulgue a campanha entre seus amigos e familiares em todo o Brasil:
http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet/?vl
O projeto de lei do deputado Azeredo sobre a internet supostamente teria o objetivo de nos proteger contra fraudadores e hackers. Porém, como alguém que faz uma cirurgia com uma motosserra, as normas excessivamente cautelosas impostas pelo projeto de lei trariam altíssimos custos sem de fato cumprir seu objetivo. Em vez de capturar os verdadeiros criminosos, elas penalizariam todos nós. Por esse motivo, até mesmo o importante site anti-pedofilia, o SaferNet é contra o PL Azeredo.
Se esse projeto de lei for aprovado, nossa privacidade e liberdade de expressão, criação e acesso on-line ficarão gravemente limitadas. Pior que isso, os provedores de internet que mantêm informações detalhadas sobre nosso histórico de navegação na internet passarão a ser “policiais virtuais” monitorando os usuários a todo momento.
O projeto de lei tem circulado em Brasília por mais de uma década, e a pressão da opinião pública já o derrotou antes. Em 2009, uma consulta pública sobre o “Marco Civil da Internet” barrou o andamento do projeto. Mas alguns meses atrás, o deputado Azeredo tentou apressar a aprovação no Congresso, usando os ataques de crackers aos sites do governo como desculpa. Um novo Congresso e uma maior conscientização sobre as amplas implicações do projeto de lei significam que nossas vozes poderão fazer a diferença. Envie agora mesmo uma mensagem às lideranças na Câmara:
http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet/?vl
Infelizmente, o PL Azeredo não é a única lei desse tipo. Em todo o mundo, na Índia, Turquia, Estados Unidos e outros países, a liberdade da internet está sob ataque promovido por iniciativas similares. Mas os membros da Avaaz nesses países estão se mobilizando. Vamos fazer a nossa parte neste movimento popular global em defesa da web barrando o PL Azeredo.
Com esperança,
Emma, David, Ricken, Maria Paz, Giulia, Rewan e a equipe da Avaaz
FONTES:
Petição do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, instituição parceira da Avaaz:
http://www.idec.org.br/campanhas/facadiferenca.aspx?idc=24
Liberdade de internautas no Brasil pode estar com os dias contados (Portal Imprensa):
http://portalimprensa.uol.com.br/noticias/brasil/43707/liberdade+de+i...
Entenda o que é o marco civil da internet (UOL):
http://tecnologia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/09/ente...
'AI-5 digital' volta a circular no Congresso (Rede Brasil Atual):
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/tecnologia/2011/06/ai-5-digit...
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