sexta-feira, 4 de junho de 2010

Epifanias Cadentes do blog de Mariana Portela

Epifanias Cadentes

Mariana Portela | junho 4, 2010 at 3:23 pm | Categorias: CrônicaEpifanias | Categories: Textos meus | URL: http://wp.me/piB6L-e0

"Por epifania entendia uma súbita manifestação espiritual, tanto na vulgaridade da fala ou do gesto, quanto numa frase memorável da própria mente. Acreditava ser função do homem de letras registrar essas epifanias com extremo cuidado, visto serem elas os momentos mais delicados e evanescentes". James Joyce in Retrato do Artista quando Jovem
Perdia-me, sempre, em gordas horas de reflexão. Buscava, arrogante, pelo ainda inominável. O que não foi desvelado à espécie? Quais inovações posso trazer para a literatura? Que florestas do pensar ainda estão virgens para as minhas palavras? Como poderei desembravecer as feras poéticas que me habitam e que sufocam a minha inteligência?
Assim, quem sabe, havia de me tornar grande. Única.
Enquanto eu procurava pelas originalidades inviáveis, ia negligenciando grande parte das minúsculas luminescências que carregam os instantes. Esquecia dos segundos de claridade que contêm uma alegria efêmera. Redonda. E nunca menos densa.
Esses rasteiros e silenciosos lampejos, agora, impedem-me de cair em obtusidades mesquinhas. Alerta ao instantâneo, posso colher as imagens mais ricas. Uma conversa despretensiosa transforma-se em sopro criador. Afinal, são as choupanas que trazem a sabedoria da escrita ao espírito. Todo palácio é prolixo.
Se a mente perpetua-se em vigília, há inesgotáveis manifestações dessas harmonias anãs. Ah, que prazer superior foi sentir o cheiro da casa natal, vindo incandescente na distração de um sonhar vagabundo! Pertencimento infante que toma o corpo mais uma vez. Jorra a bela lembrança do brincar. Época em que os esconderijos, uterinos, guardavam amigos imaginários e devaneios de boneca.
Às vezes, aconteceu de abrir o livro amarelecido, envolto em poeira e herança familiar. A página, aberta aleatoriamente, tem cravada em si a letra incorrigível da avó, falecida há anos. Neste momento há uma capacidade de se confrontar com frases em carne viva. Algum cerne do viver. A jornada anciã pertence, finalmente, ao seu destino. A comunhão supera a instranponível passagem da morte.
Quando turista também pude me deparar com esse ínfimo alumbramento. Perdida, enfurecida, desnorteada. Todavia, ao enxergar uma viela, uma praça fora do mapa, uma árvore ou, quiçá, uma esquina, fui coberta pelo improvável sorriso. Se estivesse atenta, soberana, jamais avistaria esses segredos. Boas viagens não se documentam por cartões postais.
Hoje, por exemplo, vivenciei o inescrutável sentimento de compaixão frente à dor de uma personagem. Quando as lágrimas resplandecem um sofrimento  coletivo e invariavelmente humano. E como isso já me foi trivial! Quão inútil pode-se compreender a cumplicidade.
Nos últimos dias estou mais desperta para o vagalumiar da existência. Abandonei as grandiosas fontes de inspiração. Aprecio o entristecer crepuscular dos olhos. Porque a noite é grande e escura e límpida demais para a pequeneza da minha alma. Quero amanhecer em sobriedade aos detalhes inoportunos. Irrelevantes. Qualquer vão acontecimento desabrocha a poesia, antes de a fenecer.
Tenho pautado meus cadernos naquilo que é momentâneo. E observo que a plenitude tem sido a melhor hóspede. Depois de tragar a humildade para dentro dos pulmões, o coração está livre. Quando digo adeus às inúteis tentativas de imensidão, uma tempestade de centelhas incontornáveis vem me visitar. O verso já pode compor sua força nos limites. Só por causa delas, as epifanias cadentes.

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