segunda-feira, 19 de julho de 2010

Veja, os tucanos e Marcos Valério

Dados do TSE mostram que Editora Abril, proprietária da Veja, financiou campanhas de candidatos tucanos em SP, entre elas, a de Alberto Goldman. Nada ilegal, mas não custa avisar ao leitor. Ajuda a entender a linha editorial. E o que tudo isso tem a ver com Marcos Valério?

As informações são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram obtidas pelo gabinete do deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR). A Editora Abril S/A, proprietária da revista Veja, entre outras publicações, doou, nas eleições de 2002, R$ 80,7 mil a dois candidatos do PSDB e a um candidato do PPS. O deputado federal Alberto Goldman (PSDB-SP) recebeu doações de R$ 34,9 mil da editora naquele ano. O deputado federal licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, recebeu uma quantia mais modesta, R$ 15,8 mil. Ferreira é hoje secretário de governo do prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB). Já o candidato Emerson Kapaz (PPS-SP), que já exerceu mandatos pelo PSDB antes de trocar de partido, recebeu R$ 30 mil. Segundo a assessoria do deputado Dr. Rosinha, essas foram as únicas doações a políticos feitas pela Editora Abril em 2002.

Até aí morreu Neves. Nenhuma ilegalidade e também nenhuma surpresa. A informação é útil, porém, para ver com mais clareza as opções editoriais da revista Veja, que chegou a recorrer à Justiça para ter o direito de chamar a ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, de “perua do mensalão”, sem apresentar qualquer prova que justificasse essa agressividade verbal. As afinidades político-partidárias dos donos da revista talvez forneçam uma explicação mais razoável para tanta fúria.

A Editora Abril também foi identificada como responsável por um depósito de R$ 303 mil reais em uma conta da DNA Propaganda, empresa de Marcos Valério, segundo dados obtidos pela CPI dos Correios e divulgados pela mídia. Os integrantes da CPI também identificaram dois depósitos da TV Globo, somando R$ 3,6 milhões, e dois da Globosat, somando R$ 180 mil. Segundo a assessoria da DNA, nestes dois últimos casos, os depósitos correspondem ao pagamento de comissões e bônus pela veiculação de publicidade em emissoras de televisão aberta e a cabo. Em princípio, também não há nada de ilegal nisso. Mas será interessante ver qual será o tom da cobertura destes veículos sobre tais depósitos. Merecerão manchetes e destaques de capa?

Nos últimos dias, as revelações de que candidatos tucanos e de outros partidos da oposição também receberam dinheiro de contas de Marcos Valério pegaram muita gente de surpresa, desafiando a grande mídia a adotar novas inflexões em suas coberturas. O próprio presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo, teve que vir a público para dar explicações. O ex-presidente FHC apressou-se a dizer que é preciso investigar tudo, mas teve mais pressa ainda em dizer que é importante não perder o foco olhando para o passado, ou seja, para o seu governo. Ao contrário de FHC, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, mostrou-se preocupado com o passado e pediu esclarecimentos a quatro assessores do governo estadual que receberam dinheiro das contas de Marcos Valério para campanhas eleitorais em 1998. Aécio também parece preocupado com rumores que apontam para tucanos paulistas como responsáveis por denúncias que estão caindo em seu colo. A rivalidade tucana na corrida presidencial para 2006 ainda vai dar o que falar.

E a revista Veja, o que diz de tudo isso? Em sua edição on-line desta quarta-feira (27), a revista anuncia que “o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), reagiu rapidamente às denúncias de que teria recebido recursos das empresas de Marcos Valério para sua campanha de reeleição ao governo de Minas em 1998”. E informa que Azeredo já se colocou à disposição da CPI dos Correios para explicar as denúncias, rejeitando qualquer comparação entre a campanha em Minas e as denúncias contra o PT, apuradas pela CPI dos Correios. Nenhuma linha sobre o depósito de R$ 303 mil reais feito pela Editora Abril na conta de uma das empresas de Valério. Em nota oficial, não publicada pelo site de Veja na tarde de quarta, o Grupo Abril afirma que “mantém relacionamento comercial com a grande maioria das agências de publicidade do país e que pagamentos de comissões em nome de agências fazem parte das práticas normais da atividade”. De fato, fazem parte, mas a discrição e o silêncio no site da revista são duas características estranhas à linha editorial da publicação quando se trata de alguma denúncia contra qualquer coisa que tenha “cheiro de esquerda”. Neste caso, qualquer denúncia ganha destaque imediato.

A informação levantada por Dr. Rosinha teria algo a ver com essa postura? Para o parlamentar petista, há fortes evidências de que sim. “Essas doações a dois caciques tucanos, feitas pela editora proprietária de Veja, revelam uma relação íntima mantida entre a revista e o PSDB”, declarou. Dias atrás, Dr. Rosinha apontou ligações entre o instituto de pesquisa Ipsos-Opinion (multinacional com sede na França) e o PSDB. Segundo ele, a revista usou dados do instituto para publicar capas ofensivas contra o presidente Lula. Qual a relação entre as duas entidades? O Ipsos trabalha para o PSDB desde o início de sua atuação no Brasil em 2001, apontou o deputado petista.

Ele também tira algumas conclusões a partir da confirmação do financiamento, pela Editora Abril, de candidaturas tucanas, especialmente no caso de Alberto Goldman. “Além de ter relatado a Lei Geral de Telecomunicações durante o governo FHC, Goldman também presidiu a comissão que tratou da flexibilização do monopólio do petróleo. O principal beneficiado pelas doações da Editora Abril foi ainda ministro dos Transportes, quando deu início ao processo de privatização das rodovias e portos brasileiros”, informa material produzido pela assessoria do parlamentar. E vai mais além. “Uma das maiores editoras do Brasil, a Abril possuía um endividamento líquido, em 2002, de R$ 699,5 milhões. Em julho de 2004, fundos de investimento em empresas de capital privado da Capital International Inc. associaram-se ao grupo Abril, beneficiando-se da Lei Geral de Telecomunicações, relatada por Goldman”.

Ainda segundo Dr. Rosinha, essa negociação permitiu à editora um aumento de capital de R$ 150 milhões - parte desse valor teria sido utilizada no abatimento da dívida. “O negócio corresponde a 13,8% do capital da Abril. A dívida atual da editora chega a R$ 485,9 milhões”, acrescenta, concluindo: “Como se vê, mesmo endividada, a empresa não deixou de contribuir com campanhas tucanas. Onde fica o princípio de imparcialidade e a independência jornalística dos veículos ligados à editora?", questionou o parlamentar.

A revista Veja tem denunciado com vigor as relações entre políticos do PT e a iniciativa privada, relações estas que financiariam o esquema do mensalão. Não resta sombra de dúvida de que a democracia brasileira só vai merecer este nome quando, entre outras coisas, as relações entre os setores públicos e privados ficarem transparentes para a população. A Editora Abril e a revista Veja poderiam dar o exemplo e explicar com que interesse financiaram campanhas eleitorais de candidatos tucanos. E se esses interesses se manifestam, de algum modo, em suas escolhas e ênfases editoriais. Afinal de contas, a falta de transparência nas relações entre o público e o privado é um dos fatores causadores da atual crise política. Ou não?

Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)


Artigo veiculado no blog Belém na Mídia, em 20/05/2006

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