quinta-feira, 6 de maio de 2010

Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI

Este texto abaixo, que prá cá transcrevo, é a conclusão de uma palestra dada por Eric Hobsbawm em Nova Délhi, a convite da Indian Review of Books, em 2004.
Achei oportuno postar, especialmente para aqueles que condenam nossa Política Externa, com a convicção de que teríamos que continuar nos alinhando aos EUA em várias frentes, a que hoje lhes somos divergentes, observando com isso uma tendência mundial, além de estarmos prezando pela nossa soberania e na certeza que não vivemos mais o séc. XX, além de sermos capazes de andarmos por nossas próprias pernas, em busca de nossas necessidades internas.
"Francamente, não consigo entender como o que ocorreu a partir do Onze de Setembro nos Estados Unidos pôde permitir a um grupo de alucinados políticos pôr em execução planos há muito acalentados de uma atuação unilateral em busca da supremacia mundial. Creio que isso indica uma crise crescente na sociedade americana, que encontra expressão na divisão política e cultural mais profunda ocorrida naquele país desde a guerra civil e numa aguda divisão geográfica entre a economia globalizada das duas costas marítimas e o interior, vasto e ressentido; entre as grandes cidades, culturalmente abertas, e o resto. Hoje, um regime de direita radial busca mobilizar os "verdadeiros americanos" contra alguma força malévola e contra um mundo que não reconhece a singularidade, a superioridade e o destino manifesto dos Estados Unidos. O que temos de compreender é que a política global americana não é voltada para fora, e sim para dentro, por mais que seu impacto sobre o resto do mundo tenha sido grande e desastroso. Ela não foi concebida para construir um império ou uma hegemonia efetiva. Tampouco a doutrina de Donald Rumsfeld - guerras rápidas contra adversários fracos, seguidas por retiradas também rápidas  - foi concebida para produzir uma conquista global efetiva. Isso não a faz menos perigosa. Ao contrário. Como já ficou evidente, ela destila instabilidade, imprevisibilidade e agressão e terá consequencias não desejadas e quase certamente desastrosas. Com efeito, o perigo da guerra mais óbvio que existe hoje deriva de ambições globais do governo incontrolável e aparentemente irracional que está em Washington.


Como haveremos de viver neste mundo perigoso, desequilibrado explosivo, em meio a grandes deslizamentos das placas tectônicas nacionais e internacionais, sociais e políticas? Se estivéssemos conversando em Londres, eu alertaria os pensadores liberais do Ocidente, profundamete abalados pelos problemas de direitos humanos em diversas partes do mundo, para que não se deixem iludir pela crença de que a intervenção armada americana em outros países tem motivação igual à deles ou tem boas possibilidades de produzir os resultados que eles desejariam ver. Espero que isso não seja necessário aqui em Nova Délhi. Quanto aos outros governos, o melhor que podem fazer é demonstrar isolamento e , por conseguinte, os limites do atual poder mundial dos Estados Unidos, recusando-se firme e polidamente, a somar-se a novas iniciativas propostas por Washington que possam levar a ações militares, particularmente no Oriente Médio e na Ásia Oriental. Dar aos Estados Unidos a melhor chance de votar da megalomania para uma política externa racional é a tarefa mais imediata e urgente da política internacional. Pois, queiramos ou não, eles continuarão a ser uma superpotência, na verdade uma potência imperial, mesmo em uma era que indica seu evidente declínio econômico relativo. Esperamos, contudo, que seja uma superpotência menos perigosa

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