terça-feira, 19 de abril de 2011

Uma boa peça da história recente do Brasil: "Manifesto do seqüestro do embaixador americano. Rio (1969)"



De pé, a partir da esquerda: Luís Travassos, José Dirceu, José Ibrahim,
Onofre Pinto, Ricardo Vilas, Maria Augusta, Ricardo Zarattini e Rolando
Frati. Agachados: João Leonardo, Agonalto Pacheco, Vladimir Palmeira, Ivens
Marchetti e Flávio Tavares. *No dia 4 de setembro de 1969, militantes de
duas organizações que se propunham a derrubar a ditadura através da luta
armada, a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário 8 de
Outubro (MR-8), capturaram o embaixador dos Estados Unidos numa rua do
bairro de Botafogo, no Rio, exigindo a libertação de 15 presos políticos e a
divulgação do manifesto abaixo como condição para a devolução do diplomata.
Foi a mais espetacular ação da guerrilha urbana, que se iniciara timidamente
em 1968 e ganhara enorme impulso depois do AI-5. O governo atendeu às
reivindicações dos revolucionários: os presos políticos foram enviados para
o México e o manifesto foi publicado nos principais jornais e divulgado em
todas as rádios e televisões. Libertado o embaixador, seguiu-se feroz
repressão, que levou em novembro do mesmo ano ao assassinato de Carlos
Marighella. líder da ALN e principal dirigente da luta armada contra a
ditadura.*

“Grupos revolucionários detiveram hoje o sr. Charles Burke Elbrick,
embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o
mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros
atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se
arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros
tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde
se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura;
invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los
à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o
justiçamento de carrascos e torturadores.

Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra
revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua
etapa de guerrilha rural.

Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura
e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o
inimigo menos nos espera e desapareceremos em seguida, desgastando a
ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores, a esperança e a
certeza da vitória para o meio dos explorados.
O sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo,
que, aliados aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes
banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração.
Os interesses desses consórcios de se enriquecerem cada vez mais criaram e
mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão
institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara
de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará
desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que esta é uma luta sem
tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro
general no poder, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes
exploradores e com a constituição de um governo que liberte os trabalhadores
de todo o país da situação em que se encontram.

Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de
maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta
fogos de artifício e prega cartazes. Com isso, ela não quer comemorar coisa
nenhuma; quer jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa
alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão
em que vivemos. Pode-se tapar o sol com a peneira? Pode-se esconder do povo
a sua miséria, quando ele a sente na carne?

Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da elite e a do povo, a
dos que promovem paradas e a dos que raptam o embaixador, símbolo da
exploração.

A vida e a morte do sr. embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela
atender a duas exigências, o sr. Burke Elbrick será libertado. Caso
contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas
exigências são:

a) A libertação de quinze prisioneiros políticos. São quinze revolucionários
entre os milhares que sofrem as torturas nas prisões-quartéis de todo o
país, que são espancados, seviciados, e que amargam as humilhações impostas
pelos militares. Não estamos exigindo o impossível. Não estamos exigindo a
restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses
não serão libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a
libertação desses quinze homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um
deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um embaixador
dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de vista da ditadura e da
exploração.

b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais
jornais, rádios e televisões de todo o país.

Os quinze prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até
um país determinado _ Argélia, Chile ou México _, onde lhes seja concedido
asilo político. Contra eles não devem ser tentadas quaisquer represálias,
sob pena de retaliação.

A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita
nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos quinze
líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um
país seguro. Se a resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse
prazo, o sr. Burke Elbrick será justiçado. Os quinze companheiros devem ser
libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional".
Nas "situações excepcionais", os juristas da ditadura sempre arranjam uma
fórmula para resolver as coisas, como se viu recentemente, na subida da
junta militar.

As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e
oficiais da ditadura de que atenderá às exigências.
O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto
por nossa parte.

Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em
cumprir nossas promessas.

Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos
companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos
dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha
as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.”
Ação Libertadora Nacional (ALN)
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) 

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