sábado, 22 de maio de 2010

Os interesses do império e os nossos, por Mino Carta.




Mino Carta 


Ao ler os jornalões na manhã de segunda 17, dos editoriais aos textos ditos 
jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a 
perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e 
duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase 
de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”. 


Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o 
papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi 
de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e 
infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas 
subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte. 


Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique 
Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos 
enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência 
inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O 
presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes 
revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. 
Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante. 


Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas 
que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o 
caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em 
perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, 
um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da 
autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do 
governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em 
equívocos e desatinos. 


Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais 
eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, 
ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia 
mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o 
tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No 
entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, 
compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a 
continuidade de Lula por meio de Dilma. 


Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em 
lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se 
quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações 
midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos 
sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita 
de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o 
sequestrador? 


A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado 
enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à 
ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca 
participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando 
não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel 
exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto 
de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os 
demais implicados foi desterrado pela ditadura. 


Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao 
governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, 
primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do 
mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao 
atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do 
jornalismo chamam os patrões de colegas. 


Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem 
sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no 
decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em 
relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a 
exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico 
entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das 
páginas internas. 


Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem 
apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos 
interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir 
das urnas. 







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