sábado, 13 de novembro de 2010

A vida no Tucanistão

Extraído do site TIE Brasil
Por Marcelo Carneiro da Cunha
Estimados leitores, noves fora cá estamos, todos inteiros, uns chamuscados, outros contentes, mas no rumo certo que é o da democracia firme forte, nos levando, esperamos, para nos transformarmos daqui a algumas décadas em uma Dinamarca dotada de ginga.
O que vemos no pós-resultados, é que o Brasil é cada vez mais um país tomado por governos de centro-direita a centro-esquerda, com matizes tropicais por todo lado, claro. Mas a direita, a boa e feroz direita, perdeu, e muito, espaço, fora de Santa Catarina, que segue com o DEM, sabe-se lá por que.
Olhando para o mapa, também dá pra ver que o PSDB, se não emplacou o seu candidato na Presidência, saiu melhor do que entrou, conquistando tantos governos estaduais que, para maior eficiência administrativa - e isso é um segredo ao qual essa coluna teve acesso exclusivo, mediante o pagamente de propina de um pão de queijo e um caldo de cana para o motoboy que levava os mapas para fazer Xerox, - resolveu implantar o que orgulhosamente apresentamos aqui e agora, para você fiel leitor: bem-vindo ao mais novo e mais emergente país emergente do mundo, também conhecido como Tucanistão.

O Tucanistão é parte integrante do Brasil, e, claro, tem fim programado para 2014, quando ele pretende finalmente englobar o que ainda não é São Paulo. O Tucanistão não é absolutamente separatista, e nem faz sentido isso quando tudo que você quer é o todo, mesmo enquanto se contenta em lamber as partes, não é mesmo?

Mas o Tucanistão terá as suas particularidades, claro, consequência da sua dinâmica política, cultural e gastronômica, e essas serão as suas marcas principais, e a exigência de que a sigla BRIC, mude para algo como BRICTBRax, que combina melhor com a visão internacionalista do seu governo e aproveita parte de uma logomarca pela qual que eles pagaram uma grana preta e nem usaram direito.

O Tucanistão terá traje oficial e criado pelo Empório Armani. Mas nas sextas-feiras toda a população masculina estará liberada para andar por aí com camisa social de qualquer cor, desde que azul e colocada para dentro das calças, preferencialmente beges e com cinto de couro marrom; sapato, Democrata.

O Tucanistão terá uma igreja própria, por conta de compromissos de campanha, e inovará criando o primeiro Papa evangélico de que se tem notícia. Os mais cotados para o cargo são o Silas Malafaia e Wellington Jr, claro. Houve alguma demora enquanto se decidia se o melhor sistema era o de concessão ou de partilha, mas após decisão do concílio, o papado vai mesmo a leilão, que acontece nesse instante na FIESP. Acompanhem para ver se já saiu fumacinha branca do telhado, por favor.

Por uma política de irradiação de características regionais importantes para a alma tucanistana, a língua oficial vai ser, claro, o português, mas na sua versão falada em Pindamonhangaba, e, por esse motivo, fica abolido oficialmente o uso da letra "r". O hino está sendo composto nesse instante, mas o ritmo ainda está por ser definido entre sertanejo uspiano e modinha de viola.
Pais e mães terão plena liberdade na escolha dos nomes dos filhos, mas haverá incentivos fiscais para quem preferir Maurício para eles, Patrícia, para elas.

A capital federal vai estar situada, ora, óbvio; e a sede do governo vai ser construída no Itaim em um estilo neoclássico desenvolvido especialmente pela Cyrela para essa finalidade, e que vai ter uma filial da Daslu, uma Casa do Saber - que fará as vezes de Ministério da Cultura, e até mesmo uma sala de uuuuns vinte metros quadrados para os grandes comícios que o PSDB promove de tempos em tempos.

O Tucanistão, como entidade do século 21, vai experimentar várias modalidades de governo em seus diferentes territórios, incluindo a monarquia parlamentarista, a democracia representativa ma non troppo, o coronelismo, e o sistema de clãs tribais em voga na sua fronteira mais ao sul - isso porque São Paulo, como capital federal e sede do império, é quem vai mandar mesmo.
O Tucanistão é pacifista, a não ser que o Zé Dirceu apareça no outro lado da rua, e não pretende impor a sua ideologia a quem quer que seja. Mas Minas Gerais vai ser tratada como território ocupado por conta de umas diferençazinhas que talvez existam entre as lideranças daqui e de lá. Um interventor vai ser nomeado, e o Aécio exilado em Brasília.

Como posicionamento político básico, o governo tucanistano vai ser de oposição, embora ainda não tenha certeza bem como. Sabe-se que, para praticar a saudável arte de ir contra tudo isso que está aí, a militância realizará um treinamento de campo, se opondo a tudo que acontece no Paraguai e na Bolívia. Dali para desafios maiores, é um passo.

O Tucanistão, em sua totalidade, vai ser uma democracia representativa, representada, sempre, por um grande conselho formado por um número significativo de líderes do PSDB, em um total nunca superior a três. Os DEM também fazem parte, claro, mas preferem não aparecer.

Em mais um passo na busca de economia e eficiência, a imprensa oficial passa a ser o Estadão, para não se perder mais tempo com estruturas sobrepostas, e o pedágio nas estradas será dobrado para as pessoas terem alguma coisa a reclamar, já que todo o resto está praticamente solucionado, e bem.

Uma negociação intensa já foi iniciada para que a parte norte do Tucanistão tenha acesso ao mar, antigo e justo anseio dos mineiros e uma provável causa de a província se manter tão rebelde. Trancoso será ocupada, pelos métodos necessários, e transformada num paraíso para os que não queiram passar oito horas na Imigrantes tentando chegar ao litoral tucanense.

A moeda será o real, e o resto do Brasil que adote outra, porque essa foi criada por quem mesmo?

Relações amistosas serão mantidas com Brasília, mesmo enquanto ela permanecer nas mãos de insurgentes, e uma reforma no fuso horário vai ser ampliada para reduzir o período de um dia, que passa a ter doze horas e assim, 2014 já chega no ano que vem. Isso, para alívio de todos os brasileiros que não aguentam mais o radicalismo sindical que tomou conta da República e hoje nos faz viver em uma ditadura da qual só é possível escapar por conta do fato de a nossa moeda estar tão forte e todo mundo ter acesso a viagens aéreas, em mais uma demonstração do fracasso da administração usurpadora do Lula.

Escândalos são revogados, e qualquer irregularidade de até quatro bilhões envolvendo o Metrô será tratada como coisa menor e sem importância.

Como o Tucanistão é a terra das oportunidades, Paulo Preto poderá se candidatar ao cargo de iminência parda da República Tucanistana, bastando para isso topar uma mudança no apelido.

O Tucanistão será um lugar progressista e divertido, onde todo mundo vai poder andar livremente e em segurança. Objetos perigosos serão removidos das ruas, bolinhas de papel se tornarão armas de uso exclusivo da ROTA e bolinhas de sabão declaradas armas químicas e, consequentemente, banidas.

Bem-vindos todos ao Tucanistão. Tragam seus pobres, seus doentes, seus fracos. Que a gente manda loguinho pra longe daqui, onde eles vão ser bem, mas bem mesmo, melhor recebidos.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Enviada por Ivo Pugnaloni, às 16:13 12/11/2010, de Curitiba, PR

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