terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Entrevista de Salim Lamrani a Edmundo Garcia - Aula sobre, de como as coisas acontecem em Cuba


SALIM LAMRANI: “hay un consenso entre la sociedad cubana para salvaguardar el sistema”

PROGRAMA: La Tarde se Mueve (Miami. 14.50 AM, 5:00-6:00 PM)
PERIODISTA: Edmundo García
INVITADO: Prof. Salim Lamrani
FECHA: Jueves 29 de diciembre. 2011

-EDMUNDO GARCÍA: Salim Lamrani, na conferência que deste aqui na Alianza Martiana faz algumas semanas, foste bastante crítico sobre o papel da mídia, e citaste o exemplo em torno de como abordam a temática cubana e destes um grupo de informações, de detalhes e de estatísticas da Amnistía Internacional e como isso se reflete na mídia. Creio que por aí deveria começar esta entrevista, esta conversa entre nós.

-SALIM LAMRANI: Bem,  eu creio que devemos começar com o seguinte postulado: os grandes grupos econômicos e financeiros do mundo controlam o setor da imprensa; e o papel da imprensa já não é proporcionar ao leitor, à opinião pública uma informação veraz, averiguável, senão controlar o mercado das idéias e defender a ordem estabelecida. Daí que a objetividade da mídia é um mito; eles defendem interesses muito precisos. Você evoca a questão dos direitos humanos, é a problemática por excelência que se usa quando se trata de Cuba… Não contem comigo para dizer que não existe nenhuma violação dos direitos humanos em Cuba; mas se eu quero formar uma opinião veraz, averiguável, sobre a situação dos direitos humanos em Cuba e ver se existe alguma especificidade nesse campo, com relação ao resto do mundo, só tenho que ir a uma fonte internacional que seria a Amnistía Internacional, e que publica a cada ano um informe detalhado sobre a situação dos direitos humanos em Cuba; agora, o postulado da mídia é o seguinte: “Cuba é um país que viola os direitos humanos e que se destaca do resto do continente americano, por exemplo, pelas violações dos direitos humanos.” Podemos comparar este postulado de base com a realidade dos atos e acorrer ao Informe. Segundo o Informe da Amnistía Internacional de abril de 2011, no continente americano, é o país que menos viola os direitos humanos ou que melhor os respeita é Cuba.
Não acredita no que estou dizendo, vão ao sitio da Internet de Amnistía Internacional que o Informe se publicou em três idiomas: francês, inglês e espanhol. Amnistía Internacional é uma organização que não podemos qualificar de pró cubana pela seguinte razão: foi quem rompeu as relações diplomáticas com Cuba desde 1988. Ou seja, existe um abismo entre a retórica midiática de base e a realidade dos fatos. Você poderia me dizer que Colômbia e Honduras não são exemplos em termos de direitos humanos; ou seja, que a comparação entre Cuba e Honduras não é muito explícita. Tomemos o seguinte exemplo; comparemos a situação dos direitos humanos em Cuba e na União Européia. Por quê a União Européia? Porque desde 1996 a União Européia impõe a Cuba uma posição comum pela situação dos direitos humanos. O que mais é? Uma posição comum? É o principal pilar da política exterior de Bruxelas até Havana e que limita os intercâmbios diplomáticos, políticos e culturais. É curioso, que o único país do continente americano vítima de uma posição comum seja Cuba; quando segundo a Amnistía Internacional o país que menos viola esses mesmos direitos humanos é Cuba. Essa é a primeira contradição. Agora, deve-se avaliar, certamente, a legitimidade da União Européia para erigir-se em juiz desta questão dos direitos humanos; porque para poder estigmatizar a um país sobre essa questão tem que se ser irrepreensível.
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O que diz a Amnistía Internacional? Segundo o informe de abril de 2011, na Internet, público, grátis, 23 dos 25 países que votaram depois sanções políticas, diplomáticas e culturais contra Cuba, naquela época eram 27… 23 desses países, apresentam, segundo a Amnistía Internacional, uma situação em direitos humanos que é pior que a de Cuba. Tomemos por caso, que me concerne mais, o caso da França, somos a pátria dos direitos humanos; mas, eu convido a todos os rádio ouvintes a ir ao sitio da Amnistía Internacional, de tomar o informe sobre Cuba e o informe sobre a França, e compara-los e tirar suas próprias conclusões; ou seja que esse é um exemplo da manipulação midiática. Repito, Cuba não apresenta uma folha branca na questão de direitos humanos. Tem algumas críticas que a Amnistía Internacional faz a Cuba como a questão da liberdade de expressão, liberdade de associação, etc. Mas quando comparamos isso com a realidade que existe em nossos continentes, e no próprio continente americano, vemos que se trata de uma manipulação enorme.

-EG: Você poderia dar dados, exemplos que acontecem na União Européia, e, a União Européia coloca Cuba abaixo de uma posição comum?
-SL: Vamos dar alguns exemplos específicos. Para Cuba jamais a Amnistía Internacional tem relatado casos de assassinato político pelas forças da ordem. Reino Unido e vários outros países…esterilização forçada de mulheres procedentes de minorías étnicas, torturas nos cárceres, repressões violentas e massivas de manifestações públicas, com gás lacrimogêneo e etc., discriminação para crianças no sistema educacional, crianças procedentes de minorías étnicas que é o caso da República Checa ou da Eslováquia. Poderia multiplicar os exemplos, graves.

-EG: Na Áustria? Te ouvi dizer em uma conferência que deste, que havia uma situação na Áustria com as minorias étnicas.
-SL: Existem na Áustria gravíssimas violações; além disso, são violações legais, existe uma lei que discrimina a certas minorias, existem declarações públicas e discriminantes da mais alta autoridade do estado, do Presidente, não só na Áustria como também na França, quando o Presidente Sarkozy fez essa declaração contra as minorias da Romênía. Ou seja, vemos com essa realidade que existe uma grande hipocrisia da posição comum Européia. Na realidade o que importa à União Européia não é tanto a situação dos direitos humanos em Cuba senão o sistema político, econômico e social que existe em Cuba.

-EG: Salim, gostaria, tocando outro aspecto que mostra a análise comparativa a partir da própria Amnistía Internacional no tema, no assunto migratório entre EEUU e Cuba, com outros países da América Latina; quer dizer, emigram mais os cubanos? Emigram menos que os de outros países desta mesma região? Quais seriam as causas em um e no outro caso?
-SL: Efetivamente, a problemática migratória é uma problemática que se politiza quando se trata de Cuba. Sempre eu leio na imprensa o postulado seguinte: “Os cubanos emigram massivamente aos EEUU, o que ilustra o fracasso do sistema econômico, político e social”; e contudo não vejo depois desse postulado, dessa afirmação de base, dados, estatísticas, quando sabemos que existem as estatísticas a respeito da emigração cubana aos EEUU de 1820 até 2010.
Vejamos um pouco o que era a realidade migratória entre EEUU e Cuba no ano de 1959. Cuba, um pequeno país de 6 milhões de habitantes ocupava o segundo lugar no continente americano em termos de emissão migratória aos EEUU. O primeiro país sempre foi o México por razões demográficas, geográficas e históricas evidentes. Cuba, esse pequeno país de 6 milhões de habitantes em 1959, tinha uma emissão migratória mais forte que todos os países da América Central e de todos os países da América do Sul, reunidos. Ou seja, que um só país da América Latina, Cuba, emitía mais emigrantes aos EEUU que o total, da soma de 20 países da América Latina. Isso se encontra, são fontes do serviço de imigração dos EEUU que se podem encontrar na Internet; de fácil acesso. Depois, a partir de julho de 1960, EEUU e a administração Eisenhower mais precisamente, emite, impõe as primeiras sanções econômicas contra Cuba; as que constituem um fator objetivo de incitação à emigração, legal e ilegal, porque a situação econômica se torna mais difícil e por outro lado os EEUU aceitam aos emigrantes. Em 1966, em novembro de 66, o Congresso Americano aprova o que se chama de Lei de Ajuste Cubano.
O que é a Lei de Ajuste Cubano? É uma pequena lei de um par de páginas, página e meia no máximo, que estipula que todo cubano que emigra legal ou ilegalmente, pacífica ou violentamente, aos EEUU, em primeiro de janeiro de 59 ou depois, consegue automaticamente, ao cabo de um ano, o 'status' de residente permanente; é uma lei única no mundo e que constitui um fator formidável de incitação à emigração legal e ilegal; agora, é importante apontar a data para ver o conteúdo político dessa lei: 1º De janeiro de 59 ou depois; ou seja que o cubano que chegou em 31 de dezembro de 58 não pode acorrer à Lei de Ajuste Cubano. Vemos o conteúdo político; ou seja, que era uma arma contra o processo revolucionário cubano. Vejamos agora as últimas estatísticas; as que consultei foram as de 2006. Não quero referir-me às de 2010, não tenho as cifras exatas em mente. Poderíamos imaginar ou supor que tomando em conta a realidade migratória em 1959 (segundo lugar no continente Americano), agregando a essa realidade sanções econômicas (fatores de incitação à emigração), Lei de Ajuste Cubano (fator de incitação à emigração), poderíamos pensar que Cuba superou ao México na classificação; mas vemos que não é o caso. O México segue ocupando o primeiro lugar em termos de emissão migratória aos EEUU. Cuba já não ocupa o segundo lugar, Cuba não ocupa o quinto lugar mas ocupa o décimo lugar.
Repito, se podem encontrar na Internet, essas fontes, essas cifras nos sítios dos serviços de imigração. Ou seja, que na América Latina existem nove países que tem uma emissão migratória mais forte que a de Cuba; contudo, jamais isso foi usado para denegrir ao governo de El Salvador, do México, da Jamaica, da República Dominicana… Você me poderá dizer que não se pode comparar a realidade migratória de um país como o México com mais de 100 milhões de habitantes, com um pequeno país como Cuba de 11 milhões de habitantes, e esse é um ponto interessante. Comparemos a realidade migratória de Cuba em 2006, onze milhões de habitantes, com a realidade de El Salvador, com 5.75 milhões de habitantes; menos de 6
milhões de habitantes. El Salvador no ano de 2006 teve uma emissão migratória três vezes maior à de Cuba; contudo jamais se disse, usou-se essa problemática para denegrir o sistema político e econômico neoliberal de El Salvador, ou denegrir ao seu governo. Ou seja, vemos que se trata de uma estigmatização discriminatória. Se de verdade quisessemos dar-lhe uma explicação política e usar a emigração como um termômetro de legitimidade de um governo ou um sistema, se vemos as cifras, só podemos chegar à seguinte conclusão: que o governo e o sistema cubanos são uns dos mais legítimos que existem no continente americano; repito, se partimos do postulado de que a emissão migratória é ilustrativa do bom funcionamento de um sistema, ou não. Façamo-nos a seguinte pergunta : o que ocorreria amanhã se o governo dos EEUU aprovasse uma Lei de Ajuste Mexicano? Não durante 40 anos e mais; 1966 a 2011 são 45 anos… 46 anos. Não durante 4 anos nem durante 4 días. Imaginemos o seguinte: que o governo dos EEUU imponha ou adote uma Lei de Ajuste Mexicano durante 4 horas nada mais. O que ocorreria no México segundo vocês? Lhes deixo que façam vocês mesmos as suas respostas.

-EG: Salim Lamrani, gostaria de  escutar tua valoração sobre como você tem visto a relação Cuba-EEUU em termos de comércio. Gostaria de saber tua opinião sobre o balanco econômico das relações Cuba-EEUU nestes três primeiros anos de administração Obama.
-SL: Há que se reconhecer que o governo de Obama difere da precedente administração Bush pelo estilo, pela forma; é um homem mais culto, mais inteligente e com um discurso novo, porque durante sua campanha eleitoral fez a constatação seguinte: a política dos EEUU a Cuba havia fracassado. 50 anos de sanções econômicas à Cuba, com o objetivo de derrocar ao governo cubano, e implementar uma troca de regime eram um fracasso total. As sanções econômicas contra Cuba são o principal obstáculo ao desenvolvimento da ilha, são anacrônicas porque se remontam à Guerra Fría, são cruéis porque afetam às categorias mais vulneráveis da sociedade cubana: as mulheres, as crianças, os anciões; e são ineficazes porque não tem logrado o objetivo de por termo ao processo revolucionário. Obama fez uma constatação lúcida que demonstra sua inteligência; contudo não podemos julgar a Obama por sua retórica mas por seus atos. Temos que reconhecer que anulou as restrições das viagens da comunidade cubana aos EEUU; há que recordar que entre 2004 e 2009 os cubanos dos EEUU só podiam viajar a Cuba 14 días cada três anos; no melhor das hipóteses se conseguía um visto do Departamento do Tesouro; e para conseguir esse visto tinha que justificar a presença de um familiar direto em Cuba; para nós um primo, um tío, uma tía, um sobrinho é um familiar direto; mas não, a administração Bush deu uma definição de família que só se aplicava aos cubanos; só formavam parte da família os avôs, os pais, os esposos, filhos e netos. Ou seja uma política cruel que dividia as familias; Obama, como homem lúcido, eliminou essas restrições, mas lamentavelmente temos que constatar que a administração Obama tem sido mais constante na aplicação estrita das sanções econômicas e da aplicação de multas a empresas estrangeiras que violam as regras de comércio; empresas européias, por exemplo. Eu mencionava a posição comum que se adotou em 96, a data não é uma casualidade; por quê se adotou em 96? O quê ocorreu nos EEUU em 96? O Congresso dos EEUU adotou a Lei Helms-Burton que tem um caráter extraterritorial porque afeta às empresas européias; entre outras. Caráter extraterritorial… porque uma lei não pode aplicar-se a outros países, a lei francesa não se pode aplicar a Itália; a lei inglesa não se pode aplicar na Alemanha; contudo a lei sobre as sanções econômicas contra Cuba se aplica à França, à Suíça, etc. Recentemente o Banco UBS teve que pagar uma multa de 100 milhões por existir uma conta bancária que pertencia a Cuba, em dólares. Aplicação extraterritorial das sanções econômicas sob Obama; existe, repito, uma contradição entre sua retórica, de “mudança”, e a realidade dos atos que faz com que a cada ano se prorrogue o estado de sitio econômico contra Cuba, recorra a uma lei de 1917, a Lei de Comercio com o Inimigo.

-EG: Queria abordar com Salim uma aresta que ele tem desenvolvido em suas investigações e tem a ver com o tratamento da política de bloqueio ou de embargo na imprensa; quer dizer, já não como um problema econômico e político mas como um elemento de publicidade e de manipulação ideológica… como você vê este tratamento na imprensa internacional, na imprensa Ocidental.
-SL: Existe um fato muito revelador; na história das votações das Nações Unidas a resolução que tem conseguido mais votos, a cada ano, é a resolução contra as sanções econômicas (contra Cuba). Em outubro de 2011 pela vigésima vez, uma imensa maioria da comunidade internacional, 185 países, votaram pelo levantamento dessas sanções econômicas; contudo este fato, midiático, tem sido suprimido, censurado, ignorado na imprensa. A imprensa ocidental fala muito dos problemas econômicos que existem em Cuba; e eles existem, e sérios. E contudo nunca evoca, repito, o principal obstáculo ao desenvolvimento econômico da nação; que é o embargo comercial ou bloqueio, podemos chama-lo como queiramos. Alguns dados: Cuba não pode vender absolutamente nada aos EEUU, só pode comprar, com restrições, matérias primas alimentícias desde 2000. Há que recordar que o mercado histórico e natural de Cuba sempre foram os EEUU.
Em 59, 73% das exportações cubanas iam aos EEUU, e Cuba importava 63% do que consumia; ou seja, que essa ruptura unilateral do comércio entre Cuba e EEUU constitui o principal obstáculo. Mas é mais, as sanções econômicas tem um caráter extra territorial; vou dar um par de exemplos precisos.
Se uma empresa francesa que fabrica pastéis, vocês sabem que os pastéis franceses são muito bons, quer exportar seus pastéis aos EEUU, porque é a primeira economía do mundo, o principal mercado mundial e é uma ambição econômica exportar e vender esses pastéis, para que a França, uma empresa francesa possa vender esses pastéis, tem que demonstrar ao Departamento do Tesouro que seus pastéis não contém uma grama de açúcar cubano. Cuba não pode vender absolutamente nada aos EEUU, neste caso tampouco lhe poderá vender a França. Tomemos outro exemplo, a Mercedes Benz, a empresa alemã que fabrica talvez  os melhores carros do mundo, para que essa empresa Mercedes Benz possa exportar seus carros aos EEUU tem que demostrar ao Departamento do Tesouro que seus carros não tem nem uma só grama de níquel cubano; então Cuba não pode vender seu níquel aos EEUU, nem tampouco poderá vender-lhe à Alemanha. Esses são exemplos claros do impacto das sanções econômicas.

-EG: Mas na imprensa, como se vê isso na imprensa, Salim?
-SL: Existe uma censura de tudo isso. Os leitores o sabem, a opinião pública o sabe, qual é o efeito das sanções econômicas? Por quê existem 185 países que votaram contra as sanções econômicas? Não é porque existem 185 países amigos de Cuba. Cuba tem muitos amigos no mundo, mas não todos. Por exemplo, toda a Comunidade Econômica Européia votou contra essas sanções, e a Comunidade Econômica Européia tem uma política hostil à Cuba. Porque a comunidade internacional sabe qual é o impacto dramático das sanções econômicas para a população cubana. As sanções econômicas não afetam aos dirigentes, afetam o povo. Então eu não entendo essa lógica de apoiar essas sanções inclusive por setores, que tem uma opinião divergente ao governo de Havana; eu posso entender que alguém pense distinto ao governo de Havana, mas de verdade que se o que lhe importa é o bem estar de seu povo, não tem mais remédio que condenar incondicionalmente às sanções econômicas contra Cuba.

-EG: Salim Lamrani, na retórica pública da administração Obama agora se trata de canalizar a ideia de que EEUU não podem avançar mais, não podem normalizar as relações com Cuba porque o obstáculo que estão arguindo é o contratista preso em Havana Alan Gross; e tal faz parecer que se se liberta a Gross tudo se vai normalizar, como você vê este novo pretexto que põe a administração norte-americana para não avançar mais?
-SL: Primeiro, tem que por na mesa o postulado correto, quando a administração Obama diz: “Esperamos sinais ou reciprocidade para poder normalizar as relações”, é um postulado equivocado porque Cuba não impõe sanções econômicas aos EEUU; Cuba não ocupa uma parte do território norte-americano pela força, como é o caso de Guantánamo; Cuba não financia à oposição interna com objetivo de subverter a ordem; a agressão, a hostilidade, o estado de sitio, repito, é unilateral. Cuba não tem que fazer concessões aos EEUU, porque poderá dizer… vemos o caso mais emblemático dos direitos humanos; eu repito, convido a todos os radio ouvintes a tomar o Informe da Amnistía Internacional sobre os direitos humanos nos EEUU e compara-lo com o de Cuba. Eu repito que é uma retórica, um argumento que carece de fundamento porque os EEUU não tem absolutamente nenhuma autoridade moral para dissertar sobre a questão dos direitos humanos. Evoquemos agora o caso de Alan Gross. Alan Gross é um contratista que desenvolvia um programa da USAID destinado a minar o governo cubano, o sistema cubano, com objetivo público de troca de regime, fornecia a setores da dissidência material altamente sofisticado como telefones via satélite; isso está controlado em Cuba. Alguém não pode entrar com um telefone via satélite em Cuba, por quê?, porque a realidade é que Cuba é um país que sofreu 50 anos de terrorismo; com o telefone via satélite alguém pode dar uma indicação para alguém, e que ponha uma bomba ou não sei que. Washington disse que Alan Gross só viajou a Cuba para ajudar à pequena comunidade judía de Havana; bem, escutemos o que diz a própria comunidade judia, que diz? As principais organizações judías disseram uma e outra vez que não tinham nenhum contato com Alan Gross. E que não necessitavam de sua ajuda porque mantinham excelentes relações con o governo de Havana, e muitíssimas outras relações com comunidades judias dos EEUU e do resto do mundo que lhes fornecem tudo o que necessitam. Na realidade (Alan Gross) formava parte de um programa, talvez não lhe tenham expressado quais eram os riscos que corria; mas a realidade é que Alan Gross violou a lei, cometeu um delito grave; delito que na França se castigaria com 30 anos de prisão. Eu creio que também nesse caso, que além de ser um caso político é um caso humanitário, a reciprocidade é importante, se pode resolver este tema de Alan Gross. Se os EEUU liberam a 'los cinco' presos políticos, um saiu mas está en liberdade condicional, me refiro aos que integraram (infiltraram) clandestinamente algumas entidades violentas do exilio cubano para impedir que realizassem atentados terroristas e que foram condenados a penas que vão de 15 anos até duas prisões perpétuas. Eu creio que se a administração Obama, repito, que é uma administração lúcida com respeito a anterior, quer resolver este problema, podem fazer um intercâmbio de presos: soltam a 'los cinco' e eu estou convencido que o governo de Havana faria o mesmo e soltaría a Alan Gross. Eu creio que não há que esperar nenhum gesto unilateral de nenhuma parte, o diálogo, a negociação, só pode desembocar em algo positivo.

-EG: Você acredita que a visita do Papa Benedicto XVI a Cuba pode ajudar neste tópico de Alan Gross-Los 5? Além do próprio processo eleitoral norteamericano, que não se pode deixar de ter em conta…isso pode ajudar a encontrar uma solução?
-SL: Eu creio que a visita do Papa, de Sua Santidade, será beneficiosa.Não só para Cuba mas também para as relações entre Havana e Washington. Vários membros da Igreja Católica norte-americana e cubana, eminentes membros, publicaram faz pouco, umas duas ou três semanas, uma declaração que pedía que de um lado Cuba soltasse Alan Gross por razões humanitárias, e que os EEUU soltassem a 'Los 5'. Eu creio que a voz do Vaticano é uma voz importante na cena internacional, e estou seguro de que o governo de Havana lhe prestará uma atenção importante, e espero que o governo de Obama faça o mesmo e que se possam atenuar as tensões que existem entre ambos países já há 50 anos.

EG: Professor Salim Lamrani, você entrevistou faz algum tempo a multipremiada, eu diría a plusmarqueteira dos premios em Cuba que é Yoani Sánchez; você publicou uma entrevista que foi repercutida em muitos meios de comunicação. Depois Yoani tratou de dizer que a entrevista havia sido manipulada por você. Depois soubemos que supostamente o Presidente Obama lhe havia respondido umas perguntas, que finalmente foi o próprio Jonathan Farrar, embaixador, quem escreveu as perguntas e as respostas. 
Yoani nos dizia que havia enviado as perguntas ao Presidente Raúl Castro; depois soubemos por Wikileaks que nunca havia enviado o questionário. E, finalizando, que ela ia demonstrar que você havia manipulado aquela entrevista com ela. Gostaria de uma visão sua a esta altura do tempo, sobre aquele momento com Yoani Sánchez e sobre as declarações que não deixa de fazer Yoani Sánchez. Yoani Sánchez tem uma capacidade para surpreender-nos, incrível!

SL: Bem, Yoani Sánchez, com respeito à entrevista que eu lhe fiz, teve três versões diferentes. Primeira versão que publica em seu blog, é que foi um bate-papo agradável. A segunda versão foi que a entrevista havia sido mutilada. Ou seja, que eu havia censurado coisas que ela havia dito. A terceira versão foi que eu tinha inventado respostas; então eu desafiei a Yoani Sánchez e lhe repito outra vez, é que ela publique em seu blog as respostas que eu tenha inventado. Se as publica e eu não publico as gravações, ficarei mal. Eu sigo de modo atento o que publica Yoani Sánchez e me dei conta de que havia desmentido coisas sobre o embargo, sobre Batista, que estão na entrevista; e sobre "Los 5". O que disse em um artigo que eu publiquei que se chama “La diplomacia norteamericana y la disidencia cubana”, foi publicar precisamente tudo o que ela havia negado. Convido a que siga negando o que eu tenha inventado e se eu não publicar o que ela nega, eu vou estar errado.

-EG: Você a está desafiando?

-SL: Eu estou a desafiando, claro. A que faça isso em seu blog, ou em declarações na imprensa como eu fiz.

-EG: O certo é que a imprensa parece que tomou uma posição comum, de que além de todos esses prêmios que tem, que nada que critique a Yoani Sánchez se publica; é como se Yoani Sánchez fosse o filho pródigo, a Santa Madalena, não sei… A imprensa censura as críticas a Yoani Sánchez.

-SL: E nisso eu… Talvez tenha sido eu o único jornalista que lhe tenha feito uma entrevista sem complacência. E eu lhe permití que expressasse seus pontos de vista. Existem muitas contradições na história de Yoani Sánchez; que todo jornalista honesto e profissional deveria salientar; por exemplo, Yoani Sánchez descreve a realidade cubana de modo apocalíptico, que é a antecâmara do inferno; quando alguém lê seu blog vê que é uma visão tremenda da realidade cubana e ainda assim tempos depois ela viaja a Suíça, a pérola da Europa, um dos países mais ricos do mundo, ficou lá dois anos e decidiu voltar. De duas uma: ou Yoani Sánchez não dispõe de todas suas capacidades mentais, o que não creio; ou a realidade que ela pinta é menos obscura do que pretende. Também eu me pergunto como em tão pouco tempo, de 2007 até agora, ela tenha podido conseguir tantos prêmios; no total, do ponto de vista econômico, representam quase 300 mil euros; que são quase 22 anos de salário mínimo na França; representam 1487 anos de salário mínimo em Cuba. Eu não acredito em casualidades; eu acredito que por trás de Yoani Sánchez existem poderosos interesses. E, por exemplo, ela que é tão expressiva em seu blog, que se apresenta como a transparência personificada, não publicou que se reuniu com Bisa Williams, a mais alta funcionária do governo de Obama que a visitou em Cuba, secretamente, em seu apartamento. Tampouco, e isso lança uma sombra sobre sua credibilidade, algo que você mencionava… disse que lhe havia feito uma entrevista a Obama que… bom… na realidade não me surpreende muito que tenha sido Farrar o que tenha respondido, isso é quase normal em quase todos os países do mundo, sempre são altos funcionários que respondem pelo Presidente, o Presidente assina; o que se questiona em sua credibilidade e ela o disse públicamente, e na entrevista me afirmou, é que  tinha mandado as perguntas a Raúl Castro e que ele não tinha respondido. Pois confessou a Jonathan Farrar, que o disse no cabo de Wikileaks, que na realidade nunca tinha mandado as perguntas. Isso, e lamento dizer, lança uma sombra sobre sua credibilidade.


-EG: Se há um tema que você conhece por origem, você é um francês de origem argelina, e tem visto “as primaveras” que tem ocorrido no mundo árabe, no norte da África; a pergunta, que tem sido feita a outras pessoas: qual é sua interpretação deste fato, e a surpresa para alguns que esperavam que em Cuba também, e realmente, em Cuba não?
-SL: Eu creio que é difícil expressar, ou explicar as grandes tendências históricas do mundo árabe em tão pouco tempo, mas para resumir, em todos esses países, Egito, Tunísia, Yemen, há décadas existem governos ditatoriais aliados do mundo ocidental, sempre protegidos, defensores de certo modelo econômico que oprimiam ao seu povo. Chegou o momento na situação econômica e social que foi tão difícil que o desespero da gente se expressou mediante essa primavera árabe. A gente, como você sublinhou, se pergunta por quê isso não ocorre em Cuba; por uma razão simples: é que em Cuba a primavera cubana ocorreu em 59. Não estou dizendo que não existem setores insatisfeitos na população cubana; mas esses setores insatisfeitos sabem que a mudança, que tem que ocorrer, ocorrerá dentro de Cuba, sem intervenção estrangeira. Os cubanos também sabem o que podem perder; vivem em condições de vida, apesar de modestas, apesar de todas as vicissitudes cotidianas, que são excepcionais se levarmos em conta a problemática do Terceiro Mundo.
Cuba tem uma expectativa de vida de 78 anos; uma das mais altas, talvez a mais alta do Terceiro Mundo; uma taxa de mortalidade infantil de 1.8 por mil, a mais baixa do continente americano incluindo Canadá e os EEUU; e a mais baixa do Terceiro Mundo. Cuba tem um índice de desenvolvimento humano nada comparável com o que existe no resto do planeta, do Terceiro Mundo sobretudo. Ou seja, que comparar, demonstra que os postulados midiáticos sobre a natureza do governo cubano são falsos. Se o governo cubano fosse um governo que impusesse sua autoridade pela força, o povo cubano já haveria se rebelado,  rebelado há tempo; o cubano não é um povo covarde, e há que ler a história de Cuba para dar-se conta  disso. O povo cubano se rebelou contra o imperio espanhol, se rebelou contra a ditadura de Machado, contra a ditadura de Batista, ou seja, há um consenso entre a sociedade cubana para salvaguardar o sistema que tem, para eliminar as restrições e proibições excessivas; melhorar, mas dentro do sistema, não pedem uma troca de sistema em Cuba, pedem uma melhora do sistema. E essa é a grande diferença entre um governo popular, como o de Cuba, e ditaduras militares como a do Egito. Vimos faz um par de semanas a terrível repressão que ocorreu no Egito, qual foi a posição dos EEUU? Foi expressar sua preocupação, “preocupação”… imaginem vocês se essas coisas ocorressem em Cuba. Eu estou absolutamente convencido que até Luxemburgo pediria uma invasão militar na ilha.

-EG: Muitíssimo obrigado ao Prof. Salim Lamrani por ter compartilhado com "A tarde se move". Lhes desejo um próspero e feliz 2012.
-SL: Felicidades a ti e a todos os radio ouvintes.
-EG: Eu retorno ao vivo na semana que vem. Absolutamente: Feliz 2012 para todos vocês.


SALIM LAMRANI: “hay un consenso entre la sociedad cubana para salvaguardar el sistema”

PROGRAMA: La Tarde se Mueve (Miami. 14.50 AM, 5:00-6:00 PM)
PERIODISTA: Edmundo García
INVITADO: Prof. Salim Lamrani
FECHA: Jueves 29 de diciembre. 2011

NOTA BIOGRÁFICA: Salim Lamrani es escritor y periodista francés.Profesor de la Universidad de París. Doctorado por el Centro deInvestigaciones Multidisciplinarias del Mundo Ibérico en la Universidad de París-Sorbona IV. Especialista en medios de información y en las relaciones Cuba-EEUU. Conocedor de la realidad cubana de primera mano a través de estudios y visitas regulares. Recientemente ha disertado en Miami sobre el tema del papel de los medios en el tratamiento del tema de Cuba. Como periodista y estudioso ha entrevistado a figuras del gobierno, de la cultura y de la llamada disidencia. En fin, un conocedor de nuestra realidad.

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