Mino Carta
Ao ler os jornalões na manhã de segunda 17, dos editoriais aos textos ditos
jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a
perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e
duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase
de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.
Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o
papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi
de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e
infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas
subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.
Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique
Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos
enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência
inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O
presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes
revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado.
Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.
Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas
que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o
caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em
perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República,
um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da
autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do
governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em
equívocos e desatinos.
Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais
eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme,
ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia
mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o
tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No
entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma,
compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a
continuidade de Lula por meio de Dilma.
Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em
lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se
quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações
midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos
sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita
de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o
sequestrador?
A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado
enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à
ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca
participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando
não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel
exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto
de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os
demais implicados foi desterrado pela ditadura.
Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao
governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula,
primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do
mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao
atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do
jornalismo chamam os patrões de colegas.
Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem
sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no
decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em
relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a
exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico
entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das
páginas internas.
Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem
apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos
interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir
das urnas.
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