terça-feira, 30 de março de 2010

O poder da mídia tradicional

Por Venício A. de Lima [Terça-Feira, 30 de Março de 2010 às 13:12hs]


Tenho recorrido com freqüência neste Observatório ao conceito grego de hybris (ou hubris) para me referir a uma constante do comportamento de jornalistas que revelam "confiança excessiva, orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência".

Escrevi ainda em fevereiro de 2007 que "a imprensa (mídia) não gosta e, muitas vezes, não admite, ser criticada. Embora a crítica seja a sua tarefa preferida, ela não suporta delegar ou reconhecer que outros possam ter o mesmo direito, sobretudo se a crítica se refere à sua própria atuação. Em geral, a imprensa e os jornalistas padecem do mal que os gregos clássicos consideravam o mal maior, a hybris, isto é, a soberba, a arrogância. Não reconhecem suas limitações e se colocam acima do bem e do mal" (ver "Tempo de avançar o debate sobre a mídia").

Constato tardiamente que ao lado da hybris – ou seria apenas um de seus componentes? – jornalistas famosos, em situações nas quais são chamados a prestar depoimentos sobre sua experiência profissional, recorrem à falsa modéstia que logo revela sua verdadeira natureza, bastando para isso que alguém questione mitos nos quais sua postura se apóia.

O momento de intensas mudanças pelo qual passam a mídia e a prática profissional do jornalismo é extremamente propício a esse tipo de comportamento.

Jornalismo online vs. jornalismo impresso
A crise universal da mídia impressa nos autorizaria a afirmar que ela já acabou, é coisa do passado? A expansão avassaladora da internet significa que não se deve mais dar importância ao que a mídia impressa publica? O número de acessos individuais a sites e/ou blogs é comparável, sem mais, à tiragem e à circulação de jornais? A mídia tradicional – jornais, revistas, rádio e televisão – "não faz a cabeça de ninguém" e hoje o que de fato interessa são os jornais eletrônicos, blogs, sites de notícia, sites de relacionamento e as redes sociais?

As assessorias de comunicação social devem canalizar todos os seus recursos orçamentários para as "novas mídias" (incluindo a criação de redes de relacionamento), ignorar a velha mídia e se escorar exclusivamente na chamada "mídia espontânea"?

Jornalistas que, por uma razão ou outra, migraram precocemente para os blogs – temáticos e/ou genéricos – e optaram por abandonar a mídia tradicional, logo se surpreenderam com o elevado número de acessos individuais a seus blogs e à oportunidade que a interatividade da internet permite de correção ou acréscimo de informações depois que a notícia já está "no ar". Logo concluíram, sem mais, que a sobrevivência da mídia tradicional é apenas uma questão de tempo: ela já acabou e ainda não se deu conta disso.

"Pioneiros" da blogosfera afirmam que fizeram a mudança por intuir que o jornalismo tradicional havia chegado ao fim. Apesar de não serem acadêmicos e de serem apenas e tão somente intuitivos – desconhecedores, inclusive, de muitos dos recursos que a tecnologia lhes oferece – se aperceberam da nova realidade, faz tempo. Segundo eles, não partilhar essa visão revelaria a incapacidade de enxergar o que de fato está acontecendo diante de seus olhos.

Recurso à "ciência"
Se perguntados, todavia, sobre o papel dessa mídia tradicional, por exemplo, em relação ao assassinato de reputações – pessoais e/ou institucionais; à formação da opinião pública – por omissão ou manipulação –; à construção da agenda pública de debates e ao processo eleitoral, a coisa muda de figura. A falsa modéstia da intuição desinformada cede lugar a uma enxurrada de números e percentagens "científicos", oriundos de pesquisas sempre realizadas por instituições credenciadas em outros países, os Estados Unidos, de preferência.

Os até então intuitivos não acadêmicos recorrem a referências "científicas" que atestariam, há mais de 70 anos, o fato de a mídia tradicional "nunca ter feito a cabeça de ninguém". Ao contrário, ela apenas reforça as opiniões e os comportamentos preexistentes. Vale dizer, a mídia tradicional nunca teve a importância que se atribui a ela, especialmente, aqueles – os acadêmicos desinformados – que estão distantes da prática profissional.

O novo e o velho

Além de revelador de uma falsa modéstia oportunista, o comportamento descrito acima faz evocar o que também já tive a oportunidade de afirmar por diversas vezes neste OI. Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária uma pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição que a mídia vive no Brasil a idéia gramsciana de que "o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece".

(A frase original correta é: "A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece"; ver "O novo nasce, o velho ainda resiste".)

Um dos riscos que se corre, enquanto não se completam as intensas mudanças pelas quais passa a prática profissional do jornalismo, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios.

Não reconhecer essa realidade pode fazer bem ao ego insaciável de uns poucos blogueiros pioneiros, mas está longe de contemplar a verdade do que ainda ocorre no Brasil de nossos dias. A mídia tradicional continua exercendo um poder importante demais para ser simplesmente ignorado.

quinta-feira, 25 de março de 2010

LIMITES DA INTELIGÊNCIA

A ordem unida emanada da reunião da imprensa de direita promovida pelo Instituto Millenium (Folha, Abril, Globo etc.) em São Paulo no início de março é: destruir Lula em textos e imagens de forma sistemática e atingir seu poder de transferir votos. Um dos alvos, como se expôs, é o envolvimento de Lula na questão dos “direitos humanos em Cuba”. Mas as possibilidades são infinitas. Seguem-se dois exemplos recentes da mais elaborada prática da LTI pela Folha.

A Folha noticiou, na edição em papel de 15 de março de 2010, a publicação, pelo Centro e Pesquisa e Documentação de História Contemporânea , da FGV, da terceira e mais recente versão do “ Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro”. Duas edições anteriores foram publicadas em papel em 1983 e 2001, esta em cinco volumes. A edição digital atual dá direito a acesso gratuito pela internet e traz 6.620 verbetes com biografias de personagens e temas relevantes da política nacional de 1930 a dias próximos aos atuais. Uma obra profissional essencial, atualizada e insubstituível para acadêmicos, estudiosos, pesquisadores, políticos, leitores e eleitores.

A notícia da Folha, em seus 36 cm de coluna de texto, na página A9, só aborda o tema do título: “Mensalão do PT é citado em dicionário da FGV”. O jornalista da sucursal do Rio autor da matéria (omito seu nome em respeito aos seus familiares) tem carreira promissora e garantida pela frente.

O outro exemplo é mais ardiloso, e a autoria, mais ilustre: artigo de fundo na página A3, área de Opinião, edição de 18 de março de 2010, assinado pela presidente da Associação Nacional de Jornais e diretora-superintendente da empresa que edita a Folha. O título é inocente: “Dois jornalistas”. Um deles é o recém-falecido Glauco, celebrado e digno cartunista e artista. O outro é o citado criminoso comum Guillermo Fariñas, agora transformado em “mártir da liberdade de expressão” em Cuba. Lá pelo meio do artigo, a parte esperada: “No entanto, a respeito da grave situação em Cuba, o presidente Lula declarou que as prisões são feitas com base na lei cubana [...]”. Podia-se ter evitado o uso do nome de Glauco para dar seguimento à operação da campanha suja.



A falsificação não é privilégio dos nazistas nem da LTI, que se espalha como tsunami pela imprensa nacional depois de dominar a grande mídia dos EUA. E, ao contrário da inteligência, sujeita a limites, a estupidez é ilimitada, omnipresente e eterna.


http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1451

Marjah, Word War e LTI -MARJAH e MOSHTARAK -Chico Villela

Colaboração de Marise no Portal Luis Nassif

A  operação Moshtarak 

A operação militar dos aliados em Marjah foi concebida e divulgada como o modelo da “nova guerra” do comandante das forças dos EUA e da OTAN, general Stanley McChrystal, que a impôs ao presidente BHObama. Marjah situa-se em região afegã em que se planta muita papoula, matéria-prima para fabricação de uma cadeia de drogas e aplicações. O Taleban domina em algumas áreas e tem forte presença e apoio da população: 92% dos habitantes da província de Helmand são da etnia pashtun, 40% da população do país e base do Taleban.

A megaoperação, com cerca de alguns milhares de tropas (as citações giram em torno de 15 mil) e entre elas e pela primeira vez contingentes do novo exército afegão, apoio aéreo e armamento pesado, assessores para dezenas de temas e delegados do governo, visava a limpeza (cleaning) da cidade, a expulsão ou morte dos insurgentes e o estabelecimento do poder do governo central com seus organismos. Uma das grandes questões da guerra, para o Pentágono,  é o retorno do Taleban, a áreas das quais foi afastado, após a retirada das tropas invasoras.

 

A primeira operação

Em 26 de março de 2009 uma grande operação, Aabi Toorah,  havia sido realizada na região de Marjah, como noticiou o Defence - News, parte do site do Ministério da Defesa britânico. A matéria traz descrição militar técnica detalhada da operação, retrata os movimentos de tropas e armamentos, e em nenhum momento faz referência a uma cidade: trata-se de uma área rural e de uma operação em campo aberto.

A operação Moshtarak serviria para mostrar que: os invasores podem vencer a guerra; o Taleban pode ser expulso das regiões em que detém controle; o governo afegão pode funcionar em lugares em que mostra rara presença; a população afegã pode confiar nos invasores amigos; enfim, que o general McChrystal (do qual se fala como possível candidato do stablishment a presidente nas próximas eleições) é grande estrategista e pode conduzir a permanente política de guerra dos EUA a bom termo. Como objetivo mais elevado, serviria também para alterar a percepção da população dos EUA e de países aliados sobre o desenrolar da guerra.

Uma das diretrizes centrais era e é a tentativa de evitar mortes de civis, que vêm ocorrendo ininterruptamente desde 2001, com maioria de mulheres e crianças, e que sabidamente indispõem a população contra os aliados e fornecem combatentes ao Taleban, muitos deles pagos para combater. Alguns percalços imediatos abalaram a diretriz, como se pode ver aqui.

Para dar magnitude à nova investida, a imprensa foi chamada a colaborar na divulgação dos pontos de vista das forças de ocupação. A expressão “foi chamada” é eufemisno: a imprensa grande sistematicamente reproduz os pontos de vista dos comandantes militares em sua cobertura de eventos de guerra. Há os repórteres embedded, que acompanham as tropas e vivem com elas, mas suas matérias devem ser aprovadas pelos superiores militares, e assim só podem expressar os pontos de vista e as rígidas diretrizes sobre informação do Pentágono.

 

A falsificação desvendada

Como relata Porter, no dia 2 de fevereiro oficiais da base dos marines na região, em entrevista publicada pela Associated Press, afirmaram esperar combater entre 400 e 1.000 insurgentes na “cidade do sul afegão de 80.000 habitantes”. A Associated Press (AP) vai além: Marjah seria “a maior cidade sob controle do Taleban”, o “ponto central da rede logística e de tráfico de ópio dos militantes”. A AP fornece o número de 125.000 habitantes para a “cidade e vilas anexas”.

A partir daí, o clima de exaltação à operação experimenta consolidação e crescimento, abastecido sempre por informações militares oficiais. O canal ABC News no dia 3 seguinte anuncia que a “cidade de Marjah e seus arredores são densamente povoados, mais urbanos e densos que qualquer outro lugar que os marines tivessem sido capazes de ‘limpar e reter’” (clean and hold). No dia 5 de fevereiro o Guardian londrino falava coisas como “a evacuação de muitos civis da cidade de Marjah e áreas periféricas” e noticiava que milhares de moradores “fugiam da cidade” para a capital da província, Lashkar Gah, e para a segunda maior cidade do país, Kandahar.

Em 9 de fevereiro a revista Time registra a “cidade de 80.000”; no dia 11, é a vez do Washington Post reproduzir a falsificação. No dia 14, um dia após o início da operação Moshtarak, o porta-voz dos marines afirmava que as tropas já estavam “na maior parte da cidade”, e que o inimigo ainda dominava “algumas vizinhanças”. A CNN no dia 15 citava no mesmo artigo a “região de Marjah” (duas vezes) e a “cidade de Marjah” (uma vez), sem qualquer esclarecimento pelo equívoco. Tardiamente, quando a mídia já havia parado de citar a cidade, o The New York Times de 26 de fevereiro ainda falava da “cidade de Marjah, de 80.000 habitantes”.

Uma chamada no seu buscador internet (o Google forneceu 76.300 opções) com os nomes-chave ‘Marjah’ e ‘Moshtarak’ fornecerá milhares de opções, boa parte com mídias e sites e esses números apresentados.  

O Instituto para o Estudo da Guerra, um think tank dos EUA que se apresenta como independente e não lucrativo, composto na maioria por ex-militares de patente e estudiosos acadêmicos afinados com o Pentágono, em 11 de fevereiro, dois dias antes do início das operações, trouxe artigo de Jeffrey Dressler com afirmações e dados que corrigem mas confirmam as falsas informações da imprensa.

“A missão é retomar a cidade de Marjah na província de Helmand, uma fortaleza Taleban e centro da rede de ópio”. Cita 15.000 tropas envolvidas. “A cidade de Marjah situa-se no sul do distrito de Nadi Ali. [...] Marjah está a 25 milhas [40 km] a sudoeste da capital provincial Lashkar Gah. Relatos da imprensa sugerem que Marjah abriga de 50.000 a 80.000 habitantes, mas eles parecem se referir ao distrito inteiro de Nad Ali. A população da própria Marjah e vilas periféricas é certamente menor que 50.000”.

Na segunda semana pós-invasão, o site oficial das forças invasoras apontava que os moradores da “região” recebiam as tropas como uma “nova aurora”. O Times online de 20 de fevereiro reproduzia a voz de um tropa afegã: “Nada vai me dar mais prazer que combater o Taleban” . E acrescentava: “The police will be the first taste of civilian government that Marjah’s 80,000 residents have had in years”.

A BBC (18/2), que expressa a voz do governo britânico sob o manto de ‘independência’, expõe boa parte das questões. Afirma: “A ofensiva conjunta envolve forças americanas, canadenses, britânicas, dinamarquesas e estonianas”. Mais adiante: “Analistas afirmam que [a operação] coroa a nova abordagem de ‘contrainsurgência’ do comandante general Stanley McChrystal. A população local foi avisada sobre o que viria e, assim, poderia proteger-se e ficar longe da batalha”.

Em termos práticos, os agricultores que não fugiram não devem nem podem sair de suas casas para trabalhar: podem ser confundidos com combatentes talebans. O que se sabe é que os moradores de Marjah estão furiosos com a nova aurora; perdem colheitas e equipamentos, vêem familiares e próximos serem mortos, vivem sob ameaça e terror. Não é possível ficar longe da batalha: a guerra está na porta de casa.

 

 

Em língua portuguesa

  Apenas mais um exemplo do exterior: o site O Diário, de Angola, sem data visível, registrava: “O porta-voz do governador de Helmand, Daud Ahmadi, explicou que as forças internacionais e afegãs capturaram até agora 2500 quilos de explosivos no âmbito da ofensiva ‘Operação Moshtarak’ contra a localidade de Marjah, com 80 mil habitantes e onde se escondem centenas de rebeldes”.

Em 14 de fevereiro o Estadão noticiava, sob o título “Ofensiva da OTAN em Marjah pode levar semanas”:  “O general Larry Nicholson [...] afirmou que pode levar semanas para que a ofensiva ]...] tome o forte do grupo fundamentalista Taleban na cidade de Marjah”. A cidade havia se tornado fortaleza.  Uma semana depois, 21, a notícia era: “Ofensiva em Marjah pode levar meses, diz OTAN”. A notícia jogava a vitória para o futuro e não falava mais em cidade, só em região. Mas traz dado interessante: “Representando um golpe para a Otan, o primeiro-ministro da Holanda disse hoje que os 1,6 mil soldados holandeses deixarão o Afeganistão provavelmente este ano, em consequência da oposição doméstica à presença das forças do país no Afeganistão”.

Mas o troféu de hilaridade fica, como é de esperar, com a Folha, que trouxe dia 25 de fevereiro (negrito meu) em seu portal: “A bandeira do Afeganistão foi hasteada nesta quinta-feira em sinal de vitória contra os talibãs em Marjah, sul do Afeganistão, epicentro da ofensiva 'Mushtarak’”.

É a rendição total da cidade de Marjah, fortaleza (general Larry Nicholson) e epicentro (jornalista Otavio Frias Filho), a Marjah que, como a batalha de Itararé e o detetive Bill Ferrer, nunca existiu. E a Folha, sem o saber, já havia mostrado a contrafação, na segunda foto da  Folha online de 13 de fevereiro, com a legenda: “Afegão observa chegada das tropas internacionais de sua casa, na cidade de Marjah, cenário de ofensiva”.

Não há cidade.

 

WORD WAR

 
Estranhezas e deslizes imperiais

Há algo de aparência inacreditável nessa falsificação pública de uma realidade facilmente decifrável, e a explicação só pode ser buscada  na consideração do jogo atual de forças e prepotências e no papel da informação e da imprensa ocidental com relação ao império. É inaceitável, dada a importância e a envergadura da operação, que nenhuma grande mídia tenha enviado ao menos um repórter à fictícia cidade de Marjah. Mais estranho ainda é que essa mesma grande mídia sequer tenha tido a curiosidade de consultar fontes.

Nem que fosse a corriqueira e popular Wikipedia, para constatar que a capital da semi-desértica província de Helmand (1 milhão 400 mil habitantes, uma das 34 províncias do país de 32 milhões de membros de várias etnias), a cidade de Lashkar Gah,tem 200.000 habitantes, e que as duas outras cidades citadas no capítulo Districts são Sangin, com 14.000 habitantes, e Musa Qala, à qual é atribuído um máximo de 20.000 habitantes.  Sangin e Musa Qala, centros dos distritos de mesmo nome, são as duas únicas cidades chamadas capitais dos distritos. Ainda na Wikipedia, dos 13 distritos da província de Helmand, 4 têm menor população que a atribuída à cidade de Marjah; e 3 deles, Washir, Dishu e Kanashin, abrigam 31.500, 29.000 e 17.500 habitantes. A região de Marjah nem sequer é considerada distrito, pertence ao distrito de Nad e-Ali, o mais populoso.

A mesma Wikipedia, no verbete recente Marja, apesar de se confundir chamando Marja de district, mas inserindo a região no District of Nad e-Ali, informa corretamente a população entre 80 mil e 125 mil habitantes espalhados por área de duas centenas de quilômetros quadrados. O verbete cita os artigos de Gareth Porter e Jeffrey Dressler.

A falsificação tem como pano de fundo a necessidade de apresentar a vitória de Marjah como uma nova face da guerra: eficaz, eficiente, humana, voltada para o desenvolvimento do país, o fortalecimento do governo e a consolidação da democracia, e o país finalmente livre dos combatentes que resistem aos invasores e ameaçam a estabilidade regional e a segurança do império.

O Pentágono e o governo BHObama acham-se empenhados em alterar a percepção sobre a guerra, tanto da parte dos afegãos, quanto, e principalmente, dos cidadãos dos EUA, crescentemente em oposição à sua aventura afegã, em consonância com a maioria dos públicos dos países europeus envolvidos na ocupação.

A produção de informação sobre guerras há muito deixou de ser atribuição da grande imprensa, que se limita a reproduzir de forma acrítica e automática as fontes oficiais e agências e fazer circular fiapos de verdade em meio a montanhas de contrafações organizadas e sujeitas a normas elaboradas por variados especialistas. Extremo cuidado é dedicado ao uso de palavras e suas repercussões emocionais e psicológicas; palavras-chave e conceitos atuais: terrorista e terrorismo, Al Qaeda, direitos humanos, combatente inimigo, suspeito, comunismo, democracia, liberdade, stalinismo, fanatismo, etc. Paz não faz parte de nenhuma lista, nem se fala de paz hoje.

 

País amigo

Aos países amigos jamais se atribuem certas características sempre apresentadas como exclusivas dos inimigos. Não que, por exemplo, a Arábia Saudita não seja uma espantosa  e assassina ditadura de cortes de partes do corpo de vítimas e mutilações variadas, das mais repressivas da história, que chega a requintes de, por exemplo, mulheres não poderem dirigir autos e serem obrigadas a pedir autorização a seus mandantes masculinos até para ir ao médico.

A sua exposição na mídia inexiste com  essas características: a vaga é ocupada sempre e todo o tempo pelos inimigos Irã, Cuba, Mianmar, China, Cuba, Cuba, Cuba,  etc.  A falsificação da informação é acompanhada pela exposição também falseada. Já antigos inimigos que entram em acordo com o império e seus aliados desaparecem: após acordo com os EUA, o enlouquecido ditador líbio Muammar al Khadafi há anos sumiu do noticiário. A exposição excessiva de aspectos do inimigo e a supressão sistemática dos aspectos próprios e dos amigos funciona de forma anestesiante: com a repetição, fixa-se o que se quer.  

 

Cuba e a Folha: Word War em ação

Uma clara amostra desse jogo da mídia, de esconder certas características e ressaltar as que interessam aos seus reais mandantes, vem sendo exposta ao máximo nível de repugnância pela Folha (Estadão também) sobre a questão dos “prisioneiros políticos” cubanos e o comportamento do governo Lula.  Na verdade, a mídia é sócia menor nesse jogo, e  o atual caso cubano é significativo. Desde a visita de Lula precedida pela morte de um dissidente, a Folha insere editoriais, artigos, comentários de colunistas, pequenas notas e reportagens cheias de acusações a Lula e representantes do governo. O objetivo é: atingir Lula e expor a conivência do seu governo com a ditadura cubana e com a “tortura e morte de ‘dissidentes’ em masmorras nas mãos dos carrascos comunistas”.

É sempre preciso ler a grande mídia, disponível na rede em milhares de sites. É preciso ler até mesmo a mídia periférica de tiragem inexpressiva de 300 mil exemplares como a Folha; o país tem 190 milhões de habitantes. A maioria dos “dissidentes”cubanos presos  é composta, ou de criminosos que em qualquer país seria presa, e, em muitos, executada, ou (são 75) de agentes pagos pela CIA para sabotagens e crimes diversos. Esses 75 nos EUA seriam inevitavelmente considerados terroristas e condenados à morte.

Houve processo em 2003, a acusação apresentou documentos fartos da interferência dos serviços de inteligência dos EUA no país. Há uma ditadura hereditária e prisioneiros de consciência em Cuba, e é necessária ação enérgica mundial para abrir as grades. Mas há prisioneiros de consciência em dezenas de países; a única opção possível é uma campanha humanitária mundial. A obsessão com Cuba serve a outros interesses.

Este é o fato omitido sistematicamente: muitos dos ‘dissidentes cubanos’ apresentados pela mídia e pela Folha como prisioneiros de consciência são apenas criminosos comuns ou responsáveis por atos de sabotagem e assassinato. Ingênuo pensar que o bloqueio de 50 anos não tenha sido e seja acompanhado de atos permanentes de destruição, inda mais por se tratar do país que opera a mais letal máquina de guerra e assassinatos da história humana.

O mais conhecido atualmente desses agentes é o criminoso duas vezes condenado por agressão, apresentado como psicólogo e jornalista Guillermo Fariñas, que aliás não é um prisioneiro, vive em sua casa, em mais um de seus jejuns em prol da liberdade. Teve condenação por duas agressões, uma na clínica em que trabalhava, e que afetou severamente o rosto e a saúde de uma mulher. Na prisão, tornou-se um dissidente a serviço; agora, é talvez o único dissidente do mundo que faz protestos profissionais em casa.

 

São todos iguais?

A campanha da imprensa grande nacional, com Folha e Estadão à testa, sobre a pretensa omissão do governo brasileiro com relação à questão cubana é ridícula. Seria até interessante que Lula tomasse a iniciativa de chamar Raul Castro e condenar Cuba pela ditadura de décadas e pela prisão de reais dissidentes políticos, mancha em sua história. Mas junto com isso seria necessário chamar BHObama às falas por sua política (como ele mantém e amplia a política do regime anterior, é agora sua) de tortura sistemática ao redor do mundo, e inclusive na ilha de Cuba. Afinal, por que Lula iria denunciar a tortura de Raul Castro e omitir a de BHObama? Se assim agisse, o governo Lula iria se confundir com a Folha, e isso seria intolerável para ambos.

E há uma diferença fundamental: Raul afirma que em Cuba prende-se, mas não se tortura; há maus tratos, como em qualquer lugar. A afirmação ainda não foi desmentida. BHObama jamais poderá afirmar algo semelhante. O centro de torturas científicas de Guantánamo (Gitmo), localizado na ilha de Cuba, em território cubano apossado pelo governo dos EUA há décadas, fartamente denunciado e documentado (em juízo nos EUA, no Reino Unido, em vários países), é claramente superior aos campos de extermínio alemães em que a tortura era rotina. Os judeus eram exterminados de forma rápida; afinal, eram ‘subhomens’para seus algozes, e havia sempre mais candidatos às vagas.

Já BHObama mantém adultos e jovens presos sem acusação nem culpa formada sob regime de isolamento e tortura há mais de oito anos. E até crianças de creche sabem que a tortura em Guantánamo é científica: há assessores de psicologia, farmacologia, medicina etc., que elaboram teorias já divulgadas sobre os ‘limites de resistência’ física e psicológica dos prisioneiros. As teorias são testadas e refinadas todo dia com os prisioneiros. A política do governo, além do mais, é ineficaz para os fins a que se destina, a coleta de informação, como apontam especialistas do ramo. Adolph Mengele deve estar rindo em algum lugar. O governo brasileiro é omisso: não denuncia maus tratos a presos em Cuba. E a Folha é omissa também ao esconder as torturas dos seus inspiradores ideológicos. Suas forças se espalham mundo afora, em desaparecimentos, torturas e assassinatos.

 

[As prisões de tortura e extermínio dos EUA espalhadas pelo mundo e em navios e bases são um mundo masculino; as mulheres, poucas, que habitam esses territórios insurgentes lá nos seus países são mortas. Uma das mais refinadas técnicas de tortura de Gitmo é prender um homem nu numa caixa pequena e escura em que não tenha a menor capacidade de movimento, e junto com ele na caixa colocar exemplares vivos que lhe sejam pessoalmente repelentes (insetos, baratas, ratos, lagartos, lesmas, taturanas, moscas, vermes... cada pessoa tem os seus) e deixar o rosto e o corpo do homem sujeitos aos seres repelentes, com atenção aos tempos. É bom retirá-lo em um tempo entre o momento em que o homem estaria ‘quebrado’ (a função dessa técnica é ‘quebrar rapidamente’ um homem) e o momento em que, ultrapassado algum  ponto de resistência e horror, ele teria preferido a morte. Impossível não lembrar da sala 101 da masmorra do poder no romance “1984”, de George Orwell, e de suas torturas personalizadas.]



A quem serve tudo isso?

Há prisioneiros políticos, há ditaduras que têm de ser denunciadas e combatidas,  há necessidade de cidadãos organizados na condenação. Mas o uso fraudulento e intensivo de um caso particular entre centenas, em dezenas de países, para atingir ilegitimamente o governo de um presidente eleito duas vezes e aprovado, e também sua candidata, é inequivocamente criminal. A direita e seus candidatos estão em desespero, mas mesmo assim é necessário manter-se em patamares mínimos de civilidade e decência.

O que não transparece desse sórdido noticiário tendencioso é a resposta à pergunta básica: além do óbvio objetivo interno de destruição do governo Lula e de sua candidata, a quem aproveita? A que forças serve essa sistemática falsificação? O governo BHObama, a par de sua fraqueza perante o Great Game e seus mandantes e de seus problemas internos, vem empreendendo investidas que o afastam das práticas fascistas do regime Cheney-Bush. A reaproximação tímida, incipiente e dificultosa com Cuba é um avanço, após mais de 50 anos de bloqueio obsessivo e criminoso à economia, à população e à segurança da ilha.

A Folha não responderia, mas a pergunta insiste: a que interesses superiores e a quais forças organizadas aproveita manter clima de histeria, atrapalhar a normalização das relações entre EUA e Cuba e colocar obstáculos à pessoa de Lula como reconhecido futuro coordenador da nova organização latino-americana sem Canadá e EUA? A Folha talvez ignore, mas BHObama sabe que, logo após a posse, recebeu visitas de altos players de serviços de Inteligência e foi informado de que, se insistisse em levar adiante na justiça a responsabilização de autoridades e operadores pelas torturas empreeendidas em todo o mundo por agentes da CIA e militares, que poderiam envolver centenas de autoridades, agentes e oficiais, sua segurança não poderia ser garantida. BHObama desistiu.

BHObama também sabe que na parede da Sala Oval a partir da qual governa, ou tenta governar, já esteve pendurado um retrato de um presidente que não chegou ao fim do mandato, John Fitzgerald Kennedy. Morreu com tiros na cabeça, talvez pelas mãos das mesmas forças que se opunham, entre outras questões, à normalização das relações com Cuba. Kennedy iniciou negociações após a fracassada tentativa de invasão da baía dos Porcos em 1961, por tropas mercenárias treinadas nos EUA e agentes de seus serviços de Inteligência. A crise dos mísseis posterior com a URSS moveu a questão para outros rumos.

A Folha se insere na corrente contrária à normalização democrática das relações entre os países da América Latina e com os EUA, com suas campanhas antiLula, contra Cuba e Venezuela e seus associados. Com o tempo vem firmando posição e se  transformando numa mídia right-wing nacional, porta-voz principal da direita brasileira e internacional no país.



O jogo do poder e a mídia

O surrado exemplo da falsificação oceânica de informações sobre o Iraque, anterior à invasão de 2003 pelas tropas de EUA-UK, foi de maior magnitude que este recente caso de Marjah;  no entanto, ecoou durante mais de um ano pela mídia, e foi levado inclusive ao Conselho de Segurança da ONU por um secretário de Estado. O azar de Saddam Hussein, e motor da questão, foi governar um país com mares de petróleo: fosse, ao invés, o maior produtor de alfaces do planeta, morreria velho.

Os principais passos foram, e continuam sendo, a difusão de falsas informações (no caso iraquiano, armas de destruição em massa, aliança Al Qaeda-Saddam, busca da bomba nuclear etc.),  a produção de provas falsificadas para lhes conferir sustentação, e a repetição à exaustão pela mídia, e a censura à exposição  das vozes contrárias. Nada que Joseph Goebbels não tivesse ensinado e praticado.

Para muitos analistas (veja centenas de exemplos aqui), é relevante ressaltar, a  manipulação da informação em plano mundial é uma política de Estado. A informação foi, desde o início do século XX, com os bolcheviques e depois os nazistas e os aliados ocidentais, encarada como arma estratégica, e é hoje um item tão importante quanto o número e a qualidade de equipamentos e de tropas em ação num teatro de guerra.

Assim, Porter, como vários dos analistas dos exemplos acima, chama atenção para o fato de, embora registrada a partir de porta-vozes dos marines e das forças conjuntas da OTAN no Afeganistão, essa cadeia de falsificações do caso Marjah ser fabricada nos altos escalões de tratamento da informação do Pentágono. É tarefa de milhares de profissionais de áreas variadas que as planejam, elaboram e difundem pela grande mídia mundial.

Porter cita o Manual de Campo da Contrainsurgência do Pentágono, que prescreve uma atividade central das ‘operações de informação’ em guerras como a afegã: “estabelecer a narrativa da contrainsurgência”. Conforme consta do Manual, a atividade é feita nos “higher headquarters”, comandos mais altos, e não em campo. O Manual acrescenta ainda que o noticiário da mídia “influencia diretamente a atitude de públicos-chave”, e cita “uma guerra de percepções [...] conduzida continuamente com o uso do noticiário da mídia”. Militares costumam falar claro. Às vezes são traídos por coincidências: na sigla tenebrosa brasileira Doi-Codi, Doi significa Departamento de Operações de Informações.

Não existe mais informação sobre guerras: existe a guerra da informação, a Word War. O caso Marjah desvenda, em pequeno véu, acontecências dessa guerra. A Folha mostra outra faceta da mesma guerra.

terça-feira, 23 de março de 2010

Oscar Wilde, dândi imortal - Do Digestivo Cultural



"E lágrimas desconhecidas encherão para ele/ a urna da Compaixão, há muito trincada./ Pois quem o pranteia são homens proscritos/ e esses choram sempre." (Epitáfio sobre o túmulo de Oscar Wilde, transcrição dos versos finais do capítulo IV da Balada do cárcere de Reading)

No dia 30 de novembro fará 110 anos que Oscar (Fingall O'Flahertie Wills) Wilde morreu. Seus 46 anos aparentavam muito mais devido à devastação física, causada pela meningite, e sequelas de uma infecção mal curada. Somadas à solidão, depressão e pobreza, borraram os vestígios do sofisticado dublinense que por quase duas décadas usara a aristocracia vitoriana como pretexto para criticar a superficialidade das relações humanas. Na (re)leitura das suas obras é fácil detectar que seus poemas de estreia têm a originalidade comprometida por uma adjetivação desnecessária, e que a adoção dócil ao esteticismo decadentista da arte pela arte também contribuiu para torná-lo pouco palatável aos leitores. Mas com seu amadurecimento é impossível negar o encanto das peças epigramáticas e não se comover com as reflexões tecidas no fim da vida sobre o desamparo humano diante da tirania do destino.

Objeto de riso nas escolas que frequenta em Dublin e Oxford, por causa dos trajes exóticos e maneiras afetadas, símbolos de uma rebeldia difusa, Oscar Wilde começa a ganhar notoriedade em 1881, quando seus poemas, publicados esparsamente, são reunidos num livro. No ano seguinte, percorre o Canadá e os Estados Unidos fazendo palestras em universidades. Perguntado pelo funcionário da alfândega de Nova York sobre o que tinha a declarar que levava na bagagem, responde: "Nada, a não ser a minha genialidade". Os aplausos para a peça Vera, então em cartaz naquela cidade, aumentam a curiosidade em ouvir o já lendário frasista, mas a imprensa americana o crucifixa por causa da maneira debochada com que trata assuntos que vão da religião à (in)fidelidade conjugal. Os ataques fazem-no reagir com mais irreverência, o que acaba por desgastá-lo, mesmo porque ficara evidente que a suposta originalidade das suas teorias estéticas havia sido bebida nos textos de Mathew Arnold e Walter Pater. Mesmo assim, ao defender a importância da subjetividade na expressão artística e a liberdade na realização pessoal, dá uma contribuição importante ao romantismo, ao utilizá-lo como instrumento de investigação da realidade.

Execrado pelos progressistas, que exigem o engajamento do artista na luta pelas transformações da sociedade, e pelos conservadores, que o acusam de enaltecer uma forma de arte sem apreço pelas tradições britânicas, extasia-se com essa unanimidade. Em 1884, Constance Mary Lloyd, da burguesia londrina, torna-se sua mulher e lhe dá dois filhos, Cyril e Vyvyan, mas Wilde jamais seria um modelo de patriarca vitoriano. As críticas literárias que publica no Pall Mall Gazette, coloridas com deliciosas ambiguidades, trituram tudo o que não exalte o prazer estético, assunto desenvolvido nos instigantes ensaios publicados em 1891 com o título de Intenções, reflexões sobre arte e cultura que nenhuma pessoa instruída pode desconhecer.

A carreira de Wilde atinge o ápice em 1891, com a publicação de O crime de Lorde Arthur Saville e outras histórias e do seu único romance,O retrato de Dorian Gray, cujo sucesso ajudou a promover seus livros de contos infantis, O príncipe feliz e Uma casa de romãs. Dorian Gray é personagem de citação obrigatória quando se discute o tema sempre provocante do homem e seu duplo. Romance de ideias pontilhado de faiscantes diálogos entre o entediado e perverso Dorian ― parente espiritual do "decadente" Des Esseintes, o sombrio personagem criado por J.K. Huysmans no romance Às avessas ― e seus amigos Harry e lorde Henry, é a história de um aristocrata jovem e bonito que não envelhece, enquanto seu retrato sofre repugnantes metamorfoses até se tornar num monstro horrendo. Metáfora da decomposição dos valores éticos de uma sociedade paralisada por convenções hipócritas, é também uma espécie de epifania ao contrário: quando Dorian morre, ao retalhar o retrato, este readquire os belos traços da juventude, enquanto o personagem transforma-se num ancião deformado.

Wilde escreveu duas tragédias históricas para o palco. A duquesa de Pádua, de 1892, é mal recebida pelo público e pela crítica, e Salomé, em um ato, nem chega aos teatros ingleses porque a legislação proibia peças inspiradas em personagens bíblicos. Escrita em francês, a peça estreia em Paris em 1894, com Sarah Bernhardt encarnando a voluptuosidade gelada da cruel dançarina. O período mais prolífico e rico da sua carreira teatral vai de 1892 a 1895: nele foram encenadas O leque de Lady WindermereUma mulher sem importância algumaO marido ideal e a obra-prima A importância de ser prudente, que J.B. Priestley chama de "um presente ao mundo do espírito irlandês".

O público delira com seu sarcasmo especulativo, embora parte da crítica relute em aceitá-lo com o mesmo entusiasmo, vendo nele mais afetação que genialidade, sem outro compromisso que o da autopromoção. Mestre da valorização do understatement, a leitura atenta dessa quadrilogia mostra, porém, que o cinismo, ou a suspensão do julgamento moral, é recurso usado para expor as vísceras de uma sociedade onde inexistia a preocupação com a realização pessoal digna. Ao gozar dos outros, diretamente ou por meio dos seus personagens, Wilde quer exorcizar o cínico puritanismo impregnado no cotidiano das pessoas e a sua insensibilidade no trato com a beleza, mostrando como "o vício supremo da superficialidade" impregnava as relações humanas do seu meio. Como diz o personagem John a Algernon em A importância de ser prudente: "Pelo amor de Deus, não tente ser cínico. É facílimo ser cínico".

Autor de uma dramaturgia aparentemente desengajada, Wilde pretende servir de espelho convexo para mostrar a visão distorcida que a hipócrita aristocracia vitoriana tinha da realidade, subjugada que estava aos seus mesquinhos interesses pessoais e à visão preconceituosa do mundo. Porém, o leitor ingênuo, hipnotizado pelo brilho dos diálogos, parece estar diante de um defensor, e não de um crítico, dessas vidas vazias. Lembre-se ainda que Wilde tinha sólida formação cultural e histórica. Cultuava o hedonismo sadio, a dúvida metódica e o autodomínio dos filósofos epicuristas, "traduzindo-a" para o palco com humor rascante.

Usando a linguagem teatral com maestria, consegue o raro feito, como lembra o saudoso Décio de Almeida Prado, de criar uma comicidade em que "o espírito pessoal do autor não é apagado pelos personagens". Incapazes de reinventar a realidade, fogem dela porque a desprezam ou apenas porque detestam tudo que os faz pensar: a partir dessa alienação, o autor criou a essência da sua dramaturgia. Foi um gênio no gênero? Certamente, não. Segundo Paulo Vizioli, como poeta, esteve bem abaixo de muitos outros vitorianos como Tennyson, Browning ou Hopkins; como romancista, não pode ser comparado aos grandes ficcionistas da época como Dickens, Thackeray, George Eliot e Hardy, e como dramaturgo, apesar de ter contribuído para a renovação do teatro de língua inglesa, seria superado por seu conterrâneo George Bernard Shaw. Porém, apesar dessas e de outras restrições, Wilde não é nem de longe um autor datado: somente na última década foram produzidos cerca de vinte filmes com o argumento das suas peças de teatro, enquanto estas continuam a ser encenadas nos principais palcos do mundo.

Em 1895 Wilde começa sua estadia no inferno, da qual só a morte o libertaria, no ano de 1900, solitário e praticamente esquecido, num quarto do modesto Hôtel d'Alsace, em Paris. Desde 1891, sua amizade com lorde Alfred Douglas ("Bosie"), então com 21 anos, era objeto de fofocas e risinhos mal disfarçados. Mas a complacência com a dupla poderia ter continuado se ele não partisse para uma empreitada irresponsável: processar o pai de Bosie, o olímpico e irascível marquês de Queensberry, ao descobrir um cartão no qual critica o relacionamento homossexual dos dois e acusa Wilde de "posar como um sodomita". Como pai e filho detestavam-se no limite, Bosie estimula o amante, contra a opinião dos amigos, a processar o pai.

Sem surpreender ninguém, a não ser o réu, o ultraconservador tribunal de Old Bailey absolve Queensberry que, por sua vez, dá o troco e denuncia Wilde por atos de gross indecence, ou seja, a prática de atos obscenos, um delito menos grave que a prática de homossexualismo. Detido, é libertado provisoriamente sob fiança, mas na terceira vez que enfrenta o tribunal é condenado a dois anos de reclusão, com a pena acessória de trabalhos forçados. Para sua sorte, as hilariantes discussões feitas em busca de um consenso sobre a definição de sodomia livram-no da prisão perpétua. A maior parte da sentença é cumprida na prisão do condado de Reading, experiência terrível que o inspira a escrever, depois de libertado, A balada do cárcere de Reading. Publicada em 1898, evoca a execução na forca, em 1896, do soldado Charles Thomas Wooldridge, a quem o livro é dedicado, por ter matado a mulher. Esses plangentes versos são um clássico libelo contra a desumanidade do regime carcerário em todos os tempos e lugares.

O envolvimento com o mimado, impulsivo e arrogante Bosie tinha tudo para dar errado. Wilde sabia estar alimentando "uma amizade trágica", mas nem por isso ― ou por causa disso ― faz qualquer coisa para abortá-la. Humilhado pela infidelidade serial e pelos caprichos do jovem amante, torna-se refém do ciúme e da idealização romântica que sempre ridicularizara. Na biografia de Bosie escrita pelo crítico americano Douglas Murray, este afirma que Wilde não foi condenado à prisão por causa do seu envolvimento com o jovem aristocrata, mas com garotos de aluguel, fato que, apesar de ser público e notório, Wilde não teve coragem de admitir. De qualquer forma, o relacionamento dos dois (mais platônico, que sexual, afirma Murray), alimentado com obsessão por Wilde, contribui decisivamente para destruir-lhe a carreira e a vida, sugerindo com isso que a proclamada autoestima ("Não adoro outro homem além de mim mesmo", declarou no tribunal, que não poupou de ridicularizar) fosse mero jogo de cena.

No cárcere, escreve uma longa carta a Bosie, publicada em parte cinco anos depois da sua morte, com o título de De Profundis dado pelo amigo, biógrafo e executor testamentário Robert Ross, a quem deixa instruções de só autorizar em 1960 a liberação do texto em que ataca duramente Bosie. Transcendendo o mero relato epistolar e escrito em forma de apologia, recorda ora com amargura, ora com saudade, a deletéria relação dos dois, reflete sobre a importância da arte como manifestação por excelência do espírito humano e descreve o inferno da sua condenação: "um dia em que não se chora é um dia em que o coração está duro, e não um dia em que o coração está feliz". Bosie, que tentava se firmar como poeta, luta como pode para tirar Wilde da prisão, chegando a pedir o indulto à rainha Vitória.

Libertado em maio de 1897, Wilde vive na semiclandestinidade e adota o pseudônimo de Sebastian Melmoth, emprestado de John Melmoth, personagem-título do romance gótico do tio-avô Charles Robert Maturin. Deixando a Inglaterra para sempre, parte na companhia de Bosie para Benerval, isolada aldeia francesa, onde moram por alguns meses. Depois de curta permanência em Nápoles, escolhem Paris para viver, mas as mágoas recíprocas asfixiam a convivência e Bosie volta sozinho para Londres. Sua vida também mudara: após perder a custódia do filho por causa do escândalo em que se envolvera, torna-se uma pessoa belicosa, tripudia sobre a memória de Wilde e acusa Winston Churchill de corrupção, o que lhe custa seis meses de prisão. Pobre e esquecido, morre em 1945.

A rotina de Wilde em Paris em nada lembra a agitação dos anos dourados. Faz longas caminhadas solitárias, relê os autores da juventude, escreve longas cartas para os poucos amigos que restam. Encontra-se algumas vezes com André Gide, de quem gosta muito, mas lamenta que "seus lábios são de alguém que jamais experimentou o prazer da mentira". Nos últimos meses de vida, longos períodos de depressão fazem-no ansiar pela morte. Quando ela chega, está na companhia de Ross e do inseparável Reggie Turner, que providenciam o sepultamento no humilde cemitério de Bagneaux. Em 1909, os seus restos mortais, espantosamente conservados, são transferidos para o cemitério de Père Lachaise onde repousam sob a bela escultura de Jacob Epstein representando um anjo (ou demônio?) alado nu.

Nota do Editor
J.C. Ismael, escritor e jornalista, é autor de, entre outros, O Médico e o Paciente ― Breve história de uma relação delicada e Sócrates e a arte de viver. Leia também "Dorian Gray abre o sótão: Orkut" e "Polêmicas".

WWF Brasil - Espalhe pela Internet

WWF Brasil - Espalhe pela Internet: "Que marcas voc�quer deixar no planeta? Calcule sua Pegada Ecol�gica."

domingo, 21 de março de 2010

Congresso Brasileiro de Ética nos Negócios



O Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios realizará entre os dias 23 e 25 de março de 2010, em São Paulo, o 1º Congresso Brasileiro de Ética nos Negócios, que trará o tema “Ética nos Negócios: A base da atuação responsável e o pas saporte para a Sustentabilidade”.

O evento, inédito no país, contará com palestrantes especialistas e abordará questões como responsabilidade social empresarial, ética, meio ambiente, sustentabilidade, comunicação e transparência corporativa.

Entre os palestrantes estão André Franco Montoro Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO); Jorge Cajazeira, executivo de Sustentabilidade da Suzano e Presidente do Comitê Mundial da ISO 26000; Pascal Borel, presidente da certificação ETHICS – Ethical Integrity Corporate Standard (Suíça); Vitor Seravalli, presidente do Comitê Brasileiro do Global Compact da ONU; entre outros profissionais conceituados.


Atividades Complementares

Além do destaque aos principais temas que envolvem a questão da ética nos negócios, o congresso contará com quatro atividades complementares.

No primeiro dia, serão apresentados os resultados da 3ª Pesquisa Código de Ética Corporativo, tendo como base de estudo as 500 maiores empresas em atuação no País. A pesquisa tem como principal objetivo incentivar o maio r número de executivos e empresários a adotar e divulgar o Código de Ética, principal instrumento de gestão responsável e governança corporativa, contribuindo, inclusive, para a conquista da sustentabilidade. A edição 2010 deste estudo será publicada na Revista Ética nos Negócios.

Na ocasião também será relançado o Programa Responsabilidade Ética Empresarial. OPrograma REE Brasil pretende que os instrumentos nele sugeridos possam contribuir para a melhoria da qualidade da Atuação Responsável Empresarial, especialmente das micro, pequenas e médias empresas, inclusive aquelas que integram a cadeia produtiva das grandes corporações e, desta maneira, o programa possa ser um grande aliado na formação da imagem e da reputação das empresas participantes.

O congresso também foi o local escolhido pelo Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios para o lançamento do Prêmio Ética nos Negócios, que a cada ano homenageará uma personalidade com grande legado no meio empresarial. Nesta edição de lançamento o homenageado será o engenheiro João Augusto Conrado de Amaral Gurgel. Os prêmios serão entregues às empresas com excelência na atuação responsável em seis categorias: Ética, Responsabilidade Social, Meio Ambiente, Comunicação e Transparência, Voluntariado Empresarial e Sustentabilidade.

Encerrando o 1º Congresso Brasileiro de Ética nos Negócios, em 25 de março, será palco realizado o lançamento oficial do movimento Étitude: Tenha uma Atitude Ética!, que visa conscientizar toda a sociedade brasileira sobre os benefícios sustentáveis das atitudes éticas.


Sobre o Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios

O Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios, com sede em Campinas (SP), foi fundado em 2003, como uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, sendo qualificado, no mesmo ano, como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) pelo Ministério da Justiça. Seu objetivo principal é fomentar a ética tanto no meio emp resarial quanto junto às crianças, adolescentes e universitários. É desta maneira, contribuindo para a melhoria da qualidade ética das empresas e com a formação de adultos cidadãos e líderes responsáveis, que a instituição potencializa a perspectiva de um futuro mais ético e, assim, naturalmente sustentável.

Apoio: Planeta Voluntários

Serviço
“1º Congresso Brasileiro de Ética nos Negócios”
Data: 23 a 25 de março de 2010
Local: Espaço Wynn (complexo World Trade Center)
Av. das Nações Unidas, 12.551, 2° andar, Business Tower
Brooklin Novo – São Paulo/SP

quinta-feira, 18 de março de 2010

Como é vendida a imagem da mulher brasileira e o Brasil no exterior


Comercial de uma Agência de Viagem Européia sobre brasileiras...
O que a empresa fala, é 
"O que voce faz nas suas viagens, não é da nossa conta".

 object

Logo que Robin Williams fez aquela aparição num talk-show qualquer lá dos states,fazendo referências pouco amenas sobre os brasileiros, lembro que o assunto não passou desapercebido, inclusive, no twitter e que algumas personalidades, celebridades, enfim, "do alto de suas" inteligências servis, por provavelmente acharem o Brasil um país menor, por guardarem a "síndrome" de Nelson, disseram que haveria uma espécie de exagero no mal-estar causado aos brasileiros que se incomodaram com aquilo.

Confesso que fui um deles, por acreditar que "roupa suja se lava em casa".
Talvez, a um comediante nacional fazendo graça num programa de TV idem, embora de gosto duvidoso, com algumas coisas, que aliás, acontecem "aqui" como "acolá" e basta observarmos lindsay's e paris's e spear's, etc, que aliás, têm um comportamento mais vulgar do que teriam essas brasileiras que dão o "golpe do baú", ou tentam, nos "gringos", ou lhes ganham um dinheiro substantivo de ocasião, não ficasse eu chateado com Robin a quem, até, admiro várias películas.

Então, que não gostei pelo alcance que isso possa ter tido mundialmente e por respeitar as putas do Brasil e de alhures, entendendo que a generalização do modo, colocou a mulher brasileira como vulgar e aproveitadora.

Cheguei na ocasião a travar uma "discussão" com um "famoso", pelo twitter, sobre o tema, dizendo que amanhã ou depois, se um estrangeiro chegasse aqui e passasse a mão na bunda da mulher dele, por exemplo, ele não poderia reclamar, mas não adiantou. Ele não entendeu assim.

Não sei se estou ficando velho, como até já disse cá no Portal, num comentário sobre atitudes desrespeitosas, inadequadas, enfim, mas tem coisas que ultrapassam a boa convivência, o humor , a graça e a irreverência, creio...

Do Carta Maior


Qual é mesmo o programa do PSDB para o Brasil?
Nova pesquisa Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirma tendência apontada em levantamentos anteriores: a aprovação de Lula bate novo recorde, Dilma Rousseff segue crescendo e José Serra segue estagnado (ou “estável”, como preferem dizer seus apoiadores). Nove áreas do governo foram avaliadas e, em apenas três, desaprovação superou aprovação. Geração de emprego em fevereiro bate recorde. Alto desempenho do governo e da economia expõe vazio programático do PSDB e de sua candidatura.
Um dos números mais terríveis do Ibope para o governador José Serra é o que aponta a manifestação espontânea de voto. Segundo a pesquisa divulgada nesta quarta-feira (17), o presidente Lula lidera com 20%, sendo seguido pela ministra Dilma Rousseff, com 14% e por Serra, com 10%. Ou seja, somados, Lula e Dilma chegam a 34% contra apenas 10% do tucano. As más notícias, para o PSDB, do levantamento encomendado pela Confederação Nacional da Indústria não param por aí: a diferença entre Serra e Dilma caiu 13 pontos percentuais em relação à última pesquisa Ibope. Na estimulada, Serra tem 35% e Dilma, 30%. Na pesquisa anterior, realizada em novembro, Serra tinha 38% e Dilma, 17%. O índice de rejeição da ministra caiu de 41% para 27% desde a última pesquisa. E 42% dos entrevistados não sabem que ela é candidata de Lula.

A pesquisa Ibope/CNI mostra que a avaliação positiva do governo do presidente Lula também cresceu. Mais do que isso, bateu seu recorde. O governo Lula foi avaliado de forma positiva por 75% dos pesquisados. Em novembro, esse índice era de 72%. Outros 19% avaliaram o governo Lula como regular, e apenas 5% como ruim ou péssimo. Já a aprovação pessoal do presidente Lula se manteve estável na casa dos 83%. Neste mês de março, somente 13% disseram desaprovar o presidente e 4% não souberam ou quiseram responder. Na comparação entre o primeiro e o segundo mandatos do presidente Lula, 49% consideram que o segundo é melhor que o anterior. Outros 40% consideram igual, e 9% dizem que o segundo é pior que o primeiro. O Ibope ouviu 2.002 pessoas entre os dias 6 e 10 de março.

Pesquisa confirma tendência de polarização
Em relação às candidaturas de Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV), a pesquisa não apresentou maiores novidades. Ciro caiu dois pontos em relação à pesquisa anterior, ficando com 11% das intenções de voto. Já a senadora Marina Silva manteve os 6% que conseguiu no último levantamento. Com a presença de Ciro, Serra tem 38% de preferência e Dilma, 33%. Neste mesmo cenário, Marina chega a 8%. Ou seja, a pesquisa Ibope apresenta a mesma tendência de polarização verificada nos levantamentos anteriores de outros anteriores. Até aqui, não há grande espaço para o surgimento da famosa “terceira via”, lugar acalantado tanto por Ciro quanto por Marina. Ainda é cedo, mas a disputa Dilma-Serra vai tomando conta, além do tabuleiro político, também da percepção do eleitorado.

Os números do Ibope reforçaram a preocupação dos partidários de Serra. Até a metade da tarde desta quarta, o site nacional do PSDB ignorava a pesquisa, sem fazer qualquer comentário sobre ela. Sinal de que falta o que dizer no momento. Pelo twitter, o presidente nacional da sigla, Sérgio Guerra, procurou minimizar o resultado dizendo que Serra “se manteve estável” na pesquisa porque “não faz campanha eleitoral antecipada”. “O Serra operou esse tempo todo como governador. Não operou como candidato”, disse Guerra, esquecendo-se de mencionar as agendas carnavalescas de Serra e as freqüentes inaugurações de obras em São Paulo (atividades que, no caso da ministra Dilma Rousseff, segundo o PSDB, configurariam propaganda eleitoral antecipada).

PSDB sem programa e sem discurso
A dificuldade do PSDB com as palavras é compreensível. O partido tem um candidato conhecido, mas sem discurso e programa. E a cada nova pesquisa esse vazio vai sendo exposto. Neste novo levantamento do Ibope, há um dado muito expressivo: mais da metade dos entrevistados (53%) disseram que pretendem votar nas eleições deste ano em um candidato apoiado pelo presidente Lula. Some-se a este dado aquele que afirma que 42% dos entrevistados não sabem que Dilma é candidata de Lula e o tamanho do problema para os tucanos está bem configurado. Ainda segundo os números do Ibope, a candidata do PT ficou mais conhecida e a rejeição em relação ao seu nome caiu expressivamente. Em resumo, não uma única notícia boa para Serra na pesquisa, a não ser que se considerasse que Dilma poderia ter crescido ainda mais.

E, a julgar pelas projeções, isso deve ocorrer nas próximas pesquisas. O nome de Dilma é o único que vem crescendo desde setembro de 2009. Enquanto isso, Serra permanece estagnado, ou estável, como preferem dizer seus apoiadores. A diferença pró-Serra caiu de 20 pontos percentuais, em setembro, para apenas 5 pontos agora em março. O que os tucanos não querem reconhecer (e não podem) é que esse crescimento é acompanhado de uma alta aprovação das políticas do governo Lula. O Ibope avaliou essas políticas divididas em nove áreas: combate à fome e à pobreza, educação, meio ambiente, combate ao desemprego, combate à inflação, taxa de juros, saúde, segurança pública e impostos. Apenas nestas três últimas, o índice de desaprovação foi maior do que o de aprovação.

Criação de emprego: melhor fevereiro da história
A área mais bem avaliada é a de combate à fome, com 69% de aprovação. Em segundo lugar, vem a educação, com 62%, e, em terceiro, meio ambiente, com 58%. A pesquisa mostra ainda que, no que se refere ao combate ao desemprego, a aprovação voltou ao nível anterior à crise econômica internacional, 60%. E, pela primeira vez desde março de 2006, a aprovação da política de juros (46%) foi maior do que a desaprovação (44%). E isso que o Ibope não computou o efeito do melhor fevereiro da história na geração de empregos no país: mais 209 mil vagas no mês passado, o novo recorde histórico registrado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego. O resultado é 52% maior do que a média dos melhores registros em fevereiro, que ocorreram entre 2003 e 2008.

Os números ajudam a entender os altos índices de aprovação do governo Lula. No primeiro bimestre de 2010 foram gerados 390.844 postos de trabalho, melhor resultado da série histórica para os meses de janeiro e fevereiro, superando em 66% a média dos melhores desempenhos, ocorridos entre 2003 e 2008. Nos últimos 12 meses, a variação acumulada do emprego formal teve alta de 4,63%, resultado da criação de 1.478.523 postos de trabalho, o maior aumento registrado desde dezembro de 2008, nesse tipo de comparação. O Brasil alcança assim a marca de 33.391.863 trabalhadores com carteira assinada. O setor de serviços, a indústria de transformação e a Construção Civil puxaram esse bom desempenho. Diante desses números, cabe perguntar: e aí Serra, qual vai ser mesmo o programa do PSDB?

segunda-feira, 15 de março de 2010

A nota a seguir é do Movimento Sindicato é Pra Lutar!


Do Carta Maior:
Solidariedade a Laura Capriglione e Lucas Ferraz
Movimento "Sindicato é Pra Lutar!", coletivo de oposição à direção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, divulga nota de solidariedade aos repórteres Lucas Ferraz e Laura Capriglione, da Folha de São Paulo, que foram atacados, nas páginas do próprio jornal, por Demetrio Magnoli, a pretexto de criticar a matéria "DEM corresponsabiliza negros pela escravidão". "Será que a Folha de S. Paulo pretende, com a ajuda de Magnoli, extirpar do jornalismo brasileiro atual qualquer voz questionadora do pensamento único externado pelos donos da mídia e pelos plutocratas do DEM?" - pergunta a nota.
A nota a seguir é do Movimento Sindicato é Pra Lutar! - coletivo de oposição à direção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo:

A Folha de S. Paulo perpetrou um ato dos mais baixos contra dois de seus funcionários. Designou, ou permitiu, que um colunista de aluguel, o sr. Demétrio Magnoli, atacasse pesadamente e com termos ofensivos os repórteres da casa Laura Capriglione e Lucas Ferraz (“O jornalismo delinqüente”, 9/3). A pretexto de criticar a matéria “DEM corresponsabiliza negros pela escravidão” (Folha, 4/3), por eles assinada, Magnoli envereda pelo perigoso terreno da galhofa e da injúria, atacando ainda o historiador Luiz Felipe de Alencastro, pesquisador sério e autor de obra respeitável.

Os repórteres cobriram a audiência pública sobre a política de cotas para afrodescendentes realizada no STF. Na ocasião, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) afirmou que também os negros deveriam ser responsabilizados pela escravidão. Ao tentar livrar a cara do parlamentar goiano, Magnoli afirma que “Demóstenes Torres disse o que está nos registros históricos”. Não aponta quais.

A certa altura, faz a seguinte citação para comprovar suas acusações: “Num livro publicado em Londres, que está entre os documentos essenciais da história do tráfico, o antigo escravo Quobna Cugoano relatou sua experiência na fortaleza de Cape Coast: ‘Devo admitir que, para a vergonha dos homens de meu próprio país, fui raptado e traído por alguém de minha própria cor’”.

Magnoli não cita o nome do livro. Será que o leu por inteiro? Trata-se deBury the chains: prophets and rebels in the fight to free an empire’s slaves, de Adam Hochschild (ed. Houghton Mifflin, 2005). Boa parte de seu conteúdo pode ser encontrada no Google.

Ao contrário do que o intelectual de almanaque leva a crer, não se trata de uma obra sobre a responsabilidade dos negros na escravidão. Seu tema é a luta abolicionista na Inglaterra em fins do século XVIII, pelo fim ao regime de cativeiro patrocinado pelo império britânico.

Não é novidade que sobas africanos entravam como sócios menores no lucrativo negócio de seres humanos, realizado por comerciantes brancos das metrópoles européias e das colônias americanas. Mas Magnoli não diz que a escravidão era uma relação social fundamental no antigo sistema colonial, como Fernando Novais e outros analisaram com maestria. Logo, apesar de existirem negros que lucravam com transações desse tipo, não eram eles os agentes determinantes. A escravidão era a mola mestra do colonialismo. A responsabilidade principal era dos países europeus e não dos chefes tribais.

Será que a Folha de S. Paulo pretende, com a ajuda de Magnoli, extirpar do jornalismo brasileiro atual qualquer voz questionadora do pensamento único externado pelos donos da mídia e pelos plutocratas do DEM?

A reportagem de Laura Capriglione e Lucas Ferraz é correta, clara e objetiva. Limita-se a registrar a peculiar visão de mundo de um dos líderes nacionais de um partido de direita. Queremos expressar nossa irrestrita solidariedade aos repórteres, traiçoeiramente atacados com a conivência do próprio jornal.

São Paulo, 10 de março de 2010

Assinam pelo Movimento Sindicato é Pra Lutar!
(coletivo de oposição à direção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo)

Gilberto Maringoni, jornalista
Lúcia Rodrigues, jornalista
Igor Fuser, jornalista
Luciana Araújo, jornalista
Fausto Salvadori, jornalista
Otto Filgueiras, jornalista
Maíra Kubik Mano, jornalista
Miguel de Oliveira, jornalista
Luiz Gustavo Mesquita, jornalista
Pedro Pomar, jornalista

sábado, 13 de março de 2010

O ataque da "Folha" e a resposta de Nassif


Do Carta Maior

O ataque da "Folha" e a resposta de Nassif
A Folha de São Paulo publicou nesta quinta-feira uma matéria atacando o jornalista Luis Nassif lógica. O título da "reportagem" é: "EBC paga R$ 1,2 mil a jornalista pró-governo". A Empresa Brasileira de Comunicação contratou outras quatro produtoras para fornecer programas a TV Brasil, mas só Nassif é questionado pela Folha. O motivo do ataque: o desmonte do falso escândalo que a Folha criou sobre a Eletronet. Confira a resposta de Nassif ao jornal da família Frias.
A escandalização da Folha
Na “denúncia” da Folha, sobre meu contrato com a EBC, uma demonstração do tipo de jornalismo menor a que Otavio Frias Filho levou o jornal. É um suicídio lento, sistemático, sem retorno.

O programa Projeto Brasil seria renovado com a TV Cultura. Não o foi devido a críticas que fiz a José Serra – conforme consta de respostas que dei ao jornal, sobre as razões de minha ida para a EBC e que foram suprimidas da matéria. Se a intenção fosse ser chapa branca, não faria as críticas merecidas à Sabesp e ao Serra.

Não há um elemento que caracterize irregularidade ou proteção no contrato. Os valores estão claros, dentro da lógica de qualquer programa de TV aberto ou fechado. Foram fixados com base no contrato inicial que mantive com a Fundação Padre Anchieta. E o programa tem importância estratégica para a TV Brasil, conforme se confere no comentário do diretor de programação Rogério Brandão, em email à Helena Chagas, diretora de jornalismo:

O Brasilianas tem a cara da TV Pública! É um programa que estaria na PBS americana facilmente. Penso que com o tempo ele crescerá, e terá um papel relevante na grade. Nossa 2ª feira agora tem um concorrente à altura do Roda Viva.

No próprio texto da matéria fica explícito o motivo da escandalização do factóide: o desmonte do falso escândalo que a Folha criou sobre a Eletronet. Fala em defesa de José Dirceu. Falso! Através de um expediente malicioso, foi a Folha quem fez o jogo do empresário que contratou Dirceu. Era interesse de Nelson implodir o Plano Brasileiro de Banda Larga porque, saindo, matava qualquer possibilidade de ressuscitar a falecida Eletronet e, com isso, de ele ganhar os tais R$ 200 milhões. Se contratou Dirceu para atuar no caso, seria justamente para implodir o PNBL.

Maliciosamente a Folha pegou o contrato dele com Dirceu – passado a ela pelo próprio Nelson dos Santos - para afirmar que visava justamente aprovar o PNBL. A intenção era clara: como Dirceu é estigmatizado, o simples fato de se afirmar que seu lobby seria a favor do PNBL teria o efeito contrário: implodir o PNBL e beneficiar Nelson dos Santos.

Esse tema foi exposto no post “Eletronet: o lobby foi da Folha“. Em “O jogo em torno da Eletronet” avancei hipóteses sobre outros possíveis interesses do grupo em relação ao tema. Em “A falta de rumo do caso Folha-Eletronet” mostrei a tergiversação do jornal, tentando salvar a manobra mudando de direção, mas com os mesmos objetivos, de implodir o PNBL.

Para despertar o espírito corporativo interno, a matéria diz que minhas notas no caso Eletronet tentaram desqualificar jornalistas. Ora, é fato inédito o jornal se levantando em defesa de seus jornalistas. Nesta mesma semana, Otavinho conferiu a terceiro o direito de fuzilar dois jornalistas seus em plenas páginas do jornal, tratando-os como “delinquentes”. Todo jornalista da Folha sabe que, a qualquer momento, poderá ser o alvo da deslealdade de seu chefe, que age assim mesmo.

Quando percebeu que nem os jornalistas suportavam mais o amordaçamento total a que foram submetidos e começavam a pipocar aqui e ali matérias fora desse padrão suicida de manipulação, convocou Demétrio Magnolli para executar exemplarmente dois deles em praça pública: através da página 3 do jornal, em um artigo que os tratava como “delinquentes”. A intenção foi, liquidando covardemente com dois deles (em um tema, cotas raciais, que não tem nenhuma relação com a guerra política empreendida pelo jornal), enquadrar os demais.

Quanto às minhas críticas ao Márcio Aith, jamais atacaria um colega por um erro de interpretação de matéria, ainda que grave. Há outras razões bem mais substantivas, sobre as quais Aith poderá fornecer detalhes. Apenas adianto que ele foi testemunha de acusação contra mim em um caso – a série sobre a Veja – em que tinha sido minha fonte.

Já a Folha, em algum momento do futuro terá que se haver e prestar contas de seus próprios escândalos – inclusive com entes públicos -, que não são meros factóides, com os quais tentou me atingir.

Abaixo, o teor do email que recebi do repórter da Folha, seguido das minhas respostas. É um elemento bastante didático para as escolas de jornalismo, sobre como definir, primeiro, o alvo, e depois sair caçando qualquer coisa que possa ser utilizada contra ele. Depois das respostas, a matéria da Folha.

Peço aos colegas que espalhem essa resposta, especialmente em blogs que estão reproduzindo a matéria da Folha.

Perguntas e respostas à Folha

- De quem partiu a iniciativa para a contratação da sua empresa Dinheiro Vivo Agência de Informações pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação)? O projeto lhe foi requerido pela EBC ou o sr. procurou a EBC?

O projeto já existia na TV Cultura. Foi descontinuado na gestão Mendonça. Seria retomado no final de 2008. Já havia reunião marcada por Paulo Markun para discutirmos o novo contrato. Dias antes fui informado que não haveria mais a renovação. Entre a marcação do dia e a desistência da FPA, escrevi matérias sobre a piora nos balanços da Sabesp, criticando as campanhas publicitárias que ela bancava em nível nacional.

Se a Cultura não tivesse desistido do projeto, na Cultura ele teria permanecido. Com a desistência, procurei a EBC e ofereci o programa.

- Que critérios objetivos o sr. adotou para estipular a sua remuneração de R$ 660.000,00 como apresentador e responsável pelo programa?

O valor que considerei justo. E que guarda correspondência com o primeiro contrato que firmei com a Fundação Padre Anchieta (FPA) como comentarista do Jornal da Cultura e apresentador do Projeto Brasil.

No contrato com a FPA havia um envolvimento menor da minha equipe com o programa, cuja gravação ficava a cargo da TV Cultura.

Com a EBC, além de comentarista do Repórter Brasil, há um envolvimento amplo com o programa Brasilianas.org que é entregue pronto. Há uma equipe contratada especialmente para o programa (Nota: já que a EBC, em processo de formação, não tinha ainda estrutura interna para as gravações) – cujos custos são cobertos pela EBC. Mas há todo um trabalho da equipe da Dinheiro Vivo com conteúdo, supervisão das gravações de TV, agendamento de entrevistas, convite aos debatedores. Além da minha participação pessoal.

Com a FPA o contrato previa participação nos patrocínios, garantido um mínimo mensal. A EBC não tem essa modalidade.

Um dos elementos de fixação de proventos ou salários de jornalistas – adotado por todos os veículos, inclusive a Folha – é o grau de reconhecimento e projeção perante a opinião pública.

Como o colega deve se recordar, no último Prêmio Comunique-se fui um dos três finalistas da Categoria Melhor Jornalista de Economia da Televisão, junto com a Mirian Leitão e o Joelmir Betting (que venceu). E não concorri ao de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita porque havia vencido a edição anterior e o Prêmio proíbe a reeleição.

Em suma, os mesmos fatores que são levados em conta em qualquer contratação de jornalistas ou projeto por emissoras de TV.

-Por que a sua contratação não se submeteu a uma licitação pública, preferindo ser fechada por “inexegibilidade”?

A EBC pode explicar melhor. Mas presumo que por dois motivos.

Ponto 1: notória especialização.

Os prêmios que acumulei ao longo de minha carreira e nos últimos anos atestam essa minha especialização.

Ponto 2: sou o criador do Projeto Brasil de discussão de políticas públicas casando TV e Internet apresentado à EBC, que entendeu que se adequava perfeitamente ao espírito de uma TV que pretende abrir espaço para as grandes discussões públicas. É um projeto inovador e sem similar. Preenchem-se, assim, as duas condições para inexigibilidade de licitação.

Chamo a atenção para uma questão similar.

No dia 3 de abril de 2009, através do Diário Oficial do Estado fica-se sabendo que a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), ligado à Secretaria da Educação de São Paulo, adquiriu 5.499 assinaturas do jornal Folha de São Paulo, com inexigibilidade de licitação.

Creio que o argumento jurídico é o mesmo que fundamenta minha contratação pela EBC com inexigibilidade de licitação.

- O primeiro pagamento da EBC para a sua empresa data de 24 de julho de 2009. Contudo, até a presente data, cerca de 7 meses depois, nenhum programa foi ao ar (a estreia está prevista para segunda-feira). O que aconteceu?

Um período inicial para a montagem da equipe e a formatação do programa (construção de cenários, discussão da linguagem televisiva). Depois, a definição da grade de programação da EBC, que pode ser melhor explicada por ela própria. Os programas estão sendo produzidos e já existem vários gravados. E trabalho no projeto desde a data de assinatura do contrato, conforme você pode conferir nos relatórios apresentados.

- No cronograma da produção do programa, observei que estão previstas ou foram realizadas gravações de evento denominado “Sarau do Luís Nassif”. Contudo, verificando o Projeto Básico, não encontrei nenhuma previsão relativa à gravação do “Sarau”. Qual a exata ligação entre o “Sarau” e o programa televisivo e por que isso não constou do Projeto Básico?

É impossível definir, em um Projeto Básico, todas as ações a serem tomadas no decorrer de um ano.

A montagem de um programa pressupõe vinhetas de abertura e fechamento. O Projeto Brasil, da TV Cultura, iniciava e terminava com cenas de arquivo com música brasileira. Pensou-se em repetir o modelo, mas comigo tocando bandolim. Depois de ver o resultado final, achei que poderia passar a ideia de cabotinismo e desisti.

Apenas isso, já que todas as cenas foram gravadas, constam de nossos arquivos e não implicaram nenhum custo adicional para a EBC.

- Segundo me informou a EBC, o primeiro programa, cuja estreia deverá ocorrer na segunda-feira que vem, tratará do tema da Defesa. O sr. ou suas empresas trabalham com empresas ligadas ao setor? Quais eventos do chamado “Projeto Brasil” receberam patrocínio de empresa (s) ligada (s) ao setor? De acordo com meus levantamentos, a empresa francesa Dassault Aviation, que tem interesse direto na venda de equipamentos militares para o governo brasileiro, patrocinou um seminário promovido pelo sr. no dia 17 de dezembro de 2008, no Novotel Hotels, em São José dos Campos. Caso o sr. ou suas empresas prestem consultoria ou tenham outros tipos de vínculos negociais com essas empresas da área militar, o sr. informou à EBC possível conflito de interesses? Ou o sr. entende que tal eventual conflito é inexistente e, por isso, nada informou?

É importante qualificar melhor esse “meus levantamentos”. Todos os seminários do Projeto Brasil têm patrocínios que são públicos, saem em anúncios, grande parte dos quais foram publicados no caderno Dinheiro da própria Folha durante muitos e muitos anos – anúncios que eram descontados do meu salário de colunista, conforme o Otavinho poderá lhe informar. Portanto, não há informações secretas que exijam grandes pesquisas.

No seminário em questão, o patrocínio foi de R$ 15 mil, brutos, ou R$ 13 mil líquidos. Os custos diretos com o evento foram de R$ 9.448,65 – salão, recepção, projetores, gravação etc.

Se se computar custos de translado para São José dos Campos, de uma equipe de quatro pessoas, mais o tempo que elas e eu dedicamos ao evento, sairíamos no prejuízo. Mas mantivemos o Seminário por considerá-lo relevante para a discussão de políticas públicas.

Mas mesmo que os patrocínios tivessem permitido um bom lucro, não há razão para não considerá-los legítimos, da mesma maneira que são legítimos os anúncios publicados em cadernos temáticos especiais pela Folha.

Outro ponto importante é que os patrocinadores jamais participaram da elaboração dos temas do Seminário e dos palestrantes convidados.

Conforme você poderá conferir nos anais do Seminário (http://blogln.ning.com/page/industria-da-defesa) um dos principais palestrantes foi o saudoso João Verdi, da Avibras, que buscava parceria com os russos da Sukhoi e, portanto, era concorrente direto da Dassault na licitação FX. Em outros seminários de Defesa recebemos patrocínio da Dassault, Embraer, da sueca Grippen, como consta dos anúncios publicados.

Vamos, agora, às práticas comerciais de outros jornais, tomando o exemplo o jornal Valor Econômico – que tem como um dos sócios e responsável por sua gestão a Empresa Folha da Manhã.

No dia 7 de abril de 2009, o Valor Econômico realizou seminário sobre Defesa em Brasília, tendo como um dos patrocinadores a Thales, ligada ao grupo Dassault. A comprovação pode ser encontrada no link http://www.valoronline.com.br/seminarios/HTML/Seminarios/EstrategiaDeDefesa/realizacao.html.

No dia 1o de março de 2010, outro Seminário sobre o Complexo Industrial da Saúde, onde consta apoio do Ministério da Saúde (http://www.valoronline.com.br/seminarios/Seminario/index.aspx?codSeminario=143).

Além do apoio, o Ministério participou também da elaboração dos temas e da escolha dos convidados.

Pela programação do seminário, identificam-se os seguintes expositores da área federal: o Ministro da Saúde, o chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do BNDES, o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz (estatal), o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o Secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), e diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No site do Valor pode-se conferir também o seminário “Investimentos estratégicos para o desenvolvimento do Nordeste”, com apoio do Ministério da Integração Nacional (http://www.valoronline.com.br/seminarios/Seminario/index.aspx?codSeminario=136), tendo como palestrantes dirigentes da Sudene, do Banco do Nordeste do Brasil e Chefs – empresas públicas.

Ou então – voltando para os patrocínios privados – o seminário “Relicitação ou Prorrogação das Concessões do Setor Elétrico”, tendo como patrocinador uma empresa interessada no setor, a CPFL.

Pergunto: esses seminários, importantes para enriquecer o debate nacional, podem ser considerados uma forma de consultoria ou de lobby do jornal Valor? Acredito que não.

- De acordo com os levantamentos feitos no Siafi, o sr. recebeu R$ 14.480,00 (já descontados os impostos) para proferir, no ano passado, uma palestra para a FINEP, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciencia e Tecnologia. Em quais critérios objetivos o sr. se baseou para cobrar o valor?

A palestra foi proferida em Palmas, Tocantins, em um evento para o setor privado denominado de “Inovação em Tempo de Crise”. Minha palestra teve como tema “O Novo Padrão de Desenvolvimento pós-crise”. O critério adotado foi de um desconto no valor que cobro para palestras fora de São Paulo.

Devido aos nossos prazos jornalísticos de fechamento, solicito, se possível, uma resposta até o início da tarde de amanhã, quinta-feira.

Bom, o objetivo da Folha foi o de devassar os negócios da Dinheiro Vivo, valer-se de um tom inquisitorial para questionar negócios comerciais legítimos e com benefícios comprovados para a sociedade – basta conferir a relação de vídeos e trabalhos sobre mais de 50 temas relevantes, que disponibilizamos para a opinião pública. Não me furtei a apresentar os esclarecimentos solicitados.

Julgando-se a Folha no direito de questionar-me sobre os negócios da DV, me dá o direito de questioná-la sobre seus negócios. Oportunamente enviarei email com perguntas importantes para entender o relacionamento da Folha com entes públicos.

Peço apenas que me confirme se as respostas foram satisfatórias, se todas as dúvidas foram apresentadas e esclarecidas e se, mesmo assim, ainda valerá uma reportagem. Caso se mantenha a reportagem, solicito informar o dia para que minhas perguntas e respostas possam sair simultaneamente, sem furar seu trabalho.

Segundo email enviado

-Na sua resposta à minha dúvida sobre a sua remuneração, o sr. citou custos com a produção do programa. Contudo, o valor total do contrato é de R$ 1,2 milhão. Portanto, metade dos recursos vai para a produção e metade para a sua remuneração pessoal.

Aqui vão os dados do último relatório que está sendo fechado agora.

O contrato inicial previa R$ 60.000 mensais brutos para a DV e R$ 30 mil líquidos para a produção. Bruto, sai R$ 100.000,00 mensais.

Com as demandas adicionais da EBC (não previstas no plano inicial de trabalho), estão sendo gastos R$ 51.608.00 líquidos na produção (nota: específica de TV: aluguel de equipamentos, contratação de equipe, compra de material, locomoção etc), conforme prestação de contas.

Sobram R$ 49.000,00 brutos para a Dinheiro Vivo (e sua equipe) e para meus comentários. Ou cerca de R$ 39 mil líquidos.

- A minha pergunta sobre os patrocínios ao Projeto Brasil não diziam respeito à legalidade ou ilegalidade de tais patrocínios, mas simplesmente se o sr. comunicou à EBC, uma empresa pública, suposto conflito de interesse, ou se, de outra parte, entendeu que não havia conflito algum. Esse assunto me leva a outras perguntas:

Não há conflito de interesse.

- Quais são, exatamente, os atuais clientes da empresa Dinheiro Vivo? A pergunta tem pertinência porque o sr. agora apresenta um programa em emissora pública, percebendo para isso recursos públicos, do Orçamento da União. Assim, nada mais natural, sob o ponto de vista do interesse público, conhecer melhor seus vínculos negociais. Nada mais natural, sob o ponto de vista do interesse público, que se saibam todos os detalhes do contrato firmado com o ente público.

Dinheiro público é aquele do contrato. Você tem o direito de fazer todas as perguntas pertinentes ao contrato. E eu de responder. Não consta que uma empresa fornecedora de produtos ou serviços para o setor público seja obrigada a abrir sua estratégia comercial.

Se a Folha se propuser a abrir seus dados comerciais, não veria problemas em abrir os da Dinheiro Vivo,

- O sr. ou a empresa Dinheiro Vivo fazem consultoria para empresas do setor de Defesa? Em caso positivo, quais são?

Não.

Sobre a resposta na íntegra, não é decisão que cabe a um repórter. Consultarei a editora a respeito. O sr. há de saber que o jornal é um produto finito, no qual não cabem todas as respostas de todos os entrevistados por toda a equipe de jornalistas ao longo do dia. Permita-me apenas observar que a publicação de uma resposta na íntegra nada tem a ver com “bons princípios jornalísticos”.

Não expor todos os argumentos da parte pode ferir.