Do Consciência.Net
Anunciada de forma descontextualizada – e, adianta-se, não foi o caso da entrevista da Míriam –, a informação não é necessariamente ruim. Afinal, o pagamento de impostos é fundamental para a manutenção de serviços básicos destinados à população, seja na área de saúde, educação ou segurança.
O (velho conhecido) problema é que, apesar da maciça carga de tributos que incide sobre a renda dos brasileiros, estes não recebem, em contrapartida, o suporte governamental pelo qual estão pagando; ao menos não com qualidade aceitável.
Soma-se a isso o fato de o país ter, principalmente em suas metrópoles – onde se encontra a maior parte da população –, um custo de vida relativamente alto, bastante incompatível com os salários da massa trabalhadora. Desproporcionalidade que é fomentada pelos acintosos níveis de concentração de renda brasileiros, que, há tempos, figuram entre os maiores do mundo.
Agrega-se-lhe ainda que os encargos sobre o consumo são equitativos: essa mesma massa de trabalhadores, que mal consegue se sustentar, paga a mesma quantidade de impostos sobre quaisquer produtos em um supermercado, por exemplo, que as classes mais abastadas.
Em resumo, existe uma máquina estatal inchada que, no entanto, não dá conta dos problemas sociais, e que exerce sobre as costas da maioria dos brasileiros enorme e indelével peso. Descompasso este que se traduz em sintomas como a informalidade trabalhista, em função do ônus associado à carteira assinada, e a sonegação de impostos – de acordo com um dos entrevistados por Míriam Leitão, de cada R$ 1 arrecadado no Brasil, pelo menos R$ 0,30 estão sendo sonegados.
Neoliberalismo ou Estado forte?
Ao deparar-se com tal cenário, há aqueles que se prontificam a afirmar que medidas de enxugamento do Estado são a resposta para eliminar tamanhas injustiças. Porém, a história nos mostra que a mitigação da participação do Estado na economia tende a descambar para um neoliberalismo selvagem, absolutamente irredutível em suas contas matemáticas, que tratam pessoas como números a serem operacionalizados.
Os tortuosos caminhos que levam a um nível de desenvolvimento, ou melhor, de qualidade de vida, escandinavo, por assim dizer, parecem revolver-se, ao longo do tempo, perante bifurcações existenciais: qual a orientação mais apropriada? Seguir rumo ao Estado mínimo, que, invariavelmente, dá brechas para que a lógica do capital se imponha como legisladora socioeconômica, ou optar pela via do aparato burocrático, que não raro dá lugar à megalomania populista-assistencialista, e a um fisiologismo asqueroso, responsável pela paralisia que impregna diversos braços do Estado em seus mecanismos de auxílio ao povo?
Essas são, sem dúvida, visões radicais (e, até segunda ordem, pessimistas) e não necessariamente correspondentes à realidade brasileira; ao que o país é, politicamente, hoje – a princípio, representado por um Estado forte e atuante e, por isso mesmo, dispendioso – e ao que foi, na década de 90, quando seguiu às riscas as orientações neoliberais do Consenso de Washington. No entanto, expressam o que de pior se abateu e se abate sobre o país em função do perfil de certas políticas adotadas e a forma como foram implementadas.
Se há um mapa que aponte o caminho a ser escolhido, ele dificilmente dará uma indicação óbvia e simples, como “siga pela direita” ou “siga pela esquerda”. A orientação, por mais pragmática, seria abrir nova via em meio às existentes, transpondo para seu projeto o que de melhor serviu às outras duas estradas: seja o asfalto de última geração do caminho à direita, seja a pronta assistência disponível para quem seguia pela esquerda.
Reformas
O Brasil vem, a seu modo, elaborando um projeto sob esses moldes. Contudo, o arcaísmo de sua estrutura política contribui para a recorrência de sintomas neoliberais e, em paralelo, de obsolescências oriundas de Wellfare States falidos, que têm como reflexo a falta de qualidade de vida observada no país – não obstante suas riquezas naturais, demográficas e culturais.
Nada que não possa ser trabalhado via reformas estruturais, a começar pela política, e, por que não, judiciária? É, pois, por meio de recursos e apelações em diferentes instâncias jurídicas que políticos se mantêm no poder, sempre com a certeza da impunidade – um clichê que nunca sai de moda. Será que isso não poderia ser revisto ou aperfeiçoado a ponto de desestimular os chamados crimes de colarinho branco?
Não se espera a total cegueira da justiça, o que seria por demais ingênuo, mas é justo e razoável ansiar por maiores níveis de funcionalidade e imparcialidade no meio jurídico. Isso, talvez, poderia começar pela repressão a relações escusas mantidas entre magistrados e representantes dos poderes Executivo e Legislativo, cuja promiscuidade contamina, epidêmica e endemicamente, diversas esferas de desenvolvimento e fiscalização de políticas públicas.
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