quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Como Evitar Falácias




Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa! (...)

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...


Cecília Meireles -
Romanceiro da Incofidência

1. Introdução

Cuidado com as palavras! Cuidado com o que você ouve, lê ou escreve. Você não deve acreditar em tudo o que ouve ou lê. Você deve ter habilidade para lidar com discursos, com textos, com o que lhe dizem, com argumentos que lhe apresentam nos debates do dia-a-dia. Deve distinguir o que o vulgo confunde. Deve ter critérios para aceitar ou rejeitar enunciados, argumentos, declarações feitas. Muitas carecem de fundamentação.

São ardilosas. Enganadoras. Fraudulentas. Falsas. Falaciosas.

Como você reagiria, por exemplo, aos enunciados abaixo? Quais você aceitaria? Como você argumentaria para rejeitar os que devem ser rejeitados? Tente.
  1. Se eu abrir uma exceção para você, deveria abrir também para João. Se abrir para João, devo abrir para André. E para Marcos também. Depois para Maria, Madalena, etc.
  2. Você deve votar de acordo com o partido! Ou será expulso!
  3. A professora chamou a atenção de Joãozinho na semana passada (duas vezes) e nesta (segunda, quarta e sexta). Não adianta mais chamar a atenção dele. Vamos suspendê-lo.
  4. Os brasileiros gostam de praia, café, carnaval e futebol.
  5. A lei que reduz o porte de armas de fogo deve ser abolida, pois, desde que entrou em vigor, a criminalidade aumentou.
  6. Os empregados são como pregos: temos que bater para que cumpram suas funções.
  7. Deve-se coibir usos como estes: "Me dá um cigarro", "eu vi ele", "tu foi", etc., porque, com essa permissividade, vamos reduzir a língua de Camões a uma falação de brutos, a uma língua pobre, de poucas palavras e alguns grunhidos.
  8. Sabia que o casal X está se separando? Mas cuidado: em briga de marido e mulher ninguém põe a colher.
  9. Aqui se faz, aqui se paga.
  10. Você confia num dentista que foi aprovado com média cinco no vestibular?
  11. É perigoso viajar em carro dirigido por mulher.
  12. Crentes, muçulmanos, são todos uns fanáticos.
  13. Os padres são pedófilos, os padres são mulherengos, os padres só pensam em dinheiro, os advogados são uns enroladores, os políticos são corruptos, os médicos uns açougueiros, os alunos são uns deitados, etc.
  14. O elo perdido entre o homem e o macaco não foi encontrado: por isso a teoria da evolução está errada e a Bíblia está certa.
  15. A ingestão de vinho faz bem.
  16. O vinho é uma bebida saudável, que faz bem ao coração. É estimulante. Assim foi reconhecido por todos os povos antigos. Inclusive o Apóstolo São Paulo recomendava vinho em suas epístolas.
  17. Tratava-se de discutir e eleger o perfil do professor ideal: ele seria autoritário ou deveria dar plena liberdade aos alunos?
  18. A egiptóloga Fulana de Tal é uma principiante, obteve o doutorado há pouco tempo, tem limitada experiência: não pode julgar um descobrimento tão importante.
  19. Não vou votar nele para presidente: ele bebe.
  20. Todo nordestino é hábil, L. é nordestino, L. é hábil - Toda pessoa hábil é bom político. Ele é hábil. Ele é bom político, - Todo bom político é bom administrador. Ele é bom político. Ele é bom administrador. - Todo bom administrador merece ser eleito. Ele é bom administrador. Ele merece ser eleito.
  21. Dez milhões de pessoas não podem estar erradas. Junte-se a nossa igreja você também.
  22. Isso é uma verdade tão sublime que um milhão de pessoas já a aceitaram como regra de fé.
  23. A Astrologia é uma arte adivinhatória praticada há milhares de anos no Oriente. Conta-se que os antigos reis da Babilônia teriam feito uso dela para saberem os dias mais propícios para as batalhas. Até os antigos imperadores chineses recorriam aos astros para guiarem seus passos no governo. É inadmissível que ainda hoje não a considerem uma ciência.
  24. Essas práticas remontam aos primeiros séculos de nossa igreja. Como você pode questioná-las?
  25. Milhares de pessoas acreditam no poder das pirâmides. Sem dúvida, elas devem ter algo especial.
  26. Os índices de analfabetismo têm aumentado muito depois do advento da televisão. Obviamente ela compromete a aprendizagem.
  27. A grande maioria das pessoas deste país são favoráveis à pena de morte como meio de reduzir a violência. Ser contra a pena de morte é, pois, ridículo.
  28. Não acredite nos lingüistas: eles estão a serviço de uma ideologia de esquerda; são liberais, revolucionários e populistas.
  29. Não é preciso conhecer matemática para vencer na vida. Meus conhecimentos dessa matéria não vão além das quatro operações e das frações ordinárias; no entanto tenho um salário maior do que o de muitos engenheiros.
  30. O senhor não tem autoridade para criticar nossa política educacional, pois nunca concluiu uma faculdade.
  31. Espero que o senhor aceite o portfólio e dê uma ótima nota, pois passei cinco noites sem dormir e ainda por cima cuidando de minha avó, que está muito doente.
  32. Professor, eu preciso tirar boa nota. Se eu aparecer em casa com nota tão baixa, minha mãe pode sofrer um ataque cardíaco.
  33. Eu não votei em Lula: afinal ele nem sabe falar direito.
  34. Por que deveria eu ouvir uma ignorante como você?
Todos os enunciados acima devem ser rejeitados. São falácias. São enunciados ou tentativas de persuadir o leitor mediante em raciocínio errôneo, mediante um argumento fraudulento, enganoso.

Essas falácias, como você pode constatar, estão em todos os discursos: na publicidade, na política, nas religiões, na economia, no comércio, etc.

Falácia é, pois, todo o raciocínio aparentemente válido, mas, na realidade incorreto, que faz cair em erro ou engano.

Tradicionalmente, distinguem-se dois tipos de falácias: o paralogismo e o sofisma. O paralogismo é uma falácia cometida involuntariamente, sem má-fé; o sofisma, uma falácia cometida com plena consciência, com a intenção de enganar.

Essa distinção não é, no entanto, aceitável, pois introduz um critério exterior à lógica - a ética. Dito de outro modo, não compete à lógica apreciar as intenções de quem argumenta. Por isso, tornam-se como sinônimos os termos falácia e sofisma.
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