sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Buffet farto, orquestra afinada e pista vazia



Há certo gosto de decepção no ar. O conservadorismo que durante meses, anos, cultivou o julgamento do chamado mensalão como uma espécie de terceiro turno sanitário, capaz de redimir revezes acumulados desde 2002 no ambiente hostil do voto, de repente percebe-se algo solitário na festa feita para arrebanhar multidões. 

Como assim se os melhores buffets da praça foram contratados; a orquestra ensaiou cinco anos a fio e o repertório foi escolhido a dedo? 

Por que então a pista está vazia? 

Pouca dúvida pode haver, estamos diante de um evento de coordenação profissional.

O timming político coincide exatamente com o calendário eleitoral de 2012; a similitude e a precedência comprovadas do PSDB na mesma e disseminada prática de caixa 2 de campanha --nem por isso virtuosa--, e que ora distingue e demoniza o PT nas manchetes e sentenças, foi enterrada no silêncio obsequioso da mídia. 

Celebridades togadas não sonegam seu caudaloso verbo à tarefa de singularizar o que é idêntico.Tudo caminha dentro do figurino previsto, costurado com o afinco das superproduções, o que falta então? 

Apenas o essencial: a alegria do povo. 

A população brasileira não tem ilusões. Ninguém enxerga querubins no ambiente nebuloso da luta política. Consciente ou intuitiva, ela sabe a seu modo que a política brasileira não é o que deveria ser: o espaço dos que não tem nenhum outro espaço na economia e na sociedade.

A distância em relação ao ambiente autofestivo da mídia condensa essa sabedoria em diferentes versões. 

Privatizada pelo financiamento de campanha a cargo dos mercados, a política foi colonizada pelos mercadores. Afastada do cidadão pelo fosso cravado entre a vontade da urna e o definhamento do voto no sistema representativo, a política é encarada exatamente como ela é: um matrimônio litigioso entre a esperança e a decepção. 

O PT do qual se cobra aquilo que não se pratica em muitos círculos - à direita e à esquerda - é protagonista dessa ambiguidade; personagem e cronista dos seus limites, possibilidades e distorções. 

Que tenha aderido à lógica corrosiva do financiamento eleitoral vinculado ao caixa 2 das empresas e , ao mesmo tempo, protagonizado um ciclo de governo que faz do Brasil hoje o país menos desigual de sua história (de obscena injustiça social), ilustra a complexidade desse jogo pouco afeito a vereditos binários. 

Essa ambiguidade não escapa ao discernimento racional ou intuitivo da sociedade. 

Se por um lado semeia degenerações clientelistas e apostas recorrentes nos out-siders que se apresentam como entes 'acima dos partidos', ao mesmo tempo é uma vacina de descrença profilática em relação a encenações de retidão como a que se assiste agora. 

A repulsa epidêmica dos eleitores de São Paulo a um dos patrocinadores 
desse rega-bofe, do qual se imaginava o principal beneficiário, é sintomática do distanciamento que amarela o riso de vitória espetado nos cronistas convidados a animar o evento. 

O baixo custo eleitoral do julgamento em curso no STF, contudo, não deve ensejar alívio ou indiferença na frente progressista da qual o PT é um polo central. 

O julgamento do chamado 'mensalão' por certo omite o principal e demoniza o secundário. Ao ocultar a dimensão sistêmica a qual o PT aderiu para chegar ao poder, sanciona o linchamento de um partido democrático, uma vez que desautoriza seu principal argumento de defesa.

A meia-verdade atribuída aos réus do PT pelos togados e promotores está entranhada na omissão grotesca da história de que se ressentem suas sentenças pretensiosamente técnicas, envelopadas em liturgia mistificadora.

A pouca ou nenhuma influência eleitoral desse engenhoso ardil que elegeu a ausência de provas como a principal prova condenatória diz o bastante sobre o alcance da hipocrisia vendida como marco zero da moralidade pública pelos vulgarizadores midiáticos.

Não é esse porém o acerto de contas com o qual terá que se enfrentar o PT. 

Após uma década no governo federal, o partido, seus intelectuais, lideranças e aliados nos movimentos sociais tem um encontro marcado com uma indagação incontornável, que não é nova na história das lutas sociais: em que medida um partido progressista tem condições de se renovar depois da experiência do poder? Em que medida tem algo a dizer sobre o passo seguinte da histporia?

O legado inegociável das conquistas acumuladas nesses dez anos entrou na casa dos brasileiros mais humildes, sentou-se à mesa, integrou-se à família. Ganhou aderência no imaginário social.

Não é preciso desconhecer os erros e equívocos para admitir que essa década mudou a pauta da política; alterou a face da cidadania; redefiniu as fronteiras do mercado e da produção.Deu ao Brasil uma presença mundial que nunca teve.

Com todas as limitações sabidas, criou-se uma nova referência histórica no campo popular em que antes só avultava a figura de Getúlio Vargas.

Lula personifica essa novidade que a população entende, identifica e respeita. 

E que o enredo do 'mensalão' gostaria de sepultar. 

Não está em jogo abdicar do divisor conquistado, mas sim ultrapassá-lo. Avulta que o percurso concluído abriu flancos, sugou agendas, talhou cicatrizes e escavou revezes de esgotamento, dos quais o julgamento em curso no STF é um exemplo ostensivo. Todavia não o principal. 

Existe uma moldura histórica mais ampla a saturar esse ciclo. 

O colapso da ordem neoliberal, os riscos intrínsecos espetados na desordem financeira e ambiental em curso no planeta --suas ameaças às conquistas brasileiras-- formam um condensado de culminâncias que pede desassombro na renovação da agenda da democracia e do desenvolvimento para ser afrontado.

O caminho não será trilhado, menos ainda liderado, por forças e partidos incapazes de incluir na bússola do trajeto o ponteiro da autocrítica política e de um aggiornamento organizativo coerente com a renovação cobrada pela história. 

O carro de som da direita faz barulho por onde passa nesse momento. Mas isso não muda a qualidade da mercadoria que apregoa. 

O que o alarido dos decibéis busca vender, na verdade, é o velho pote de iogurte vencido e rançoso, cuja versão eleitoral em São Paulo tem 43% de rejeição popular. 

A resposta da frente progressista à qual o PT se insere não pode ser a mera denúncia da propaganda enganosa. 

Urge esquadrejar revezes e resoluções para renovar o próprio estoque de metas e métodos requeridos pelo passo seguinte da história.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

E o professor me disse: "Isso é assim mesmo!"



Por Lenio Luiz Streck (Procurador de Justiça RS)


Da série “alguém me disse”, hoje é a vez do dito de um professor. Com efeito, depois de uma fatigante conferência de mais de uma hora (discutia o meu livro“O Que é Isto — Decido Conforme Minha Consciência?) em um importante programa de pós-graduação em Direito de terrae brasilis, presentes alunos de mestrado, doutorado e parte expressiva do corpo docente, tratando do tema da necessidade de uma teoria da decisão e de uma crítica ácida ao “imaginário solipsista” que ainda domina as práticas jurídicas, um importante professor interpelou-me dizendo: “Veja, professor Lenio, concordo com o que o senhor falou acerca do decisionismo, ativismo etc. Entretanto, estou convencido de uma coisa: não tem outro jeito... Os juízes decidem assim mesmo. Primeiro decidem, depois buscam o fundamento... Portanto, professor, é impossível escapar da filosofia da consciência...”. Fecha-se a cortina.

Esse “fatalismo” é uma das coisas que mais me intriga. Antes de tudo, trata-se de uma falácia. Essa falácia se denomina “falácia realista”. É o “mito do dado”. É, portanto, pré-moderna. O homem pré-moderno também pensava assim. Portanto, a observação do professor se insere em um paradigma anterior ao surgimento do sujeito. Pré-Descartes. Também podemos falar em uma “falácia do fim da história”: não tem mais o que o que fazer...


No fundo, é como se a filosofia não penetrasse nas “capas de sentido” produzidas historicamente por um Direito “blindado” às transformações. Episódio semelhante ocorreu em Portugal, quando, em um debate, ao defender a necessidade de controlar as decisões e criticar a discricionariedade judicial, outro importante (na verdade, importantíssimo) professor (brasileiro) acusou-me de estar defendendo uma espécie de volta à exegese, isto é, uma proibição (sic) de os juízes de interpretar. Disse ele: “o professor Lenio quer proibir os juízes de interpretar.” Aliás, essa crítica pedestre é a mais comum que me fazem. Vira e mexe, e lá vem um interlocutor incauto e tasca: “você é um positivista...” (lembrem-se da coluna da semana passada!) ou “você é um exegeta”... “você é um conservador...”. Há também uma crítica que me fazem e que acho muito engraçada: a de que sou um originalista (“tipo” aqueles do Direito norte-americano, principalmente quando estou defendendo vigorosamente a Constituição). Ainda mais recentemente, na Argentina, uma juíza contestou-me, após conferência que fiz sobre “o poder discricionário e o ativismo”, dizendo, aos berros, que eu “estava sendo antidemocrático ao retirar o poder discricionário dos juízes”. Para a magistrada porteña, era “natural” esse poder e “não podia ser de outro jeito”. Ponto para a falácia realista. No Brasil, proliferam blogs jurídicos com artigos e posts, onde os signatários se dizem perplexos com a minha tese antidiscricionária (e, portanto, antirrelativista). Eles perguntam: “Onde ficam as apreciações subjetivas dos juízes? Ele quer que os juízes sejam neutros?” Céus. Que coisa, não? Por vezes, penso que estamos no século XIX. Ou, pior, na virada para o século XX, ouvindo integrantes da Jurisprudência dos Interesses discutindo com os adeptos da Jurisprudência dos Conceitos. Como se o tempo não tivesse passado. E as indagações ficam ainda mais incisivas quando os subscritores são juízes. Quantas vezes terei de repetir que:
— primeiro, o juiz não é escravo da lei (pensem no personagem Ângelo, da Peça Medida por Medida, de Shakespeare, quando diz “não fui eu quem condenou seu irmão, foi a lei);
— segundo, ele não é o dono da lei (pensem no mesmo personagem, mas, agora, na parte em que ele diz a bela Isabela “mas se você fizer amor comigo, eu liberto seu irmão” e, portanto, faço a lei nada valer).



A hermenêutica será essa — e parafraseio o professor Ernildo Stein — essa cadeira entre o primeiro e o segundo modelos de juiz. A propósito, para demonstrar o modo como a hermenêutica pode apontar caminhos para a saída desses impasses, sugiro a leitura da obra do juiz de Direito Fernando Vieira Luiz, denominada Teoria da Decisão Judicial: dos paradigmas de Ricardo Lorenzetti à resposta adequada à Constituição de Lenio Streck (Livraria do Advogado, 2012).

Dou, aqui, algumas dicas. A primeira questão é nos darmos conta de que a discricionariedade (e suas perigosas derivações, que todos conhecemos!) está ligada umbilicalmente ao paradigma da subjetividade, isto é, ao esquema sujeito-objeto. Nesse paradigma, o sujeito (intérprete, juiz, tribunal) é “senhor dos sentidos”. Ele “assujeita” as “coisas” (se, se quiser, ele é o dono “das provas”, do “andar do processo” etc.). Isso é facilmente perceptível através da produção da prova ex-officio e da prevalência de princípios (sic) como o do “livre convencimento do juiz”. Atenção: aqui, cabe uma ressalva que já fiz alhures: o que se tem visto no plano das práticas jurídicas nem de longe chega a poder ser caracterizada como “filosofia da consciência”; trata-se de uma vulgata disso. É verdade que, em meus textos, tenho falado que o solipsismo judicial, o protagonismo e a prática de discricionariedades se enquadram no “paradigma epistemológico da filosofia da consciência”. Advirto, porém, que é evidente que esse modus decidendi não guarda estrita relação com o “sujeito da modernidade” ou até mesmo com o “solipsismo kantiano”. Esses são muito mais complexos. Venho apontando essas “aproximações” para, exatamente, poder fazer uma anamnese dos discursos, até porque não há discurso que esteja “em paradigma nenhum”, por mais sincrético que seja. Aliás, estou sendo generoso ao falar de “discricionariedades”... O que temos visto vai muito além daquilo que, na tradição, tem sido epitetado de “discricionariedade”. Basta ver o que fazem com a “ponderação”.

De todo modo, a pergunta é inevitável, embora, aqui, não possa, nem de longe, esgotar a discussão: por que, depois de uma intensa luta pela democracia e pelos direitos fundamentais, enfim, pela inclusão nos textos legais-constitucionais, das conquistas civilizatórias, devemos continuar a delegar ao juiz a apreciaçãodiscricionária (isto é, a partir de seu “livre convencimento”, o que dá no mesmo)das provas? Nos casos de regras (textos legais) que contenham vaguezas e ambiguidades e nas hipóteses dos assim denominados hard cases (embora, como já disse, essa diferença entre easy e hard cases seja uma ficção) por que continuamos a insistir em deixar a sua definição ao livre convencimento, à discricionariedade ou ao alvedrio dos juízes?

Senhoras e senhores, volta-se, sempre, ao lugar do começo: o problema da democracia e da (necessária) limitação do poder. Queremos ou não queremos uma democracia? Discricionariedades, arbitrariedades, inquisitorialidades, positivismo jurídico: tudo está indissociavelmente entrelaçado. Chega a se dizer por aí que a interpretação feita pelo juiz é um “ato de vontade”... Juristas (alguns são ministros) importantes da República dizem isso, pois não? Eles também acham, como o professor que me interpelou, que “isso é assim mesmo”. Quanto tempo ainda levará para que a comunidade jurídica compreenda esse problema?

E não se venha a argumentar que o poder discricionário (ou o livre convencimento, que, em um mix, acaba na ponderação — argh[1] — ou coisa que o valha) tem como “solução racional” a obrigação de fundamentação prevista no artigo 93, IX, da Constituição (desse “enigma” trato amiúde em vários textos e livros, em especial Verdade e Consenso). Não há nenhum indicador nesse sentido. Ao contrário: se todas as decisões devem ser fundamentadas, isso não quer dizer que “basta ter uma fundamentação” (não esqueçamos que a Corte Europeia dos Direitos Humanos considera a fundamentação como um direito fundamental). Ora, tenho insistido, com vigor, de que decisão não é o mesmo que escolha (não vou aprofundar isso aqui — afinal, a coluna é não “sala de aula e nem instituição acadêmica”, remetendo os caríssimos leitores ao que escrevo em O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. ed., esse mesmo que motivou a frase do professor de que “isso é assim mesmo”).

Não é possível concordar com essa espécie de fatalismo relativista, do estilo “é assim que acontece no mundo prático”, “é assim que os juízes pensam e decidem” ou “nada há para fazer”. Permitam-me dizer, “na forma da Constituição e da lei”: se, de fato, os juízes “pensam assim”, é porque se expressam a partir de um paradigma ultrapassado, em que um sujeito “assujeita” o objeto. A essa situação — de “assujeitamento do objeto” pelo “sujeito do conhecimento” — em uma apreciação, digamos assim, generosa, poderíamos chamar de filosofia da consciência, com as ressalvas que já fiz anteriormente, isto é, os filósofos desse paradigma são (ou eram) bem mais complexos do que o adágio “decido conforme minha consciência”... Não esqueçamos que a filosofia da consciência foi a condição de possibilidade para a construção da modernidade e, fundamentalmente, para a institucionalização do Estado Moderno (pensemos em Hobbes, por exemplo). Só que, no plano filosófico, já de há muito esse paradigma está superado.

Insisto: entregar-se à tese do tipo “azar, é assim que os juízes pensam” é adotar uma posição fatalista, que não pode ser aceita no âmbito de uma Teoria do Direito preocupada com a democracia. Numa palavra: se os juristas — em especial, os juízes — efetivamente pensam assim, temos a obrigação de dizer que estão equivocados, pelo menos se analisamos o problema à luz dos paradigmas filosóficos que conformam o Ocidente.

De há muito venho sustentando — junto com Ernildo Stein — que nós não interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar. Esse é o ponto, por exemplo — para ficarmos na temática da moda, em tempos de “mensalão” — em que reside o equívoco, no âmbito do processo penal, da tese do livre convencimento “racional”. Admito até — e estou sendo irônico e/ou sarcástico — que a adjetivação “racional” esteja correta; afinal, o paradigma da racionalidade (solipsística) parece que ainda está presente em todo o projeto do novo CPP (e também do NCPC). Mas o que me parece mais grave é que, talvez, o livre convencimento nem sequer seja “racional”; na verdade, tudo está a indicar que ele esteja ancorado na “vontade” (não esqueçamos que as teorias exegéticas do direito, sustentadas na razão, foram superadas pela vontade, no bojo da qual surgiram tanto a jurisprudência dos valores, o realismo jurídico e os diversos axiologismos, como também a concepção kelseniana acerca da interpretação judicial (não posso me cansar de avisar: para Kelsen, a interpretação feita pelos juízes é um ato de vontade; é, portanto, política jurídica... portanto, ali estava o ovo da serpente, cujas consequências todos conhecemos, além da algaravia conceitual).

Ainda mais uma coisa: o rigoroso controle hermenêutico das decisões judiciais que venho propondo não quer dizer — sob nenhuma hipótese — diminuição do papel da jurisdição (constitucional). Pelo contrário, bastando, para tanto, ler os meus livros e textos. Aliás, esse mesmo controle deve ser feito em relação às atividades do Poder Legislativo. O Estado democrático de Direito é uma conquista. É, portanto, um paradigma, a partir do qual compreendemos o Direito. Mais: a defesa que faço da Constituição não significa “qualquer Constituição”! Há uma principiologia constitucional que garante a continuidade da democracia, mesmo que os princípios não tenham visibilidade ôntica, circunstância que implica a superação da equivocada cisão estrutural entre regra e princípio. Isso para dizer o mínimo.

O Direito possui uma dimensão interpretativa. Essa dimensão interpretativa implica o dever de atribuir às práticas jurídicas o melhor sentido possível para o direito de uma comunidade política. A integridade e a coerência devem garantir o DNA do Direito nesse novo paradigma. Muitas vezes o problema nem é “como se está decidindo agora, neste momento”; o problema maior é “como se vai decidir amanhã”. E depois de amanhã. O que não podemos admitir é uma fragmentação, uma espécie de “estado de natureza hermenêutico”, em que a decisão é, ou um jogo de cartas marcadas ou uma loteria (que não deixa de ser, também, um jogo).

Bola no centro. Claro que não disse tudo isso para o professor fatalista. Digo agora. Ali, naquele momento — face a sua falácia realista —, fiquei escutando o silêncio do “Estádio”. Como nos tempos em que jogava futebol e, vencendo o jogo até os 45 minutos do segundo tempo, o time era atropelado por um pênalti mal marcado. Reclamávamos. Xingávamos o juiz. Ali, naquele caso, o fatalista teria razão: o pênalti estava marcado. “É assim mesmo...; quem manda é o árbitro”. Não há volta. A esperança, então, voltava-se toda para o pobre do goleiro. Que, casualmente, era este escriba!


[1] É uma onomatopéia que quer dizer “uau”.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. 

Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2012

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Cuba e seu futuro, sem o bloqueio informativo da mídia dominante


Do Carta Maior


O livro “Cuba sem bloqueio” apresenta um retrato da realidade cubana, substancialmente diferente do que costuma ser mostrado pelos oligopólios da comunicação. O trabalho traz revelações surpreendentes até para os mais bem informados. Seus autores questionam: se o socialismo cubano é uma experiência fracassada, como explicar suas redes de educação, de atenção à saúde e de assistência social, que rivalizam com as dos países mais ricos do mundo?

Acaba de sair o livro “Cuba sem bloqueio: a revolução cubana e seu futuro, sem as manipulações da mídia dominante”, de Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad, da Radical Livros*. Como anuncia o título, o trabalho procura mostrar a realidade cubana atual de forma direta e fundamentada, sem o bloqueio informativo que distingue a cobertura da mídia dominante. Cuba costuma ser caracterizada por esses órgãos de comunicação como uma ditadura decadente, com população empobrecida e oprimida, disposta a escapar para Miami ao menor descuido da polícia, graças ao fracasso indiscutível do regime socialista. Em contraste, “Cuba sem bloqueio” revela uma sociedade pobre, sim, mas razoavelmente harmônica, sem miséria, sem fome, sem analfabetismo, sem violência social e sem crianças abandonadas, imersa em um clima de debate aberto sobre como criar um socialismo capaz de unir prosperidade econômica, democracia e progresso social. 

Para chegar a esse resultado, os autores pesquisaram em fontes cubanas e de vários outros países, independentemente de sua orientação política. Foram consultados livros, estudos acadêmicos, estatísticas, relatórios de organizações cubanas e internacionais (Unesco, Organização Mundial da Saúde, Cepal, Banco Mundial e muitas outras), publicações de think tanks (como o Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos), além de periódicos, portais noticiosos da internet e outras fontes. Nos 12 capítulos redigidos com base no material reunido, Saito e Haddad relatam como a ilha caribenha decidiu permanecer socialista depois do súbito desaparecimento de seus parceiros comerciais do leste europeu, do recrudescimento do bloqueio econômico dos Estados Unidos e da expansão mundial da hegemonia neoliberal. Eles narram um processo de construção social que ainda luta para superar seus problemas, encarados como consequência de erros e de dificuldades políticas e econômicas de toda ordem, mas também de agressões e de obstáculos criados pelas potências dominantes. 

O livro reconstitui a saída do líder histórico Fidel Castro do poder, a emoção do povo com seu afastamento e o início do governo dirigido por Raúl Castro, caracterizado pelas medidas econômicas tomadas para corrigir distorções que se acumularam devido às políticas emergenciais dos anos 1990. As decisões foram amadurecidas em debates públicos travados por economistas, sociólogos, cientistas sociais e dirigentes governamentais, que têm tido ecos em assembleias de trabalhadores e de estudantes em todo o país e repercutem ainda em conversas particulares, em obras artísticas, em publicações acadêmicas e também na mídia local. 

Reinventar o socialismo
As discussões são dominadas por temas econômicos, mas abrangem também questões como o modelo eleitoral em vigor, a ampliação da liberdade de expressão artística e cultural, o reconhecimento pleno das uniões homoafetivas. Mais especificamente, constam da agenda os seguintes pontos: redefinição dos objetivos do sistema socialista; construção de um sistema econômico funcional, com a adoção complementar de formas de propriedade mista, cooperativada e privada; elevação qualitativa da participação popular; maior poder para a Assembleia Nacional; descentralização administrativa; fim do controle burocrático sobre a produção artística e cultural. Para o sociólogo Aurelio Alonso, subdiretor da revista Casa de las Américas, trata-se de criar um modelo capaz de assegurar a complementação entre justiça social e desenvolvimento econômico. No plano político, analisa Alonso, a História mostrou que o socialismo não se mantém sem democracia. Para ele, se houvesse um verdadeiro poder popular na União Soviética, Gorbatchov poderia ter sido bem-sucedido em reinventar o sistema socialista.

“Cuba sem bloqueio” relata que os projetos de lei mais importantes são debatidos antes pela população, para só então serem enviados à Assembleia Nacional do Poder Popular já com as alterações sugeridas. Foi em um processo desse tipo que, no início da década de 1990, o povo cubano se manifestou pela continuidade da construção socialista no país, apesar da conjuntura crítica surgida pela derrocada do socialismo europeu. Mostra também que os deputados eleitos (equivalentes aos nossos representantes da Câmara Federal) continuam a receber o salário que tinham em seus respectivos trabalhos, sem mordomia. Relata ainda o caso de um dissidente que tentou se candidatar a representante municipal, obtendo apenas 5% dos votos dos moradores de sua região. O livro conta que a posição do judiciário cubano, que deu ganho de causa a trabalhadores das áreas de arte e cultura vitimados por atos arbitrários do período conhecido como “quinquênio cinza” (década de 1970), ajudou a derrubar a própria política repressiva. 

“Cuba sem bloqueio” disseca a chamada dissidência cubana. Em 2006, segundo relatório da Anistia Internacional, foi realizado em Cuba um encontro de “mais de 350 entidades dissidentes”, ao qual compareceram, paradoxalmente, apenas 171 delegados (isto é, menos de meio representante por organização!). O governo cubano diz que são entidades de fachada, criadas para facilitar o recebimento de dinheiro do escritório de representação dos EUA em Cuba. A verdade é que esses grupos guardam pouca semelhança com a oposição democrática que, na maioria dos países da América Latina, lutou contra ditaduras militares. Em que pese a repressão do período no Brasil, por exemplo, a oposição se organizou, ocupou espaços, promoveu manifestações de rua, enfim, enfrentou a ditadura. Muito sangue foi derramado, mas cada vez mais gente se uniu à exigência pelo fim do regime, até que este desmoronou. A dissidência cubana, ao contrário, não consegue crescer e aparecer, mesmo com todo o apoio de Washington e da mídia. É patético, a propósito, que o jornal O Estado de S. Paulo estampe como manchete, com direito à principal foto da edição, uma manifestação de protesto que reuniu dez (isso mesmo, uma dezena!) mulheres no centro de Havana. 

Sítio medieval
Outro ponto forte do livro está no relato de como funciona o bloqueio econômico contra Cuba e como ele repercute no dia a dia da população. A medida de força é mantida unilateralmente por Washington, apesar da condenação anual de praticamente todos os países membros da ONU. Em outubro de 2011, a resolução que pedia o fim do bloqueio teve o apoio de 186 países, com o voto contrário apenas dos Estados Unidos e de Israel. O bloqueio fecha a Cuba o acesso ao maior mercado consumidor do mundo e proíbe os seguintes tipos de empresas de comerciar com a ilha: subsidiárias de empresas estadunidenses no exterior, companhias que tenham participação acionária ou cujos produtos contenham pelo menos 10% de peças, componentes ou tecnologia estadunidense e, de forma ampla e irrestrita, todas as firmas que pretendam negociar com os EUA. 

Mais ainda: o navio mercante que aportar em território cubano não poderá utilizar portos estadunidenses durante os seis meses seguintes. Proíbe ainda qualquer organização que receba fundos estadunidenses de conceder crédito a Cuba, além de impedir o país de utilizar o dólar em suas transações internacionais, de operar por meio de bancos que mantenham negócio com os Estados Unidos e de usar a rede de fibra óptica para conexão à internet. Por último, cidadãos dos EUA não podem viajar a Cuba e vice-versa. 

Ou seja, o bloqueio é uma versão moderna do sítio medieval, que tem o objetivo de estrangular economicamente o país. Cuba é obrigada a utilizar intermediários e empresas de fachada em seu comércio exterior, pagando cada transação à vista e incorrendo em comissões, fretes adicionais e taxas de risco que representam um custo adicional de 20 a 100% do valor de mercado do bem importado, segundo cálculos oficiais. Um estudo de 1992 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da ONU, avaliou que, enquanto Cuba contou com seus parceiros comerciais do mundo socialista, o bloqueio repercutia sobre 15% do intercâmbio do país; depois, passou a afetar toda a economia. 

Outra nefasta política do governo estadunidense enfocada pelos autores é a Lei de Ajuste Cubano, que concede a condição de refugiado político e visto de residência permanente a qualquer cubano que chegar aos Estados Unidos, em contraste com o tratamento dado aos demais latino-americanos. Washington costuma usar a atração exercida por essa lei e a não concessão de visto regular de entrada nos EUA a cidadãos cubanos, esperando provocar saídas ilegais e desordenadas, que possam servir de propaganda contra a revolução. O livro de Saito e Haddad cita números oficiais estadunidenses para comprovar que, mesmo nessas condições, o fluxo de cubanos que vão aos Estados Unidos é proporcionalmente menor do que o de muitos países latino-americanos. Menciona também o crescente ativismo de exilados favoráveis à revolução, que criaram associações de solidariedade a Cuba em pelo menos 45 países das Américas, da Europa, da Ásia e da África, incluindo o Brasil.

O verdadeiro crime de Cuba
“Cuba sem bloqueio” também aborda fatos que costumam ser omitidos ou minimizados pelos órgãos dominantes de comunicação. É o caso das políticas sociais do país, elogiadas por estudos de organizações internacionais tão insuspeitas (para o caso) como o Banco Mundial e os órgãos ligados à ONU. Num relatório intitulado “Panorama Social da América Latina e do Caribe 2000-2001”, a Cepal observa que, além de investir mais que seus vizinhos da região em programas sociais, Cuba não sacrificou o bem-estar da população quando sua economia entrou em depressão, nos idos de 1990. Os investimentos reais per capita na área social cresceram aproximadamente 23% ao ano entre 1993 e 2001, enquanto o incremento médio do PIB foi de 1,6% anual no mesmo período. 

Os resultados são visíveis para quem quiser enxergá-los. Um exemplo apenas: os estudantes cubanos foram os grandes destaques das duas pesquisas comparativas organizadas pela Unesco para avaliar as redes de ensino de países da América Latina, nos moldes dos famosos levantamentos da OCDE. Na primeira delas, o desempenho cubano foi tão superior ao dos demais países que a Unesco pensou ter havido algum equívoco. Por isso refez o teste com outra amostra de estudantes cubanos, mas os excelentes resultados foram confirmados. O mesmo desempenho cubano se repetiu na segunda pesquisa. A imprensa brasileira noticiou as pesquisas, mas não informou sobre a façanha cubana, ao contrário do The New York Times, que destacou o fato até no título da sua matéria. Em suas análises técnicas sobre as pesquisas, a Unesco coloca a educação cubana no nível da dos países líderes do primeiro mundo, da mesma forma como a OMS classifica os indicadores de saúde do país. Outro exemplo de apagão informativo ocorreu quando a revista Veja entrevistou o pedagogo e economista Martin Carnoy, que estava no Brasil para lançar o livro “A vantagem acadêmica de Cuba: por que seus alunos vão melhor na escola”. Na entrevista com o especialista divulgada em seu portal, a publicação cometeu a proeza de não mencionar o ensino cubano e o livro. 

Como vimos, “Cuba sem bloqueio” não fala de paraíso terrestre. Mas levanta algumas questões: Esse país é mesmo o retrato do fracasso do socialismo, como pretende a classe dominante capitalista e sua mídia? Nesse caso, como se explica que Cuba, apesar das pressões e agressões que sofre e em meio a uma crise econômica, consegue manter padrões de saúde e de educação que se igualam aos dos países capitalistas mais ricos? Provavelmente a fúria da mídia dominante se deve justamente à sua incapacidade de responder satisfatoriamente a perguntas como essas. Como disse Noam Chomsky: “O que é intolerável para essa mídia (‘o verdadeiro crime de Cuba’) são os êxitos cubanos, que podem servir de exemplo para povos de países subdesenvolvidos”. 

(*) O livro tem 448 páginas e custa R$ 45,00. Pode ser adquirido no portal da editora: www.radicallivros.com.br. A editora ainda não conseguiu divulgar o livro na grande imprensa, nem colocá-lo nas vitrines das redes de livrarias. 

As novas contradições da blogueira cubana Yoani Sánchez



Enquanto dizia ter dificuldade financeira para comer, blogueira recebeu para fazer tour gastronômico em Havana.

Por Salim Lamrani*, no blog Solidários


No período de alguns anos, a blogueira cubana Yoani Sánchez se converteu na principal figura da oposição ao governo de Havana. Ninfa egrégia dos meios informativos ocidentais, no entanto, a blogueira não escapa às suas próprias contradições.

Yoani tem uma visão bastante peculiar de seu país, que compartilha em seu blog Generación Y, criado em 2007. O ponto de vista é áspero e sem nuances. A realidade cubana aparece descrita de modo apocalíptico e ela conta sua vida cotidiana composta por sofrimentos e privações. Critica duramente o governo de Havana e o faz responsável por todos os males.

“Meu filho me pergunta se terá almoço hoje”

“Meu filho me pergunta se terá almoço hoje”, escreve em uma crônica no dia 29 de junho de 2012, em “uma sociedade em que cada gestão está rodeada de obstáculos e impedimentos, se produz muito mais de forma independente”. [1] “Uma dessas cenas recorrentes é a de perseguir os alimentos e outros produtos básicos em meio ao desabastecimento crônico de nossos mercados”, queixa-se. [2] Afirma que luta diariamente contra “os obstáculos da vida”. [3]

Ela afirma inclusive ter dificuldades para alimentar seu próprio filho “diante da verticalidade de um governo totalitário” [4], que usa como pretexto “uma eterna ameaça estrangeira para desqualificar os incômodos”. [5] Segundo ela, “com alguns centavos que se somam a um alimento, o termômetro da angústia cotidiana dispara, os graus de inquietude se incrementam”. [6]

Contradições

Ao ler essas linhas, parece que a jovem dissidente cubana passa fome e se encontra em total desamparo. Mas suas informações dificilmente resistem à análise.

Longe de se ver em estado de precariedade, Yoani Sánchez goza de condições de vida materiais privilegiadas quando comparadas às da imensa maioria de seus compatriotas. Na edição de 23 de julho de 2012 do jornal espanhol El País [seis dias antes do post sobre a fome], descobrimos que a blogueira fez uma reportagem sobre “os 10 melhores restaurantes da renovada cozinha cubana”. [7]

Convertida em gastrônoma e crítica de culinária, Sánchez estabelece uma classificação dos dez melhores restaurantes da capital cubana e descreve com muitos detalhes os suculentos cardápios propostos por um preço médio de “20 euros”, ou seja, o equivalente a um mês de salário em Cuba. Dessa forma, o Café Laurent, o Decamerón, o Habana Chef, La Casa, La Mimosa, La Moneda Cubana, Le Chansonnier, Mamma Mía, Rancho Blanco e Río Mar conseguem seus votos.

Inevitavelmente, surgem várias perguntas. Para poder estabelecer uma classificação minimamente séria, a jovem opositora teve que visitar pelo menos uns cinquenta restaurantes de Havana cujos cardápios custam em torno de 20 euros como média. Como Yoani Sánchez – que afirma ter dificuldades para alimentar seu próprio filho – poderia supostamente gastar 1.000 euros – quantia que equivale a quatro anos de um salário médio em Cuba! – para visitar os restaurantes mais seletos da capital cubana? Por que uma pessoa que afirma se interessar pela sorte de seus concidadãos realiza uma reportagem sobre os restaurantes de luxo em Cuba, que poucos cubanos podem frequentar?

O verdadeiro nível de vida de Yoani Sánchez

Na verdade, Yoani Sánchez não sofre nenhum problema de ordem material. Desde que integrou o universo da dissidência, sua vida mudou de modo considerável. No período de alguns anos, a jovem opositora recebeu múltiplas distinções, todas financeiramente remuneradas. Assim, desde a criação de seu blog, em 2007, a blogueira foi retribuída com a quantia de 250 mil euros no total, isto é, uma importância equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial.

O salário mínimo mensal em Cuba é de 420 pesos, quer dizer, 18 dólares ou 14 euros, o que faz com que Yoani Sánchez tenha conseguido o equivalente a 1.488 anos de salário mínimo cubano em sua atividade de opositora.

Jamais nenhum dissidente em Cuba – talvez no mundo – conseguiu tantas distinções internacionais em tão pouco tempo. Por outro lado, o jornal El País abriu suas páginas às crônicas de Sánchez por uma remuneração que oscila entre 150 dólares por artigo, ou seja, uma soma equivalente a oito meses de salário mínimo em Cuba. [8]

Yoani Sánchez, nova figura da oposição cubana, está longe de viver em total desamparo. Ao contrário, dispõe de um ritmo de vida que nenhum outro cubano pode se permitir e, ao contrário do que afirma, seu filho não sofre nenhuma carência alimentar. A dissidente, que primeiro emigrou à Suíça antes de escolher voltar a Cuba, é bastante sagaz para compreender que adotar certo tipo de discurso agradaria a poderosos interesses contrários ao governo e ao sistema cubanos. Estes, por sua vez, sabem ser generosos com ela.

(*) Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.

Referências bibliográficas:
[1] Yoani Sánchez, "À distância de um clic", Generación Y, 28 de junho de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[2] Yoani Sánchez, "Maiorista vs minorista", Generación Y, 5 de junho de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[3] Yoani Sánchez, "O futuro comMariela Castro", Generación Y, 28 de maio de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[4] Yoani Sánchez, "Fuenteovejuna", Generación Y, 13 de junho de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[5] Yoani Sánchez, "¿Boa vontade?", Generación Y, 12 de junho de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[6] Yoani Sánchez, "Porco na 'caixinha'", Generación Y, 16 de maio de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site acessado em 26 de julho de 2012).
[7] Yoani Sánchez, "Os novos chefs de Havana. Os 10 melhores restaurantes da renovada cozinha cubana", El País, 23 de julho de 2012. http://elviajero.elpais.com/elviajero/2012/07/23/actualidad/1343057020_608376.html (site acessado em 26 de julho de 2012).
[8] Yoani Sánchez, "Prêmios". http://www.desdecuba.com/generaciony/?page_id=1333 (site acessado em 26 de julho de 2012).

Fonte: OperaMundi. Título do Vermelho

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Era Chávez colocou Venezuela no mapa do mundo



A mais de mil metros de altitude, na costa venezuelana do Caribe, uma cidade brota do zero.  Ocupa uma área de 1,2 mil hectares, no estado de Vargas, encravada entre Caracas, a capital, e o principal aeroporto do país. O loteamento foi planejado para ser uma das grandes vitrines do governo de Hugo Chávez Frias, presidente da República desde fevereiro de 1999.

O projeto leva o nome em espanhol de Ciudad Caribia.  Sob responsabilidade de uma empresa mista cubano-venezuelana, a Construtora Alba Bolivariana, a empreitada já abriga quase sete mil pessoas em 1,1 mil apartamentos. Quando estiver concluída, em 2018, será uma urbanização com mais de 20 mil unidades habitacionais, moradias de 100 mil venezuelanos.

Marcadas para 7 de outubro, as eleições presidenciais serão um teste para a administração chavista nesses 14 anos

Apenas gente muito pobre já recebeu e continuará recebendo o direito de propriedade sobre esses apartamentos com 72 metros quadrados, distribuídos em três quartos, dois banheiros, área de serviço, sala de jantar, de estar e cozinha. Totalmente mobiliados e equipados.

Mas não é apenas um conjunto residencial. Abriga escolas, parques infantis, creches, biblioteca, delegacia, radio comunitária, clube esportivo, centro comercial, áreas para reuniões e eventos. Não podem circular automóveis em seu interior. A mobilidade será garantida por um sistema de transporte público que prevê até teleférico para levar seus moradores à costa e à capital.

O condomínio público é dirigido por conselhos comunais eleitos, que têm poder até para criar empresas comerciais e industriais. Um dos projetos que já está de pé é a coleta de lixo e sua reciclagem. O funcionamento obedece a um modelo de autogestão, que conta com apoio do governo nacional e subverte o tradicional verticalismo estatal.

o”, relata Carlos Marques, 45 anos, do primeiro grupo de famílias a chegar e porta-voz de um dos quatro conselhos comunais. “Somos parte de uma experiência. Não sou chavista, daqueles que acatam tudo o que fala o presidente, mas votarei nele em outubro. Ele mudou a minha vida.”

Essa sensação redentora, aparentemente generalizada entre os mais pobres, tem sua contrapartida na rejeição por vezes furiosa dos mais abastados. Quando Chávez foi eleito a primeira vez, imaginava-se que ele seria um revolucionário na política e um suave reformador na economia. Parte do empresariado chegou mesmo a apoiá-lo, porque o sistema carcomido da chamada IV República (1958-1999) havia se tornado uma chaga insuportável. Tão corrupta que atrapalhava até os negócios.

O mecanismo que imperava era um duopólio de poder, repartido entre a Ação Democrática (AD), de centro-esquerda, e o Comitê de Organização Político Eleitoral Independente (COPEI), social-cristão, de centro-direita. Depois da queda do ditador Perez Jimenez, em 1958, essas duas agremiações fizeram um acordo (conhecido como Pacto de Punto Fijo, nome da localidade na qual foi assinado) e criaram regras implacáveis para quem quisesse atrapalhar a festa. Durante quarenta anos ficaram por cima da carne seca.

Petróleo

No caso venezuelano, a roda da fortuna é girada pelo petróleo. O país é o quinto maior exportador e possui as maiores reservas comprovadas. Até 1976, a exploração era privada e controlada principalmente por empresas norte-americanas. Os empresários locais acumulavam riquezas como sócios menores ou prestadores de serviço de grandes companhias.

No reino do capitalismo predatório, a Venezuela usava os dividendos do óleo da pedra para importar quase tudo o que consumia e tinha baixíssimo padrão de desenvolvimento industrial ou agrícola. Os que tinham acesso aos negócios com o ouro negro, viviam como nababos. A maioria da população, sem emprego fixo ou renda estável, amontoava-se nas cidades e vivia de trabalhos precários.

A elite política também se refastelava. Os dois partidos, que se alternavam no governo, viviam das gordas comissões que eram pagas pelas licenças de exploração e outras concessões públicas. De alto a baixo, o país foi sendo enlaçado por um dos maiores propinodutos do planeta.

A alta dos preços petroleiros, a partir da crise mundial de 1973, inspirou o presidente Carlos Andrés Perez, da AD, a passar essa atividade para direção estatal e a criar, em 1976, a PDVSA - Petróleos de Venezuela SA. Sem atrapalhar os interesses multinacionais, pois as atividades de refino e comércio internacional continuavam em mãos privadas, o novo paradigma alimentou a roubalheira, apresentando como álibi um nacionalismo de fancaria.

Os ganhos com os hidrocarbonetos, geridos diretamente pelos políticos de Punto Fijo, engordaram uma plutocracia paraestatal beneficiada por contratos dos mais diversos tipos com a PDVSA. Esses barões do petróleo fortaleceram suas posições como banqueiros, controladores de cadeias televisivas, proprietários de companhias importadoras, entre outros ramos de baixo risco. O fato é que o estamento político fundiu-se de vez com os donos do dinheiro.

Durante os dez anos de bonança, nacos de felicidade chegavam ao andar de baixo. Afinal, mesmo com as bolsos cheios, políticos precisam de votos e isso demanda agradar a clientela. A Venezuela petroleira era um país saudita, mas em regime de democracia eleitoral.

Quando a cotação do petróleo despencou, a partir dos anos 80, o modelo foi à bancarrota. A inflação deu um pinote de 7,4% anuais em 1978 para 103% em 1996. Os juros da dívida passaram a representar 30% do orçamento nacional. O PIB per capita, descontada a inflação, caiu quase 19% entre 1978 e 1998. No mesmo período, o salário real perdeu 48% de seu valor, provocando uma queda de 25% no consumo familiar, enquanto o desemprego pulou de 4,3% para 14,5%.

A ruína, porém, não foi para todos. O setor privado, antes vivendo à tripa forra graças a escalada da renda petroleira, passou a compensar eventuais perdas com ganhos financeiros auferidos através dos juros que o Estado passou a oferecer para colocar no mercado títulos da dívida pública. A prova dessa fartura está nos mais de US$ 30 bilhões de dólares enviados para o exterior entre 1984 e 1998, quando o país sucumbia.

A transferência acelerada de recursos públicos para os grupos empresariais,  nos governos pré-Chavez, foi acompanhada por uma das versões mais radicais do programa de ajustes recomendado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional): reajuste das tarifas de serviços públicos, corte das verbas sociais, privatização de empresas estatais.

O fato é que, quando o atual presidente começou sua gestão, tinha diante de si um país com a economia quebrada e a sociedade esgarçada. Dez por cento da população de então, 23 milhões, estavam incluídos na pátria do petróleo e das finanças. Os demais 90% assistiam seu padrão de vida despencar, corroído pelo desemprego, o arrocho salarial e a eliminação de direitos. A maioria dessa gente deu a Chávez seu aval para enterrar a IV República e iniciar um impetuoso processo de mudanças.

Início

O primeiro passo do novo regime, denominado V República a partir da Constituição de 1999, foi explodir o sistema político que havia herdado. Amparado por maioria parlamentar, os partidários de Chávez puderam adotar uma série de mecanismos plebiscitários e de participação política que detonaram o controle institucional antes exercido pelo bipartidarismo. As forças derrotadas pelo chavismo perderam hegemonia sobre a assembléia nacional, o poder judiciário e as forças armadas.

As novas regras do jogo permitiam que consultas impositivas, através de referendos, fossem convocadas pelo presidente, o parlamento ou até por iniciativas populares com um mínimo de apoio. Mandatos legislativos ou administrativos poderiam ser revogados por voto popular. Leis poderiam ser aprovadas a despeito do parlamento, se fossem chanceladas pelas urnas.

Essa ofensiva política enfraqueceu os setores mais conservadores. No final de 2001, Chávez sente-se forte para deslanchar suas primeiras reformas estruturais na economia. As principais foram a Lei de Terras (que fixou os parâmetros de reforma agrária) e dos Hidrocarbonetos (que aumentou impostos sobre  as companhias privadas e o controle governamental sobre a atividade petroleira).

A reação da oposição e dos grandes grupos econômicos foi imediata, convocando às ruas a classe média e açulando os militares para que se rebelassem contra o governo. Aproveitando-se de seu amplo domínio sobre os meios de comunicação, esses círculos criaram um clima de caos e lançaram-se na empreitada do golpe de Estado, em abril de 2002. A aventura durou menos de 48 horas. Militares legalistas, impulsionados por centenas de milhares que se manifestavam nas ruas, restituíram a Chavez o mandato constitucional.

Nova intentona viria a ocorrer no final de 2002, dessa vez através de uma greve patronal que paralisaria a economia do país, centrada na PDVSA, ainda controlada por diretores e gerentes que se recusavam a obedecer ao governo. Novamente o presidente venceu a queda de braço, após uma batalha de 60 dias. Na seqüência do golpe de abril, tinha desbaratado os grupos adversários dentro das forças armadas. Derrotada a paralisação petroleira, Chávez finalmente conseguiu colocar a estatal sob seu comando, ainda que às custas da demissão de 32 mil funcionários que aderiram ao locaute.

A oposição ainda teve energias para convocar, em 2004, um referendo revogatório, para destituir o presidente pela via constitucional. Aliás, na Venezuela de Chávez, tisnado por seus inimigos como déspota, a assinatura de 20% dos eleitores pode levar a um plebiscito para demitir o chefe de Estado. Apesar de ter conseguido essa subscrição mínima, os oposicionistas foram batidos na consulta popular. O presidente manteve seu mandato e foi reeleito, em 2006, com mais de 60% dos votos.

Teste para Chávez

Essa gestão se encerra em janeiro de 2013. Terá sido a terceira do líder bolivariano (a primeira durou apenas um ano e meio, entre 1999-2000, encerrada após a promulgação da nova Constituição). Depois de cinco anos nos quais sua principal preocupação foi levar a cabo uma revolução política que afastasse as velhas elites do poder e derrotasse suas empreitadas anticonstitucionais, Chávez dedicou os últimos seis anos à construção de um novo projeto econômico-social, que em outubro será julgado nas urnas.

O presidente abriu várias frentes. Sua primeira invenção foram as missões sociais, destinadas a enfrentar principalmente as carências na saúde e na educação. Ao mesmo tempo, acelerou um amplo processo de nacionalizações, a começar pela ramo petroleiro, mas atingindo também outras áreas estratégicas como sistema financeiro, siderurgia e comunicações, às vezes resvalando para segmentos menos importantes como a distribuição varejista e serviços. Parte dos lucros da PDVSA, do aumento dos impostos e da dívida pública foi destinada a pagar pela aquisição dessas companhias.

A estratégia chavista, desde 2006 batizada de “socialismo do século XXI”, tem como centro um Estado forte, provedor de direitos e regulador da economia, com expressiva participação direta na propriedade dos meios de produção.  Não está no horizonte a eliminação dos capitalistas, como ocorreu em outras experiências socialistas. Seus oponentes, por sinal, costumam criticá-lo por ter criado uma “boliburguesia”, empresários atrelados ao governo e ao projeto bolivariano.  De toda forma, não há dúvidas que, ao nadar contra a corrente das idéias liberais triunfantes após o colapso da União Soviética, Chávez despertou a atenção mundial para seu país.

Esse destaque atualmente é movido mais pela polarização político-ideológica com os Estados Unidos e demais potências ocidentais, além dos conflitos com a oposição interna. Defensor da integração latino-americana e de uma geopolítica sem o predomínio exercido pela Casa Branca, o presidente venezuelano virou ator importante no cenário internacional. A recente filiação de seu país ao Mercosul, celebrada dia 31 de julho, ressalta esse protagonismo.

Mas a Venezuela de Chávez merece ser investigada para além da batalha de ideias. Os resultados desses quase 14 anos não são desprezíveis. Apesar dos problemas, como as dificuldades para diversificar a indústria e a alta criminalidade nas grandes cidades, o país realizou feitos notáveis. Não é pouca coisa ter sido declarada nação livre do analfabetismo pela UNESCO. Ou ser o país sul-americano com a melhor distribuição de renda, segundo o índice Gini. Ou apresentar o maior salário mínimo da região, conforme dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Ou comemorar o mais acelerado padrão de crescimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no continente durante a última década, fato informado por relatório recente das Nações Unidas.

A pátria fundada por Simón Bolívar passou a jorrar mais do que petróleo. Suas experiências e mudanças, goste-se ou não, são assuntos relevantes para quem quiser discutir com seriedade os desafios contemporâneos.

sábado, 18 de agosto de 2012

Reflexiones: La vida y la muerte



Vivir sin analizar la vida es tal vez la mejor manera de disfrutarla, porque llegar a comprender la vida es llegar a temerla, si se tiene un alma débil, o llegar a despreciarla, si se tiene un alma fuerte.

La tristeza de la vida viene de la inutilidad absoluta de ella: ¿cuál de nuestras conquistas nos acompaña más allá de la vida? ¿Qué es nuestra vida, ferozmente maltratada entre lo incierto y lo inevitable? ¡Nadie nos responderá! La primera condición para vivir feliz es ignorar la vida.

Saber es un dolor, ignorar es una desgracia. ¿Qué hacer entonces? ¡Procurarnos el dolor de saber nuestra desgracia, y ser así dos veces desgraciados!

Este amor de lo incognoscible que hay en el cerebro, y este amor de lo imposible que hay en el corazón, ¿no forman acaso toda la tormentosa impotencia de nuestros esfuerzos en la vida?

Tal vez la suma de todas nuestras incertidumbres y de ensueños jamás realizados totaliza la única realidad de nuestra vida. Tal vez

El objeto de la vida… ¿es la ventura? Tal vez, porque todo nace para morir, y la muerte es la única ventura concedida al hombre, que no es sino un triste prisionero de la vida.

¡Quién pudiera estrangular el pasado, para no oírlo llorar! ¡Quién pudiera estrangular el presente, para no oírlo mentir! ¿…el futuro…? ¡Qué puede importar el futuro a quien su vida no es más que el tránsito de un pasado sin ventura a un presente sin esperanza!

Para hacer soportable ésta condena que tan ostentosamente llamamos “vida” es necesario que tengamos siempre presente el ideal de la libertad, y si no podemos realizarlo, muramos de rodillas ante él, fijos los ojos en ese horizonte que ha sido la perspectiva de nuestros combates, y no apartemos la vista de él sino para mirar apasionadamente el rostro de la muerte: ella también es un ideal, ¡el único que no muere en un alma enamorada de la libertad!

La muerte es la libertad absoluta, porque ella nos libera de la vida. De ahí que a los mercenarios de ésta precaria libertad que es la vida la muerte los castiga dejándolos vivir. ¿Existe acaso otro castigo más justo?

Es muy cruel tener que morir cuando se tiene el anhelo de seguir viviendo, pero es mucho más cruel tener que seguir viviendo cuando se tiene el anhelo de morir.

Hay mucha más dignidad en morir por desprecio a la vida que en obstinarse en vivir por miedo a la muerte.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

As perguntas não respondidas sobre o ‘mensalão’


Passada a fase da defesa dos réus, os ministros do Supremo Tribunal Federal começaram nesta quinta-feira 16 a expor seus votos sobre o chamado “mensalão”. Durante a primeira etapa do julgamento, os advogados tentaram explorar as contradições expostas na denúncia da Procuradoria Geral da República – parte dela baseada no relatório da CPI dos Correios, entregue em março de 2006. O relatório, que seria aprovado uma semana depois pelos integrantes da comissão, foi uma espécie de reconhecimento da tese do “mensalão” escancarada por Roberto Jefferson. Desde então, muitas perguntas ainda faltam ser respondidas, como mostrou uma reportagem publicada assinada por Sergio Lirio na edição de número 387 de CartaCapital.
Como recordar é viver, republicamos no site a matéria de 5 de abril de 2006, que já apontava todas as brechas no documento legado pelo relator da CPI, Osmar Serraglio. Está agora nas mãos dos ministros do Supremo decidir quantas das perguntas listadas há mais de seis anos puderam ser respondidas por procuradores, advogados e réus. Confira:
PERGUNTAS AO RELATOR 
O relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDBPR) resistiu poucas horas. Enfático, mas vazio de provas, o trabalho desagradou a todo mundo. Na noite de 29 de março de 2006, parlamentares governistas e oposicionistas reuniram-se para achar pontos de acordo que não inviabilizem a aprovação do texto. O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), disse que o prazo final para as sugestões termina na terça-feira, 4 de abril. CartaCapital relaciona algumas perguntas não respondidas por Serraglio.
ONDE ESTÃO AS PROVAS DO MENSALÃO?
O relatório de Serraglio chama de “farsa” o argumento de que as operações do PT com o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza serviram para esconder o caixa 2 nas eleições de 2004. O texto é categórico ao defender a existência do mensalão, mas, de forma contraditória, em nenhum momento afirma que tenha havido compra de votos para aprovação de projetos de interesse do governo.
O deputado culpa a falta de provas à CPI da Compra de Votos, criada, entre outros motivos, para apurar a existência do mensalão e que acabou sem produzir relatório final. E remete ao Ministério Público Federal a responsabilidade de confirmar se houve ou não pagamento regular a parlamentares.
Após 287 dias, o trabalho de Serraglio continua com as mesmas incongruências apresentadas nos textos parciais. Dos 19 deputados acusados de receber o mensalão, sete são filiados ao PT. Por que parlamentares petistas precisariam receber dinheiro para votar com o governo? Serraglio não esclarece. Outro citado, Roberto Brant, integra o PFL, legenda que mais faz oposição a Lula no Congresso. Sem os petistas e Brant, sobram 11 parlamentares da base governista. É possível ganhar uma votação na Câmara pagando a tão pouca gente? Outra dúvida: se o relator confirma o mensalão, por que os parlamentares serão indiciados apenas por crime eleitoral, que pune caixa 2?
POR QUE O EX-DEPUTADO JOSÉ BORBA NÃO FOI INDlCIADO?  
Nas vésperas da divulgação do relatório, circularam boatos de que 50 novos nomes seriam incluídos na lista de beneficiários do Valerioduto. A maioria seria do PMDB, partido do relator. Serraglio teria omitido a nova listagem por considerá-la inconfiável. O ex-líder do partido na Câmara, deputado José Borba, paranaense como Serraglio, nem sequer chegou a figurar entre os possíveis indiciados. Detalhe: Borba renunciou depois de a imprensa divulgar que ele recebeu cerca de 2 milhões de reais das contas de Marcos Valério.
QUANDO O ARGUMENTO DE EMPRÉSTIMO VALE?  
Segundo Serraglio, o PT e Marcos Valério inventaram os empréstimos de 55 milhões de reais para esconder os crimes cometidos. Quando se trata do argumento petista, o relator toma o correto cuidado de usar a palavra empréstimo entre aspas.
A mesma cautela não é utilizada no caso do senador tucano Eduardo Azeredo. Ao relatar a situação de Azeredo, Serraglio usa empréstimos sem aspas.
Para relembrar. Azeredo foi candidato à reeleição ao governo de Minas Gerais em 1998. O então tesoureiro da campanha, Cláudio Mourão, admitiu em depoimento à CPI ter feito um caixa 2 de cerca de 12 milhões de reais. O dinheiro teria saído de empréstimos do Banco Rural avalizados por Marcos Valério. Mais tarde, um documento assinado por Mourão, cuja autenticidade foi confirmada por peritos da Polícia Federal, relaciona um caixa 2 de 92 milhões de reais na campanha tucana. Parte substancial dos recursos teria origem em contribuições ilegais de empresas estatais mineiras, entre elas a Cemig e a Copasa.
POR QUE NÃO HÁ REFERÊNCIAS AO CASO FUNDACENTRO?  
O Ministério Público Federal comprovou desvios de 5,8 milhões de reais nas verbas publicitárias da Fundacentro, ligada ao Ministério do Trabalho, controladas pela SMP&B. À época, Marcos Seabra de Abreu Rocha, funcionário do governo de Minas Gerais, era diretor financeiro da instituição. Segundo o MP, a maior parte dos desvios ocorreu em 1998, justamente no ano em que Azeredo concorreu à reeleição.
Por causa desses fatos, Azeredo pode ser considerado o “pai do Valerioduto”. Essa linha temporal parece, porém, não ter interessado ao relator. Na descrição do funcionamento do esquema, Serraglio omite o histórico relacionado à campanha tucana de 1998. Azeredo, cujo processo acabou arquivado no Conselho de Ética do Senado, deve ser indiciado por crime eleitoral, já prescrito.
É O MAIOR CASO DE CORRUPÇÃO DA HISTÓRIA?  
Se é, o relatório não conseguiu provar. Serraglio diz que as fontes do Valerioduto foram empresas estatais e privadas. O texto final não consegue, porém, ir além do que havia sido apresentado em novembro de 2005. Em nove meses, a CPI avançou muito pouco na definição das fontes que abasteceram o esquema. O principal trunfo do relator é o repasse de 12 milhões de reais, sem serviços comprovados, às agências de Marcos Valério pela Visanet, empresa da qual o Banco do Brasil detém 33%. Outra companhia citada é a Usiminas, que teria feito uma doação via caixa 2 à campanha do deputado pefelista Roberto Brant. Valor da contribuição: 125 mil reais.
Há omissões imperdoáveis. O relator esquece de detalhar o uso de verbas das operadoras Telemig Celular e Amazônia Celular. Técnicos da CPI identificaram movimentações de 122 milhões de reais da Telemig e de 36 milhões de reais da Amazônia para as agências DNA e SMP&B, mas o relatório deixa de informar se os pagamentos correspondem a serviços prestados. Quanto à Brasil Telecom, Serraglio esquece de citar os contratos de 50 milhões de reais fechados com Valério semanas antes de o ex-deputado Roberto Jefferson dar a primeira entrevista à Folha de S.Paulo. Isso leva à próxima pergunta.
POR QUE O BANQUEIRO DANIEL DANTAS NEM SEQUER FOI CITADO NO RELATÓRIO?
A informação prestada pelo gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS) é de que a omissão foi um lapso do relator. Por meio de assessores, Amaral garantiu que a participação de Dantas na crise ficará explícita no texto final, a ser aprovado em meados de abril.
A omissão chama atenção porque as referências ao banco Opportunity permeiam todo o relatório. A Brasil Telecom, operadora de telefonia administrada por Dantas até outubro de 2005, aparece como uma das principais fontes do Valerioduto.
À CPI, Marcos Valério e Delúbio Soares afirmaram que o publicitário intermediou reuniões de petistas com representantes do banqueiro. Em janeiro deste ano, CartaCapital revelou que Humberto Braz, lobista do Opportunity em Brasília, encontrou-se diversas vezes com o publicitário e com emissários petistas em meados de 2004. Foi um período extremamente difícil para Daniel Dantas. Em junho, soube-se que o orelhudo havia contratado a Kroll para bisbilhotar a vida de desafetos e concorrentes. Em outubro, a Polícia Federal apreendeu documentos na sede do banco e na casa de Dantas. Por pouco, o banqueiro não foi preso.
Chamado a depor na comissão, o banqueiro falou por 19 horas. Disse ter sido perseguido tanto pelo governo Fernando Henrique Cardoso quanto pelo de Lula. Auditoria da nova diretoria da BrT mostrou que Daniel Dantas mentiu várias vezes no depoimento à CPI e que sua ingerência na BrT era maior do que afirmava. Carla Cico, expresidente da operadora de telefonia, aliada do banqueiro, esteve diante dos parlamentares por oito horas.
COMO EXPLICAR A VIAGEM DE MARCOS VALÉRIO A PORTUGAL?
Para provar que José Dirceu era o “chefe do esquema”, o ex-deputado Roberto Jefferson mencionou uma viagem de Marcos Valério a Lisboa. Segundo Jefferson, o publicitário, acompanhado do petebista Emerson Palmieri, teria ido achacar empresários portugueses. Serraglio manteve essa versão no relatório, mas evitou aprofundar o assunto.
Em janeiro de 2005, Marcos Valério reuniu-se com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa. Sabe-se que a Portugal Telecom queria comprar a Telemig Celular e que Dantas tentava uma maneira de convencer os fundos de pensão a aceitar o negócio, ruim para eles. Daniel Dantas contava com o apoio de integrantes do governo Lula para dobrar os diretores das fundações, em especial Sérgio Rosa, da Previ. O relator não se esforçou para tentar elucidar a principal questão: em troca de quê Miguel Horta e Costa aceitaria “doar” dinheiro ao PT e ao PTB?
O QUE FAZER COM O SUB-RELATÓRIO DE ACM NETO?
A criação da sub-relatoria de fundos de pensão foi uma reação da “bancada do orelhudo” no Congresso, a turma do PFL que desfruta do apoio e da amizade de Dantas. Quando aumentavam as evidências de que a disputa pelo controle da Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular estava na gênese da crise política, a bancada amiga arrumou uma forma de desviar o foco. O objetivo era descobrir se os maiores fundos, Previ, Petros e Funcef, em disputa com o Opportunity, financiaram o Valerioduto.
O trabalho de ACM Neto, apoiado por auditores da Ernst & Young, passa longe desse objetivo. A denúncia bombástica do deputado ficou menor. Depois que os auditores limparam o trabalho de vários erros grosseiros, os supostos prejuízos de 725 milhões de reais de 14 fundos viraram 300 milhões, a maior parte concentrada em pequenas instituições. A nova quantia continua passível de novos questionamentos.
Os alvos principais da investigação saíram ilesos. O sub-relator sugere que o Ministério Público aprofunde a investigação para descobrir possíveis irregularidades na Previ e na Petros, mas não pede o indiciamento de nenhum diretor das duas instituições.
O QUE O BANCO SANTOS, A PRECE E A GEAP TÊM A VER COM O MENSALÃO?
ACM Neto propôs o indiciamento do diretor-financeiro da Funcef, Demósthenes Marques, por conta de perda de 10 milhões de reais em aplicações no Banco Santos.
É uma sugestão curiosa. Nunca houve qualquer ilação de que as aplicações na falida instituição de Edemar Cid Ferreira tenham relação com o esquema de Marcos Valério. Além disso, o sub-relator acha importante citar o prejuízo da Funcef, mas ignora o prejuízo da fundação dos empregados do Banco do Estado do Ceará, que perdeu quase 8 milhões de reais no Banco Santos. O Ceará é administrado pelo tucano Lúcio Alcântara, ligado ao presidente do PSDB, Tasso Jereissati. Tucanos e pefelistas formarão uma chapa presidencial nas próximas eleições. O próprio Jereissati foi vítima da butique financeira de Cid Ferreira. Perdeu cerca de 2 milhões de reais.
Fosse a exclusão de fundos estaduais um critério, tudo bem. Mas não é. O sub-relator sugere o indiciamento de seis dirigentes da Prece, dos empregados da companhia de água e esgoto do Rio de Janeiro, e de dois da Geap, da fundação de seguridade social.
Ambos estão subordinados a Rosinha Garotinho, cujo marido sonha ser candidato à Presidência pelo PMDB. É até possível que as caixas de previdência tenham cometido irregularidades sem-fim. Só que, mais uma vez, é necessário perguntar: Por que investigar a Prece e o Geap? Qual a participação dos dois fundos estaduais no suposto pagamento de mensalão a deputados federais? Foi para engordar a soma dos prejuízos? O sub-relatório não responde.
QUEM FINANCIOU A CORRUPÇÃO?
O deputado ACM Neto esforçou-se para achar problemas, apesar de na parte principal do relatório do colega Serraglio não ter incluído os fundos entre os financiadores do Valerioduto. Mesmo sem chegar a qualquer conclusão, o sub-relatório dedica seis páginas ao acordo que obriga os fundos a comprar as ações do Citibank na Brasil Telecom, caso as partes não consigam realizar uma venda conjunta da empresa até o fim de 2007. Na falta de provas mais concretas, abusa da acrobacia verbal. Anota, por exemplo: “A influência político-partidária, na nomeação de diretores, não permite que se afastem as hipóteses de ingerência indevida nos interesses dos fundos de pensão. Operações atípicas como o contrato de Put das ações da Brasil Telecom, bem como o direcionamento, especialmente em 2004, na aquisição de créditos de instituições bancárias como o BMG e o Rural, e investimentos em empreendimentos como Umberto Primo e Costa do Sauípe”.
Dito dessa maneira, parece que todos os negócios foram feitos pelos atuais dirigentes das fundações. O deputado omite que os investimentos da Previ no complexo hoteleiro Costa do Sauípe, na Bahia, são de 1999. Deixa de dizer também que a Fundação dos Empregados do Banco do Brasil contabiliza prejuízos de 900 milhões de reais, o triplo dos prejuízos de 14 fundos apontados em seu trabalho. Não há menção ao fato do avô, ACM, ter pressionado para que a Previ investisse em Sauípe, apesar de análises técnicas contrárias. Antonio Carlos Magalhães, defensor dos interesses baianos, afirmou, depois de CartaCapital revelar na edição 383 (de 8 de março de 2006) sua atuação no caso: “O investimento foi bom para a Bahia, mas se fosse diretor da Previ eu votaria contra”. Fica como sugestão de epígrafe para o subrelatório do neto.
Aprendiz da manha política da família, ACM Neto conseguiu arrancar elogios de jornalistas que tiveram acesso a seu relatório com antecedência. É assim mesmo. Parte considerável dos repórteres de Brasília abre mão do espírito crítico em troca de migalhas. Houve, por isso, quem na imprensa elogiasse a proposta do deputado de criação de uma agência para fiscalizar os fundos.
CartaCapital relembra episódio narrado na reportagem “A orelha desponta”, publicada na edição 353 (de 3 de agosto de 2005). Capitaneados por ACM e Jorge Bornhausen, a bancada do PFL no Senado derrubou a Medida Provisória que criava a Superintendência Nacional de Previdência Complementar, apelidada Previc. A intenção do governo era fortalecer a fiscalização dos fundos.
O primeiro parecer sob responsabilidade da Previc dizia respeito ao uso da Fundação 14, ligada à Brasil Telecom, no interesse de Dantas. À época, a fundação patrocinou ações judiciais contra os sócios do Opportunity na BrT. Procuradores da Previc entenderam que a liminar obtida pelo fundo não tinha valor. Decidiu, portanto, contra Daniel Dantas. E foi extinta por ação dos senadores pefelistas.
Poderá também gostar de: