Amauri Arrais
Do G1, em São Paulo
Como aconteceu com quase todos os moradores de Nova York, os atentados de 11 de setembro de 2001 tiveram um profundo impacto na vida da carioca Julia Bacha, 29, que havia chegado à cidade aos 17 com a intenção de estudar inglês.
O abalo provocado pelo choque de dois aviões comandados por militantes da al-Qaeda às torres do World Trade Center levou a então estudante de história na Universidade de Columbia a querer entender mais sobre o Oriente Médio.
Equipe registra resposta com bombas de gás pelo Exército israelense durante as filmagens do documentário "Budrus", da brasileira Julia Bacha (Foto: Divulgação )
“Estava estudando histórias de diferentes lugares, até que o 11 de Setembro aconteceu e foi um momento muito impactante para quem estava em Nova York. O campus da Columbia é muito politicamente ativo. Fiquei envolvida e aí mergulhei no Oriente Médio e resolvi que ia me dedicar a isso”, lembra a brasileira.
Julia tinha deixado para trás o curso de direito na PUC do Rio, para a apreensão dos pais, o economista Edmar Bacha e a vereadora Andrea Gouveia Vieira. Ao concluir o curso, foi aprovada para uma das vagas no mestrado da Universidade de Teerã. Mas a invasão do Iraque pelos EUA em 2003 – um dos desdobramentos dos atentados de 2001 – endureceu as relações com o vizinho Irã, que negou o visto.
Enquanto esperava uma nova oportunidade para entrar no país islâmico, a brasileira se estabeleceu no Egito, para trabalhar como assistente da cineasta americana de origem egípcia Jehane Noujaim. Acabou assinando o roteiro e edição de “Control Room”, filme que marca sua estreia no cinema.
O filme chamou a atenção da israelo-canadense Ronit Avni, que convidou Julia para dirigir um núcleo de cinema da Just Vision, organização não-governamental fundada por ela nos Estados Unidos, com escritório em Jerusalém, para divulgar iniciativas pacifistas de israelenses e palestinos numa das regiões mais conflituosas do planeta.]
Ao lado de Ronit Avni (esq), a brasileira Julia Bacha agradece prêmio concedido pela rainha Noor, da Jordânia, durante pré-estreia do filme no último sábado (24), em Nova York (Foto: Divulgação)
“Trabalhamos do ponto de vista jornalístico e de cinema. O objetivo não é panfletário, não queremos dizer que tudo que está acontecendo é bom e numa direção certa. Queremos contar a história toda, com problemas, dificuldades, com o que está ou não funcionando. A gente acredita que essa maneira de contar histórias é muito mais efetiva para realmente criar interesse na comunidade internacional”, observa Julia.
Budrus
O mais recente filme dirigido por ela, o documentário “Budrus”, exibido por aqui no festival “É Tudo Verdade”, registra as mais de 50 passeatas organizadas pelo ativista Ayed Morrar ao longo de dez meses, no esforço de convencer Israel a alterar o traçado do muro que estava construindo nos territórios palestinos ocupados e que afetaria os 1.500 moradores do pequeno vilarejo homônimo.
Entre outros efeitos, a barreira destruiria parte de um campo de oliveiras, fonte de subsistência, além de dividir um cemitério e uma escola da vila. O que começa como um pequeno protesto dos moradores em frente às máquinas do Exército israelense, acaba chamando a atenção de organizações pacifistas e provoca uma impensável reunião dos rivais Hamas e Fatah pela causa.
Parte do material usado no filme foi filmado pelos próprios manifestantes, como forma de intimidar os militares. “A câmera tem esse efeito porque os soldados não querem ser filmados cometendo violações aos direitos humanos. Além disso, se alguma coisa acontecer, esse material pode ser usado como documentação ou pode ser repassado para a mídia”, explica Julia, que falou ao G1 do escritório da organização em Nova York.
Sessão de galaPremiado com o segundo prêmio do público no Festival Internacional de Cinema de Berlim, "Budrus" estreou esta semana nos EUA no prestigiado festival Tribeca Film. Antes, teve uma sessão de gala patrocinada pela rainha Noor, da Jordânia, que entregou a Julia e Ronit na ocasião o prêmio King Hussein Leadership Prize, concedido a indivíduos e organizações com ações de destaque em direitos humanos.
Com diversas produções no currículo, duas delas dirigidas pela brasileira, a Just Vision tem no seu acervo mais de 80 entrevistas de personagens dos dois lados do conflito, disponíveis em árabe, hebraico e inglês. O próximo projeto da ONG é uma série de curtas sobre o conflito.
A crescente visibilidade conquistada por "Budrus", ironicamente, pode atrapalhar as próximas produções da organização na região do conflito.
“Não sabemos como vão ser os próximos filmes. Não somos conhecidos e isso é uma vantagem. Mas esse filme está recebendo muita atenção na mídia israelense. Já é muito difícil entrar em Israel por conta do nível de segurança. Fora isso, trabalhar na Cisjordânia é sempre complicado, o Exército pode a qualquer momento decidir quem entra e quem não entra de forma arbitrária”, diz Julia.
Quanto a registrar movimentos pacifistas numa das regiões mais conflituosas do mundo, em constante risco de bombardeio, a brasileira relativiza: “Meus pais ficam preocupados, mas eu sinceramente acho que Rio e São Paulo não são menos perigosos do que o Oriente Médio”.
Histórico
Em 1847 durante o primeiro encontro sionista, ficou decidido que os judeus retornariam à Terra Santa, em Jerusalém de onde foram expulsos pelos romanos no século III d.C. Imediatamente teve início a emigração para a Palestina que era o nome da região no final do século XIX. Nesta época a região pertencia ao Império Otomano, onde viviam cerca de 500 mil árabes. Em 1903, 25 mil imigrantes judeus já estavam vivendo entre eles. Em 1914, quando começou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), já eram mais de 60 mil. Em 1948, pouco antes da criação do estado de Israel, os judeus já somavam 600 mil.
Os confrontos se tornavam mais violentos,à medida que a imigração aumentava. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), o fluxo de imigrantes aumentou drasticamente porque milhões de judeus se dirigiram à Palestina fugindo das perseguições dos nazistas na Europa. Em 1947, a ONU tentou solucionar o problema e propôs a criação de um "estado duplo": o território seria dividido em dois estados, um árabe e outro judeu, com Jerusalém como "enclave internacional". Os árabes não aceitaram a proposta.
No dia 14 de maio de 1948, Israel declarou independência. Os exércitos de Jordânia, Egito, Síria e Líbano atacaram mas foram derrotados. Em 1967 aconteceram os confrontos que mudariam o mapa da região, a chamada "Guerra dos 6 Dias". Israel derrotou o Egito, Síria e Jordânia e conquistou de uma vez toda a Cisjordânia, as Colinas de Golan e Jerusalém, leste. Em 1973, Egito e Síria lançaram uma ofensiva contra Israel no feriado de Yom Kippur, o Dia do Perdão,mas foram novamente derrotados.
Em 1987 aconteceu a promeira Intifada, palavra árabe que significa "sacudida" ou "levante", quando milhares de jovens saíram às ruas para protestar contra a ocupação considerada ilegal pela ONU. Os israelenses atiraram e mataram crianças que jogavam pedras nos tanques. provocando indignação na comunidade internacional. A segunda Intifada teve início em Setembro de 2000, após o então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon,ter caminhado nas cercanias da mesquita de Al-Aqsa, considerada sagrada pelos muçulmanos e parte do Monte do Templo,área sagrada também pelos judeus.
Israel permanece nos Territórios Ocupados e se nega a obedecer a resolução 242 da ONU,que obriga o país a se retirar de todas as regiões conquistadas durante a Guerra dos Seis Dias. Apesar das negociações, uma campanha de atentados e boicotes de palestinos, que se negam a reconhecer o estado de Israel, e israelenses, que não querem devolver os estados conquistados, não permite que a paz na região se concretize.
Em junho de 2007, a Autoridade Nacional Palestina se dividiu após um ano de confrontos internos violentos entre os partidos Hamas e Fatah, que deixaram centenas de mortos. AS Faixa de Gaza passou a ser controlada pelo Hamas, partido sunita do Movimento de Resistência Islâmica, e a Cisjordânia se manteve sob o governo do Fatah do presidente Mahmoud Abbas.
O Hamas havia vencido as eleições legislativas palestinas um ano antes,mas a Autoridade Palestina havia sido pressionada e não permitiu um governo independente por parte do premiê Ismail Hamiya. Abbas declarou estado de emergência e destituiu Hamiya, mas o Hamas manteve o controle de fato da região de Gaza.
Em 2010, a tensão volta a subir. O premiê israelense Benjamin Netanyahu decreta a construção de 1600 novas casas para judeus no setor oriental de Jerusalém, reivindicado pelos palestinos como sua capital. O anúncio causa oposição até dos aliados ocidentais de Israel, como os EUA. A Autoridade Palestina considera a ocupação judaica na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental,o maior impedimento para a paz.
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