sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

(Veja IX) O Caso Edson Vidigal

O segundo serviço de Veja foi a tentativa de "assassinato de reputação" do Ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).



A matéria vinha com uma manchete dúbia: “Não pode pairar a dúvida. O presidente do STJ é envolvido em casos que precisam ser esclarecidos”.

Era uma matéria exemplar para se entender como fabricar um escândalo sem crime. A matéria não enfocava uma suspeita específica. Havia um estoque de fatos relacionados a Vidigal - o que demonstrava, nitidamente, que se tratava de um dossiê especialmente preparado contra ele.

A primeira acusação era um "esquentamento" de fato banal, visando conferir tratamento escandaloso: a de que Vidigal viajara para o Chile, para um Congresso patrocinado pela Amil, empresa de seguro saúde, sendo que, na semana anterior, havia liberado um reajuste de 26% para o setor de planos de saúde.

A viagem tinha sido em um final de semana, em um seminário para discutir a legislação chilena para o seguro saúde. A matéria procurava ressaltar aspectos de mordomia:

“O seminário realizou-se em Santiago, no Chile. Foi uma curta temporada regada a bons vinhos daquele país e com todas as mordomias que costumam acompanhar esses rega-bofes”.

O "prego sobre vinil" esquentava a matéria com obviedades. É óbvio que qualquer Congresso tem coquetéis e almoços e, sendo no Chile, vinhos chilenos.

Pouco importava se o patrocinador não tinha ingerência na programação, ou se um final de semana trabalhando em Santiago de Chile está longe de configurar suborno ou mordomia.

Para tornar mais estranha a acusação, não havia a prova do suborno: a matéria informava que, com sua sentença, Vidigal limitara-se a convalidar um parecer da Secretaria de Direito Econômico sobre o tema. Onde a relação, então, entre favor recebido e serviço prestado?

Dizia mais:

”Muito provavelmente, o pedido da Amil é justo. Mas, depois da viagem ao Chile, também é justo levantar suspeita sobre o julgamento da liminar.”

Mas, para efeito de levantar a mancha da suspeita, dizia que “um observador de fora tem o direito de enxergar no episódio os contornos de improbidade administrativa. O caso deverá ser analisado pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão recém-criado com a incumbência de exercer o controle externo do Judiciário.”

De fato, a "denúncia" foi feita por uma Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor... mencionando justamente a matéria de Veja.

Era de um amadorismo constrangedor. Como Veja poderia saber que haveria uma denúncia baseada na própria reportagem que sequer havia sido publicada? É evidente que havia uma armação da qual a revista participava. Não se contentava meramente em espalhar notícias falsas sobre os adversários de Dantas, mas em participar diretamente de armações bisonhas.

A denúncia nasceu morta. O corregedor Antonio de Pádua Ribeiro rejeitou-a por não estar "consubstanciada infração disciplinar nem violação dos deveres funcionais da magistratura".

A segunda denúncia do dossiê é que o nome de Vidigal aparecera em grampos com membros da quadrilha do argentino Cesar de La Cruz Arrieta. Como eram fitas de um inquérito sigiloso, era óbvio que o dossiê fora obtido de forma ilegal por membros do submundo que habita Brasília.

A matéria reconhecia que a menção a Vidigal poderia ser apenas bravata de contraventores. Mas colocava como agravante o fato do apartamento de um enteado de Vidigal ter sido alugado para os bandidos.

Vidigal explicou que o apartamento tinha sido entregue a uma imobiliária, que se responsabiliza por quem aluga.

"O apartamento, pelo que sei, estava entregue a uma imobiliária. E ninguém pede atestado de bons antecedentes quando aluga um imóvel." Mas a coincidência envolvendo um dos mais altos magistrados do país precisa ser esclarecida.”

Que tipo de favor Vidigal poderia ter prestado a Arrieta?

Consultando seus arquivos, ele constatou ter atuado em apenas um caso envolvendo Arrieta. E sua decisão tinha sido a de negar um habeas corpus a ele.

A troco de quê aquela marcação?

Apenas os leitores mais bem informados entenderam a ginástica jornalística perpetrada por Veja.

Pouco tempo antes, Vidigal havia dado a liminar que permitiu aos fundos de pensão e ao Citibank retomar o controle da Brasil Telecom das mãos de Daniel Dantas (clique aqui para a íntegra da sentença). Foi uma sentença dura contra o Opportunity.

“Com olhos voltados à defesa do interesse público, notadamente porque envolvidos vultosos recursos do erário, antevejo ameaçada a ordem econômica. Neste contexto, considero que eventual prejuízo sofrido pelos fundos de investimento, em última análise, será suportado pelo erário, com vistas a garantir a milhares de brasileiros, beneficiários dos mesmos — e que acreditaram nos fundos de pensões e deles dependem —, a necessária subsistência”, registrou o ministro Vidigal na ocasião.

“Considerei, também, nas razões de decidir, as informações trazidas pelo requerente que dão conta que a decisão objeto da suspensão entrega a gestão de mais de 10 bilhões de reais em ativos financeiros, materiais e societários ao Grupo Opportunity que, anteriormente, já fora destituído da gestão deste fundo por quebra dos deveres fiduciários, o que, também, recomenda a concessão da contracautela”, afirmou também o presidente do STJ.

A sentença de Vidigal foi proferida no dia 15 de junho de 2005. A tentativa de um novo "assassinato de reputação", por parte de Veja, em 21 de setembro de 2005.

No dia 16 de maio de 2006 - quase um ano depois -, acuado pela revelação do dossiê falso sobre as contas de autoridades no exterior, Dantas mostraria claramente as peças que se encaixavam nas duas tentativas de "assassinato de reputação" da Veja.

Na entrevista à "Folha", mencionada no capítulo anterior, Dantas disse o seguinte:

O controlador do Opportunity, Daniel Dantas, disse à Folha ter recebido informações de que o governo pressionou o Judiciário brasileiro para favorecer os fundos de pensão na briga pela telefônica Brasil Telecom.

"Informaram a mim que teria havido uma intervenção do ministro Palocci [ex-ministro da Fazenda] junto ao ministro Edson Vidigal [ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça] para dar uma decisão favorável aos fundos de pensão", disse Dantas em entrevista concedida no último sábado, por videoconferência. "Fui conferir e ouvi de uma pessoa que esteve com Palocci que o próprio teria dito não ter sido ele diretamente, mas alguém ligado a ele [que procurou Vidigal]."

(...) A versão segue as declarações feitas por advogados do banco em Nova York. Em documento público, eles lembram que o STJ tem 21 ministros, mas que os litígios entre o Opportunity e os fundos costumavam ser julgados por Vidigal (o ex-ministro assinou pelo menos três liminares favoráveis aos fundos de pensão).

No texto, os defensores do Opportunity ressaltam que Vidigal deixou o Judiciário e que concorre ao governo do Maranhão -pelo PSB, com apoio do PT.

(...) Questionado se o Planalto pediu que não fizesse declarações contundentes sobre o caso Gamecorp, Dantas confirmou. Segundo ele, o recado chegou por meio de Yon Moreira, então diretor da Brasil Telecom. Ele não soube dizer quem foi o emissário do governo. A empresa Gamecorp tem entre os sócios um filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi o segundo capítulo de uma longa série de matérias que, nos anos seguintes, marcaria de forma indelével a parceria Dantas-Veja.

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