Lendo o livro "Para Entender o Poder", de Peter R. Mitchell e John Schoeffel, que reúne declarações de Noam Chomsky, acerca de vários assuntos pertinentes ao mundo atual, com um viés histórico muito bem definido, deparei-me, ontem à noite e por coincidência, dado ao acontecido com a Flotilla Humanitária que levava mantimentos aos palestinos em Gaza e dentro do Capítulo 4 (Colóquio), no subtítulo "Entendendo o Conflito do Oriente Médio", com uma pergunta feita pelo entrevistador, a Noam, esse é o molde do livro, que dizia o seguinte:
Homem: Se eu puder mudar o tópico só um pouquinho, professor-gostaria que nos falasse um pouco sobre a situação no Oriente Médio hoje em dia. As pessoas dizem que oss palestinos estão utilizando a mídia mais do que nunca, a fim de chamar a atenção para a repressão israelense[i.e.,durante a rebelião palestina do final dos anos 1980]. Eu me pergunto se você acha que isso terá algum efeito sobre a ocupação, por Israel, dos territórios palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza no futuro?
[Nota dos organizadores: a seguinte discussão do conflito palestino-israelense forma a base da análise de Chomsky do chamado "processo de paz" que começou no início dos anos 1990 e que é discutido nos capítulos 5 e 8]
Bem, esse negócio dos palestinos "usando a mídia" é principalmente, no meu ponto de vista, lixo racista. O fato verdadeiro é que a Intifada é uma grande revolução popular de massa em reação ao tratamento absolutamente brutal sob o qual os palestinos vem vivendo-e que está ocorrendo em vários lugares onde não há câmeras de televisão e em lugares onde há.
Vejam, há toda uma cantilena racista que é muito comum nos Estados Unidos. Uma das minhas versões preferidasdisso apareceu no jornal Commentary, em um artigo escrito por um professor canadense. Dizia:os palestinos são "gente que cria, sofre e propagandeia sua desgraça". Pura propaganda nazista. Isto é, imaginem se alguém dissesse isso sobre os judeus: "Judeus são gente que cria, sofre e propagandeia sua desgraça.". Mas isso é o tipo da coisa que se escuta-é uma versão particularmente vulgar, mas o espírito da coisa é: olhem, os palestinos estão só fazendo isso para as câmeras, porque estão tentando desacreditar os judeus.
Mas eles fazem exatamente a mesma coisa, quando não há câmeras.
A questão verdadeira é que Israel está tendo muita dificuldade para abafar essa revolução popular. Isto é, a repressão dos palestinos na Cisjordânia não é qualitativamente diferente, neste momento, do que foi durante os últimos vinte anos-é só que ela aumentou em escala desde que os palestinos começaram a revidar a Intifada. Então, na verdade, a brutalidade que vocês agora veem ocasionalmente na televisão vem acontecendo durante os últimos vinte anos, e é só a natureza de uma ocupação militar: ocupações militares são duras e brutais, não há outro tipo [Israel tomou a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e as Colinas de Golan, respectivamente, da Jordânia, do Egito e da Síria, durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e controla esses territórios desde então]. Houve destruição de casas, punições coletivas, expulsão, muitas humilhações, censura, isto é, seria preciso voltar aos piores dias do Sul dos Estados Unidos para saber como tem sido para os palestinos viver nos Territórios Ocupados. Eles não devem erguer as cabeças-isso é o que dizem em Israel: " Eles estão erguendo as cabeças, temos de fazer alguma coisa quanto a isso." E é desse modo que os palestinos tem vivido.
Bem, os Estados Unidos apoiaram isso com bastante satisfação-enquanto funcionava. Mas nos últimos anos não funcionou. Vejam, as pessoas com poder entendem exatamente uma coisa: violência. Se a violência é eficaz, está tudo bem: mas, se a violência perde a eficácia, então ela começam a se preocupar e têm de tentar alguma outra coisa. Então, neste momento, podemos ver os estrategistas americanos reavaliando suas políticas para os Territórios Ocupados, tal como podem ver a liderança israelense fazendo sua reavaliação-porque a violência não está mais funcionando tão bem. De fato, a ocupação está começando a ser bastante prejudicial para Israel. Então, é inteiramente possível que possa haver alguma mudança estratégica a respeito da forma como Israel conduz o controle dos Territórios Ocupados-mas nada disso tem alguma coisa a ver com "usando a mídia".
Mulher: O que, então, você acha que poderia ser uma solução para resolver o conflito naquela região?
Bem, fora os EUA, todo mundo saberia a resposta a essa pergunta. Isto é, há anos existe no mundo um consenso muito amplo quanto ao esquema básico da solução no Oriente Médio, com a exceção de dois países: os EUA e Israel. Vai ter que haver alguma variedade de solução bipartite.
Vejam, existem dois grupos reivindicando o direito de autodeterminação nacional no mesmo território; ambos têm seu direito, são direitos conflitantes. Há vários modos com que tais direitos conflitantes poderiam ser reconciliados-isso poderia ser feito através de uma federação, uma coisa ou outra-mas, dado o atual estado do conflito, simplesmente terá de ser feito através de alguma forma bipartite. Ora, seria possível discutir sobre as modalidades- deveria ser uma confederação, como se resolve a integração econômica, e assim por diante- mas o princípio é bastante claro: tem de haver alguma solução que reconheça o direito de autodeterminação dos judeus em alguma coisa como o Estado de Israel e o direito de autodeterminação dos palestinos em alguma coisa como um Estado palestino. E todo mundo sabe onde esse Estado palestino seria-na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mais ou menos conforme as fronteiras que existiam antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967. E todo mundo sabe quem é o representante dos palestinos: é a Organização pela Libertação da Palestina[OLP].
Tudo isso é óbvio há anos-porque não aconteceu? Bem, é claro que Israel é contra. Mas o principal motivo pelo qual isso não aconteceu é que os EUA o bloquearam: os EUA vêm bloqueando o processo de paz no Oriente Médio durante os últimos vinte anos-nós somos os líderes do campo contrário a um acordo, não os árabes, nem ninguém mais. Vejam, os EUA apóiam uma política que Henry Kissinger chamou de "irresolução"; essa foi a palavra que usou, nos idos de 1970. Nessa época, havia uma espécie de racha no governo norte-americano sobre se devíamos nos unir ao amplo consenso internacional quanto a uma solução política, ou bloquear uma solução política. E, nessa porfia internacional, prevaleceram os linhas-duras; Kissinger era o seu principal porta-voz. A política que prevaleceu foi a que ele chamou de "irresolução": deixar as coisas como estão, manter o sistema de opressão israelense. E havia um bom motivo para isso, não era uma coisa saída do nada: ter um Israel aguerrido e militarista é parte importante de como governamos o mundo.
Basicamente, os EUA não dão a mínima para Israel. se ele entrar pelo cano ou não, os estrategistas dos EUA não estão nem ligando para uma coisa ou outra, não há nenhuma obrigação moral, nem nada. Mas para o que eles de fato ligam ligam é o controle dos enormes recursos de petróleo do Oriente Médio. Isto é, uma grande parte do modo como se dirige o planeta é controlando o petróleo do Oriente Médio, e no final dos anos 1950 os EUA começaram a entender que Israel seria um aliado muito útil a esse respeito. Então, por exemplo, existe um memorando do Conselho de Segurança Nacional, de 1958, destacando que o principal inimigo dos EUA no Oriente Médio (como em qualquer parte) é o nacionalismo, o que eles chamam de "nacionalismo árabe radical"-o que significa independência, países buscando um outro rumo que não a submissão às necessidades do poder americano
Creio que isso nos dá o básico para o entendimento, não só sobre como pensam os americanos na questão do Oriente Médio, mas como em regra os EUA se comportam e se conduzem, em relação ao resto do mundo.
O que dói, por conta disso e que fica claro no livro em questão, livro esse que vem com endereço na Internet ( http://www.understandingpower.com/) e onde podem-se, inclusive conferir as documentações oficiais que encontram-se em arquivos nacionais nos EUA, com livre acesso a qualquer um que se disponibilize, é ver que na questão do Irã, por exemplo, nossa velha imprensa se comporta servilmente, como parece também se comportar a coligação demo-tucana, ao contrário do espírito conciliador e contestatório do nosso atual Governo, que procura uma nova e tardia via, para as relações internacionais, de um modo mais equilibrado e igualitário.
Espero com este post, ter contribuído para o esclarecimento de alguém que não conheça a história e que possa, a partir disso, entender melhor as ações internacionais do nosso Governo, bem como para formar um melhor juízo de valor a respeito da questão do Oriente Médio e de como os EUA se comportam em relação ao mundo.
Em tempo, estas colocações de Noam sobre o Oriente Médio, são de 10 de Abril de 1990.
Se puderem, adquiram o livro. É muito bom!!
muito boa postagem ... o professor Noam é uma das pessoas de maior credibilidade no planeta ... parabéns pela escolha do texto
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